Em Marcos 12 os saduceus, a maioria dos quais eram membros da classe sacerdotal, e que não criam em espírito, nem na existência de anjos, e nem em ressurreição de e dos mortos, “tentaram” Jesus propondo-lhe uma questão na qual sutilezas estavam embutidas na intenção de incriminar.
A primeira era que se a Lei era de Deus, então, não poderia haver contradição nela; portanto, não poderia haver ressurreição dos mortos, pois, no caso de haver ressurreição, de quem seria esposa a mulher que tivesse, segundo a Lei, tido sete maridos, todos tentando suscitar descendência ao primeiro marido dela, e irmão de cada um dos que, em casando com essa viúva negra, vieram logo a morrer.
A tentação para Jesus era no sentido de que Ele arranjasse algo que fosse um remendo, uma tentativa sistêmica de conciliação entre o Seu ensino e aquelas duas impossibilidades: uma de natureza legal; a outra de natureza lógica.
Aquela, por assim dizer, era uma “tentação de construção de uma lógica teo-lógica”. Era a tentação da sistematização. Era a tentação da política das idéias. Era a tentação de fazer o Evangelho uma realidade palatável; isto é claro, para Jesus; pois, para os saduceus, o objetivo da questão era tentar “incriminar Jesus”.
Mas Jesus vence essa tentação de modo simples.
Primeiro Ele diz que a ressurreição é pertinente a uma dimensão na qual os vínculos definidos pelas morais relacionais que se tornaram modos absolutos de sentir, estarão todos sublimados, não no sentido psicológico-pejorativo, mas na sua mais sublime significação.
Casamentos, posses, intercurso sexual, ciúmes, genética, confinamento familiar e cultural, todas essas coisas, darão lugar ao amor que é para além de toda a necessidade de possuir. Por isso, nem se casam e nem se dão em casamento.
Mas a segunda resposta que Jesus deu teve a ver com algo que exegética, hermenêutica e sistemicamente, do ponto de vista teológico — é uma aberração; só não sendo por nós assim considerada porque, tendo sido Jesus quem a “cometeu”, para Ele há uma “concessão especial” de nossa parte, quanto ao uso que Ele fez das Escrituras.
Ao invés de provar com argumentos sistematizados a “idéia bíblica” da ressurreição, Jesus apenas resolveu tudo apelando para um tempo verbal: Deus não dissera acerca de pessoas que haviam morrido: “Eu era o Deus de…”; mas sim: “Eu sou o Deus de…”.
Portanto, se os que morreram eram tratados por Deus como seres vivos, no presente de Deus, então, para Ele, todos estavam vivos; sendo a ressurreição, por tal razão, uma conseqüência natural de uma existência onde, para Deus, todos vivem.
Quem entende tais coisas discerne que para o homem a palavra mais importante é Ser; e descobre que para Deus a única palavra essencial é, É!
Nele, que É, e, por isso, eu sou Nele,
Caio
2003
Copacabana