GENI D’ARAÚJO: Pedra na Geni!



Acabei de receber um telefonema de um amado amigo, preocupado com meu coração, com a possibilidade de que, pelas muitas exposições, eu me veja drenado em minhas energias.

À semelhança desse companheiro querido de hoje, também recebo carinhos e cuidados do mesmo gênero, e de muita gente.

Sempre digo a mesma coisa. Ou seja: faço-lhes um pequeno histórico de meu processo frente ao contraditório.

Nunca conheci a existência sem alguma forma de contradição. Na infância era a pulsão do complexo protestante que me incomodava em meio a um mundo católico. Depois tive problemas em razão de jogar bola bem. Então veio o tempo das brigas motivadas por namorados enciumados. A seguir foram os ataques daqueles que, por motivos diversos, queriam me testar depois que fiz do Jiu-Jitsu a minha luta. Convertido, conheci o contraditório como culpa, como enfrentamento diário de demônios e possessos; e, sobretudo, no encontro com os antigos inimigos; ou com os outrora comparsas; ou com os intelectuais invejosos de um garoto leigo que fazia pouco caso do academicismo; ou dos teólogos zangados pela minha reflexividade não modelada por nenhuma escola; ou pelos carismáticos que diziam me amar, mas faziam de tudo para insinuar que eu era racional demais; ou pelos muitos que desejam colar algum rótulo em mim, sem que o conseguissem. Etc.

Foi, todavia, em 1984, que pela primeira vez eu percebi que me doía muito quando alguém ousava atentar contra a minha integridade humana, ética, e até moral — no meio evangélico.

Então comecei a pedir a Deus que me livrasse do mal; mas que me livrasse, sobretudo, do medo de ser mal entendido ou mesmo julgado pelos homens.

Eu mesmo me achava estranho. Sim, porque sempre preguei tudo o que cri; sempre o fiz com paixão; nunca evitei temas ou debates; e todos, de mim, sempre ouviram o que eu cria e creio — e a estranheza vinha do fato que eu não compreendia como era possível que me amassem tanto, se, de minha parte, tudo o que dizia será justamente aquilo que, teoricamente, não se desejaria ouvir.

Até que deixei de ser “um deles”…

Não que algum dia eu tenha tido na alma qualquer das motivações de muitos que eu conhecia, e que não eram sinceros com a Palavra. Mas é que eles me viam como um deles; e eu mesmo me sentia a eles irmanado pela Graça — ainda que sempre angustiado. E sentia que minha missão, entre outras coisas, seria ajudá-los a discernirem o Evangelho; pois, cria eu, não seria possível entender pela fé a Palavra, e continuar com o tipo de atitude existencial e judiciosa daqueles irmãos. Portanto, faltava-lhes oportunidade! — eu pensava.

Foi, entretanto, durante toda a década de 90, que Deus foi me tirando de entre eles; pois, hoje eu sei, a intenção divina era e é gerar ciúmes neles; pois, pode ser que assim alguns se convertam. 

Bateram em mim como quiseram. Virei Geni. Pedra na Geni!

Assim, no meio evangélico, com muita freqüência Chico Buarque é profeta:

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Geni e o zepelim

Letra e música: Chico Buarque

“Ópera do malandro” 1977-1978


De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co’os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo – Mudei de idéia
– Quando vi nesta cidade
– Tanto horror e iniqüidade
– Resolvi tudo explodir
– Mas posso evitar o drama
– Se aquela famosa dama
– Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
– e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
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Assim, virei Geni!

Tanto faz! O problema é que já fiz de tudo como a Geni. Eles são insaciáveis. Assim, prefiro as pedras verdadeiras às médias das sujeiras dos que odeiam a Geni como a amam; seja ela a prostituta, seja ela a redentora — se ficar para servir, se servir para ficar, nada disso importará: Joga pedra na Geni — é o que sempre se ouvirá.

Dessa gente prefiro as pedradas aos abraços e às adulações!

O fato é que creio que Deus me desvestiu de tanta coisa exatamente para me deixar tão livre como estou!

Olhei para o meu Senhor. Vi meu rosto em Sua Graça. Ele me chamou de Caio. Nunca me chamou Geni. Ao contrário, me ensinou que a Geni nunca está aqui, mas sempre lá ou ali…

A Geni é sempre quem nomeia o outro!

O fato é que Deus me deu não uma cara de pau. Cara de pau é para cretinos. Ele me deu foi uma cara de diamante para não sentir a casa rebelde. Eles batem em minha face, mas é a mão deles que se corta.

Sei que Deus é comigo. Por isto, tem gente que pensa que sou orgulhoso e/ou presunçoso. O que não sabem é que os salmos se me tornaram verdadeiros. Sim, ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará, no Senhor, o meu coração. Sim, o que me poderá fazer o mortal?

Esta é a vantagem de morrer. Eu morri; e, em tal morte, eu morri. Meu “si mesmo” foi dando lugar a outro Self. Então, você perde; você chora; você sofre a dor dos outros; você não sabe o que faz com a sua; você sepulta filhos. Mas você também batiza netos!  

Morto, fiquei livre. Ganhei a possibilidade de andar como um invisível. Morto, me tornei extremamente mais vivo. Morto, me levantei, em Cristo, dos mortos.

Os mortos são perigosos para quem tem culpa e teme assombração!

Mas quem anda na luz não teme os mortos. E todo ser que vê no outro o próximo, sabe que este está vivo; e, portanto, não é assombração!

Ora, tudo isto para dizer aos amigos que não sofro com essas coisas. Estou livre. Eles é que estão acuados e apavorados. Afinal, eu creio que muitos estão abrindo os olhos.

Quanto a mim, sinto tanta pena do povo, que não estou nem aí para o que dizem os seus líderes.

E tem mais: eu sei que toda pedra que se joga na Geni, volta-se sobre aquele mesmo que a lança. Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Quem joga pedra na Geni, com as mesmas pedras será sepultado.

Eu, todavia, aprendi, no Evangelho, a não mais dar a eles poder algum. Pois, só teriam poder sobre mim, se pudessem me tirar a paz, a tranqüilidade e o sossego de coração. E eles não têm tal poder. Eles nada conseguem me causar com suas pedradas. Pium de minha terra incomoda muito mais.

Além disso, não tenho ilusões. Quem diz o que digo, não pode reclamar de nada. Afinal, por que me queixaria justamente daquilo que, de bom grado, aceito como missão de Deus para mim na Terra?

Síndrome de Messias? Ah! Não! Apenas a fé de uma criança, de um menino, que um dia creu no Evangelho; e não desistiu de tal simplicidade.


Nele,

 


Caio