NUM “A a Z” ANTES DE TUDO, DEUS MATOU DEUS: e criou tudo!

Eu tinha cerca de 18 anos quando li pela primeira vez que o Cordeiro havia sido imolado desde antes da fundação do mundo. Um ano depois, lendo o Apocalipse, vi a frase repetida, e percebi como em sendo ela retomada num livro de natureza escatológica (final), o seu significado deveria ser por mim buscado ainda mais.

Um dia, entretanto, papai e eu conversávamos sobre a Ordem de Melquizedeque, a qual estávamos estudando juntos, especialmente pelo suscitamento que um livro devocional, hoje extinto em português, chamado “O Evangelho em Gênesis”, havia produzido em nós, no gênesis de nossa pureza em fé.

Naquele tempo, o texto de Romanos 2: 12 a 16, era para mim um elemento de provocação acerca do significado da frase “segredos dos corações dos homens”. Isto porque a tal afirmação é feita depois do apóstolo, no contexto antecedente, ter falado de homens absolutamente alienados de qualquer informação histórica da fé, e de o fazer de modo carinhosamente construtivo e misericordioso; visto que esse é o espírito daquela passagem de Paulo.

Além disso, quanto mais eu lia o Novo Testamento, mais via que o espaço para a surpresa no que concernia a salvação humana, era maior do que a religião cristã afirmava. Isto porque, de modo teológico- emocional, para os cristãos, fora da “igreja” não há, de fato, nenhuma garantia de salvação. Tal realidade a Igreja Católica afirma como doutrina e a Protestante como acordo tácito e silencioso.

No entanto, a leitura desses textos e de muitos outros, tanto do Velho quanto do Novo Testamento, acrescida de muita perturbação pela leitura da carta aos Hebreus, formou o caldo mental do qual saiu minha pequena ‘tese’ de ordenação ao ministério presbiteriano, na década de 70.

A tese era sobre a salvação dos pagãos. A viagem vinha do Cordeiro imolado antes da fundação do mundo, afirmava a centralidade histórica da eleição de Israel como linha de preservação do registro da revelação contínua, até Cristo; mas abria, à luz de Hebreus, a Porta Universal da Graça, visto que o encontro de Abraão com Melquizedeque registrado no Gênesis, bem como a interpretação do significado de tal fato em Hebreus, me levavam a crer de todo o coração que havia duas Ordens Sacerdotais em curso.

Sim, uma de natureza historiável, a de Israel, e que intentava compor a viagem do povo de Abraão e sua fé, e de toda a viagem posterior de divulgação histórica da revelação, a qual, em Jesus teve seu ápice e cumprimento. No entanto, eu via também que havia uma outra Ordem, maior e mais superior, e que se fazia aplicar sobre qualquer um, de tal modo que a linha de Abraão não era o contêiner da revelação, mas sim sua manifestação histórica seqüencial, e, portanto, existindo “dentro” da Ordem de Melquizedeque, e não como algo que a contivesse.

Ou seja: a Ordem do Sacerdócio de Israel existia dentro de uma Ordem Superior, visto que Melquizedeque, que não tem genealogia humana, é um Ser Livre, e abençoa a quem quer, até mesmo a Abraão; mas não se deixa conter por pedigrees, posto que Ele é de uma Ordem Para Além da História conhecível e narrável.

Foi desse ponto de partida que escrevi aquelas poucas linhas de minha quase-tese, perfazendo não mais do que umas setenta páginas.


Naquele tempo meu pai viu a confusão que minha ‘tese’ provocou, e me pediu que evitasse o tema, pois as pessoas não estavam preparadas para ele ainda.

Hoje, entretanto, depois de anos de reflexão silenciosa acerca do assunto, e depois de retomar o tema de vez em quando nos últimos 15 anos, vejo que aquela era a semente mais simples do Evangelho Eterno que me poderia ter sido dado discernir tão jovem.

Agora, quanto mais vejo como fica o mundo, mais vejo que chegou a hora de bradar acerca do assunto.


Alguém perguntaria: Por quê?


É que o “Cristianismo” se identificou tanto com a ordem do “pedigree”, e a si mesmo constituiu-se como um “Israel visível” (até “Estado” tem), que eu sinto, por mera intuição, que o Evangelho terá que ser pregado levando-se em consideração a História Bíblica, porém, apenas para mostrar que existe um Ordem Superior, da qual Jesus é Sumo Sacerdote, e que é eterna, não sendo, por esta razão, objeto do domínio humano, e, muito menos “religiosa”.


Digo isto porque não me é possível pensar no futuro da Terra e crer que o “Cristianismo” terá nele qualquer significado espiritual de mais peso. Ao contrário. O mundo vai se voltar cada vez mais para as realidades que sejam apenas “espírito”. Isto porque, não a religião, mais sim o ‘ambiente da virtualidade’, criou o ‘intangível’ como ‘real’ para os sentidos das novas gerações. Assim, tudo o que for mais hardware do que software, terá cada vez menos significação.

Ora, a Ordem Histórica é o hardware do software que é a Ordem de Melquizedeque, a qual é aos sentidos algo como que ‘virtual’, visto que não é objeto de observação e de verificabilidade, posto que é livre como o vento e solta como a liberdade de Deus.

Hoje, para mim, a convicção de que o Cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo é a afirmação mais importante no que concerne minha visão do significado da existência da vida no Universo, ou em qualquer dimensão. Sim, essa percepção em fé é o elemento de natureza epistemológica essencial pelo qual vejo tudo na existência, das coisas que se vêem às que se não vêem.

Deus é. Mas todas as outras vidas nascem da doação da Vida. Alguém doa vida a fim de que alguém nasça, assim como a semente morre para que possa dar muito fruto.

Nós pensamos que sem vida não há morte. Mas Jesus ensinou no Evangelho que sem morte não há vida.

Todas as coisas e todos os seres e mundos começaram a ser criados quando Aquele que é Deus decidiu não ser Deus, e, assim, entregou Sua Vida para gerar vidas.

Quando o Cordeiro era imolado antes de existir qualquer coisa, essa Vida doada gerou a possibilidade de todas as formas de existência.

Por isto se diz que tudo foi criado por Ele, por meio Dele, e para Ele.

Usando palavras humanas e blasfemas, porém cheias de genuína adoração, eu diria, e Deus entende, que quanto mais Deus tenta se esvaziar de si mesmo, mais Deus Ele se torna — como se tal coisa fosse possível para além de minha ignorância perceptiva!

No entanto, nesse “A a Z” (não há palavras para definir esse ‘momento’ sem tempo, espaço, ou dimensão) que acontece antes de haver qualquer coisa, antes da luz, do tempo, do espaço, e de qualquer ente…, o Cordeiro é Imolado, e Deus morre… e a existência é criada.

No Cordeiro, que é também Melquizedeque, Deus morre a fim de criar a vida, todas as formas de vida e existência.

Não é à toa que se diz que Melquizedeque é sem pai, sem mãe, sem princípio de dias e nem fim de existência, feito Eterno Sumo Sacerdote por Aquele que acerca Dele jurou que Ele seria o Mediador entre o Eterno e todas as criaturas.

É, entretanto, da Ressurreição do Cordeiro imolado antes da fundação do mundo que nascem todos os mundos e todas as formas de existência, as quais são criadas pela Vida de Deus, e com liberdade de evoluir, crescer, se adaptar, procriar, ser eliminado, gerar uma linhagem melhor e mais adequada aos tempos e às circunstancias… E isto por bilhões de anos, conforme nossas medições precárias de tempo.

Até que chegou a Hora do Cordeiro morrer não mais antes de todas as coisas, mas em meio a todas as coisas, na plenitude dos tempos, no coração da História, em Jerusalém, no monte chamado Caveira.

A Cruz de Jesus é a manifestação Histórica e discernível do poder da Vida que num “A a Z” indiscernível, deu vida a todas as coisas, mesmo àquelas que só existiam como possibilidade variável e conceitual.

A Ressurreição de Jesus na História, no tempo e no espaço, é a suprema afirmação de que aquilo que se corrompe como degradação e morte no Universo, não será entregue à putrefação, pois, Aquele que os criou, é o mesmo que também morre e ressuscita a fim de emprenhar a História, a matéria, e todas as formas de existência, com a semente da eternidade.

Há, portanto, um movimento de doação da Vida para criar vidas e existências antes de haver qualquer coisa. Depois há um outro movimento, no cenário da História, no qual, o Mesmo que antes se doara para criar, agora entra, não pela via da Imanência, mas da Encarnação, nas vísceras da carne e da existência observável, a fim de fazer agora a viagem da criação para o Criador.

Ele fez a viagem do Criador para a criatura. Agora Ele viaja da criatura para o Criador. Nele tudo subsiste.

Assim, quando vejo João afirmar que Deus é amor, não me sinto tomado por romantismos cósmicos. Isto porque, para mim, esse amor é manifesto na existência da própria criação; e mais que isto: ele é o próprio ato de se doar para criar; e até de morrer para recriar. Sendo que tudo isto acontece do mesmo modo que as estrelas se formam; ou seja: com explosões, catástrofes, lavas, temperaturas elevadas ou baixas, com frio e calor, com implosões, expansões, supernovas, buracos negros, etc…

Aquilo a que chamamos ‘catástrofe’ é própria matéria da criação!

Assim, a catástrofe da Cruz é a catástrofe que cria os novos mundos, as muitas moradas. E a Ressurreição é a garantia de que toda a criação não se perderá na corrupção da dor e da morte, pois, em Cristo, o destino glorificado de toda a criação está garantido.

Ou seja: assim como a existência existe pelo sacrifício do Cordeiro Eterno, assim também o novo mundo no qual habita justiça existirá em razão do mesmo amor!

É assim que está decretado que pelo sangue de Sua cruz Ele reconciliou consigo mesmo todas as coisas, quer nos céus, quer sobre a terra.

Ora, só pode honestamente crer que haverá algum futuro para a humanidade aquele que assim crer. Do contrário, sem a certeza desse amor e desse significado de amor que pré-existe a todas as coisas, que esperança haverá para um mundo que não consegue pensar no futuro com qualquer esperança?

Sim, sem esse significado e sem esse espírito de vida, os homens desmaiarão de terror pela expectativa das coisas que sobrevirão ao mundo.

Nele,

 

Caio

(Copacabana – 2003)