Jesus nunca fez força para escrever nada em pedra, nem mesmo em tinta; e até quando se referiu ao Evangelho em relação às novas gerações, Ele disse: “Onde quer que esse evangelho for ‘contado’, isto será ‘lembrado’…” E disse: “Fazei isto em memória de mim”. E afirmou: “O Espírito vos fará ‘lembrar’ de tudo o que eu vos disse…”.
Ele cria mais no “arder do coração” estimulado pela revelação Dele na pregação e no ensino verbal do Evangelho, do que em qualquer estudo da Escritura que não faça “arder o coração” pelo caminho.
Ele ensinou isto no caminho de Emaús.
Os Seus primeiros discípulos não discutiam religião e nem coisa alguma acerca de Deus com Jesus.
Não se vê um único apóstolo, durante o tempo em que com Ele estavam no caminho, que lhe tenha pedido alguma explicação especial acerca das Escrituras.
E quando fazem a Ele alguma pergunta, sempre é do tipo: “Não dizem os anciãos…?; ou: “Dizem os fariseus…”
No mais, todas as questões deles são sobre o mundo real ou as esperanças de todos.
Eles não tinham nada mais para ver, saber, observar, e seguir para além de Jesus.
Somente tempos depois da Ascensão de Jesus aos céus, e, pela necessidade de responder aos Judeus acerca de sua fé, é que usaram as Escrituras para afirmar que Jesus era o Cristo.
E, ao fazerem-no, certamente apenas se lembravam de tudo aquilo que Jesus mesmo lhes expusera no caminho, ou enquanto comiam e bebiam com Ele, mostrando tudo o que a Seu respeito contava em todas as Escrituras.
E isto aconteceu apenas depois que Ele ressuscitou de entre os mortos.
Não antes!
Assim, os discípulos originais de Jesus não o enxergavam a partir das Escrituras, mas justamente o contrário: eles liam agora as Escrituras a partir de Jesus.
Ou seja: enquanto andavam com Ele, apenas o ouviam, viam e tocavam, conforme João afirma em sua primeira epístola.
E, além disso, o próprio Jesus os ensinou que primeiro tem-se que conhecer o Evangelho, que é Cristo Jesus; e, só então, as Escrituras poderão ser lidas sem fazer mal a alma.
Sim, pois os fariseus e outros, as liam todos os dias, a partir dela própria; e, por isto, não a viram cumprir-se em Jesus, bem diante dos olhos deles.
Por isto, somente os não “pré-condicionados” pelas interpretações das Escrituras conforme a religião judaica, parecem ter tido menos dificuldade em Nele ter fé; mais fé do que qualquer cidadão de Israel, como o Centurião ou a Siro-Fenícia.
No entanto, quando não se tem tal entendimento, lê-se o Evangelho a partir das Escrituras como um todo; e, assim, Jesus fica dentro da camisa de força da Escritura, especialmente porque muito da Escritura, era “sombra do que haveria de vir” — e veio, em Jesus!
Além disso, há ainda uma outra parte da Escrituras que já foi declarada como “obsoleta”, e como algo que “caiu em desuso”, conforme Paulo — que usa até termos mais fortes, ao dizer que tais coisas da carne e da justiça-própria, “morreram” —; e isso também de acordo com o escritor de Hebreus. “Tais coisas eram ‘sombra’ do que haveria de vir” — é o que se diz.
No entanto, quando se lê o Evangelho a partir desse ‘todo da Escritura’, toda essa “sombra”, continua vigente, e todas as coisas feitas “defuntas” no Evangelho e na Cruz, levantam-se de entre os mortos a fim de atormentarem as almas “cristãs”.
Portanto, durante muito tempo, os discípulos seguiam assim… apenas olhando para Jesus; e, depois, apenas lembrando e vivendo conforme o ensino de vida de Jesus.
Desse modo, o Evangelho ia de história em história, de testemunho em testemunho, e de muita revelação do significado do Evangelho para a pacificação do ser.
Mas quando as filosofias gregas se tornaram o método de leitura da Escritura, já tendo havido a prevalência do espírito de um híbrido cristão nascido em Jerusalém, e que era o casamento de Tiago com os sacerdotes judeus que se haviam convertido à fé, mas não haviam abandonado os “ritos antigos” — “as sombras” —; criou-se a oportunidade histórica para se fazer a maior subversão que já foi feita à fé genuína conforme o Evangelho.
E que subversão foi essa?
Ora, o sacerdotalismo cristão de Jerusalém estabeleceu a prioridade de se ler Jesus a partir das Escrituras, e, os doutores da Igreja, que já haviam sido cooptados pelo método grego-aristotélico, encarregaram-se de “construir um Jesus” que tem mais “da sombra” do que de Jesus.
Ou seja: tem mais de Moisés do que do único Deus, Encarnado em Cristo Jesus.
Assim, os doutores, agora já da “igreja”, crentes que o método grego era uma mediação útil à leitura das Escrituras, e, como conseqüência, ensejando a possibilidade de se sistematizar a Verdade como algo “científico”, partiram para “ler Deus” a partir do todo da Escritura; ao invés de apenas crerem no que Jesus dissera: “Quem me vê a mim, vê o Pai”.
A subversão mais perversa e sutil foi essa: Jesus deixou de ser a chave hermenêutica para a leitura e entendimento do espírito da Escritura; e a Escritura passou a ser o “ambiente regulamentar” das liberdades dos movimentos de Jesus; e, sobretudo, dos crentes.
Ou seja: Jesus se tornou, gradualmente, menos importante do que a “Sombra”.
Posto que boa parte da produção da “igreja” — ou toda ela —, do ponto de vista da ciência teológica, é algo construído tendo Jesus como Salvador, e a Sombra como agente santificador.
A Sombra virou a Moral da “Igreja”!
E sua neurose também!
Ora, tudo isto parece sem importância.
Porém, é isso que o diabo deseja manter como ortodoxia para a “igreja”.
Pois, enquanto for assim, o povo permanecerá sob “o peso de obras mortas”; visto que “o sacrifício de bodes e de touros” psicológicos, não são suficientes para fazer remissão definitiva dos pecados.
E digo isto porque o que resultou dessa perversão foi a volta existencial à “Sombra”, visto que onde a “Sombra” é valorizada, Aquele que é a realização de “tudo quanto haveria de vir”, Jesus, passa a ser apenas o triunfo da Sombra; posto que agora Ele apenas dá nome àquilo que Ele mesmo morreu para matar definitivamente para todos os homens.
Outro sério problema de ler Jesus a partir da Escritura, e não o contrário, é que é impossível haver unidade no Espírito no vinculo da paz.
E por quê?
Ora, é que ler a Escritura a partir de Jesus nos faz a todos ver a mesma coisa inequívoca: Jesus, conforme os evangelhos.
Todavia, olhar para Jesus a partir das Escrituras, faz Jesus ter tantas faces quantas “montagens teológicas e doutrinárias” se conseguir dogmatizar ou sistematizar.
E eu lhe garanto: a partir da Escritura como um todo, e usando o método grego de dogmatização, sistematização, e lógica; pode-se construir, literal e infinitamente, qualquer coisa, qualquer Deus, qualquer Cristo, qualquer Jesus, qualquer idolo.
E a prova definitiva do que digo é a própria História de Confusão do Cristianismo!
E a razão é apenas esta: a “igreja” vê Jesus a partir das doutrinas criadas nas Escrituras, razão pela qual Ele não tem mais face única para os Seus discípulos.
Sim, Jesus ficou preso na cadeia da hermenêutica, refém de doutrinas, e encastelado no edifício teológico do híbrido judaico-cristão-grego-aristotélico.
E mais: antes mesmo do fenômeno histórico por mim acima descrito, já tinha havido a leitura/auditiva do Kerigma a partir da filosofia gnóstica; já do meio para o fim do primeiro século e até ao final do terceiro século.
Sem dúvida isto também faz demonstração de que qualquer olhar/ouvir/filosófico tem o poder de mudar qualquer informação objetiva, transformando-a em qualquer outra coisa.
Isto porque filosofia e pulsão pessoal quase nunca se separam; e, por isto, não existe objetividade na observação filosófica, posto que já chegue em busca do que procura em razão da irracionalidade da pulsão que motorize aquela alma.
Ora, na prática, isto faz com que aquilo que deveria ser o Corpo de Cristo, vivendo em amor e unidade, surja como uma Besta de muitas caras e chifres, e que vive e se alimenta de ódio e dês-afinidade fraterna.
Afinal, as tribos do Velho Testamento eram irmãs, mas nunca se deram bem!
Na “Sombra” a gente até pensa que vê, mas tem vislumbres, no máximo. Sem falar que na Sombra todo tropeço tem acusão, pois, dá até para ver. Diferentemente dos que vivem na escuridão, onde cada tropeção é apenas acidente; e mais diferente ainda dos que andam na Luz, conforme Jesus, para os quais todo tropeço é apenas uma chance de crescer na luz da Graça, do Amor e do Perdão que se transforma em graça do homem para com o homem; posto que se Deus é amor, Jesus é amor.
No fim vem a pergunta:
Que relevancia há para o Evangelho além de ser a Revelação do amor de Deus?
Se não for somente isto, já não presta para mais nada.
Se não for apenas Luz, será uma Sombra mais densa de trevas que a escuridão; posto que estará cegada pela presunção da Penumbra da Religião e de suas hermenêuticas de Sombra Escriturada.
Nele, em Quem me sinto autorizado a dizer o que digo,
Caio
2005
Copacabana
RJ