DIZEM QUE SOU ANARQUISTA…


Já ouvi muita gente dizer que sou um ser anárquico. Acho graça e não digo nada.

Anárquicos gostam de caos. Eu gosto de liberdade com respeito e limites nas fronteiras do que é bom e reverente para com meu próximo.

Anárquicos odeiam governos. Eu, todavia, amo todo bom governo.

Anárquicos abominam autoridades. Eu respeito com muita alegria toda verdadeira autoridade que se expressa como dignidade de consciência.

Anárquicos sentem-se sufocados ante as seqüências… Eu amo ver as coisas irem até o seu clímax.

Anárquicos amam o que eu detesto.

Amo liberdade. Mas não sei viver sem reverência e respeito.

Não sei viver sem espontaneidade. Mas não agüento a confusão e a bagunça.

Freqüentemente improviso as coisas. Mas ninguém fica sabendo, porque meu improviso tem ordem.

Não consigo ter problema com poderes que existam para servir. Mas tenho todos os problemas com os governos que existam para explorar.

Não sinto inveja de ninguém. Mas não gosto de ser imitado de forma estereotipada.

Não ligo para controlar nada. Mas não aceito que aquele que de mim recebeu delegação se comporte ou como o administrador infiel ou como os vinhateiros usurpadores do que lhes foi legado.

Dou muito valor ao tempo. Mas não existo para servi-lo.

Topo todas as mudanças para melhor. Mas tem que ser para melhor mesmo.

Basto-me com muito pouco. Mas não aceito nada menos que o melhor em mim.

Amo a paz. Mas não agüento a injustiça.

Aborreço sujeira deliberada e não nasci para ficar com raiva e quebrar pratos ou vasos na parede. Por isso gosto de ver os ambientes arrumados.

Durmo em qualquer lugar e me sinto em casa com muita facilidade. Mas minhas raízes são do Amazonas.

Ando sem medo. Mas não busco o perigo; só não fujo dele quando é impossível evitá-lo.

Assim, como posso ser um anarquista?

O que sou é apenas o resultado de crer no Evangelho. E o Evangelho é assim. Jesus não tinha onde reclinar a cabeça quando não tinha onde reclinar a cabeça. Mas quando tinha, a reclinava com conforto. Jesus fugia da confusão, embora Seu existir a provocasse. Jesus não tinha problema com perfume, com vinho, com óleo aromatizado na cabeça, com veste sem emendas, com beijo, com abraço, com alegria, com gente bela, com gente horrível, com malandros francos, com religiosos sinceros, com gente boa ainda que equivocada…

Jesus estabeleceu uma ordem que subvertia todas as ordens, mas era e é uma ordem.

E mais: Jesus tinha ritos.

Ele orava com freqüência. Ele dava graças quando comia. Ele preparou Sua morte com os rigores do cumprimento profético na forma de gestos-ritos. E sobretudo, Ele celebrou as festas de Israel, a Páscoa, e estabeleceu o rito do partir do pão e do beber o vinho de modo comunal.

A mente no tempo e no espaço precisa de ordem e de ritos. Ritos constituem a ordem psicológica mais essencial. Ritos que não se tornam freqüentes, insistentes, e aflitos, são essenciais à saúde da mente. Sem ritos a existência no tempo e no espaço se esvazia dos seus significados mais profundos.

Ora, quem me leu até aqui não deve estar entendendo nada. Eu? Falando de ritos? Sim! Eu mesmo! Sim! Porque mesmo sendo completamente espontâneo conforme a espontaneidade, mantenho uma solenidade essencial em meu ser. Meu ser é solene. Minha alma ama o que é cheio de silêncio e observação. E quando celebro nos cultos com os irmãos, mesmo sendo espontâneo, nada faço sem o sentido de solenidade. E nem sinto que estou fazendo…

Sou assim. Portanto, não sou um anarquista.

Hoje me angustia ver como as almas humanas não têm mais ritos.

Têm TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), mas não têm ritos.

Têm “tiques”, mas não têm gestos significativos e conscientemente simbólicos.

Seus movimentos são agitações. E quase nunca são construções de uma arquitetura psicológica lúcida, mas apenas condicionamentos nervosos.

A saúde da existência no tempo e no espaço não prescinde jamais de símbolos e significados. E não serve usar logotipo. Símbolos da alma não são logomarcas.

Símbolos ajudam a criar um jardim na alma. Sim! Quando são símbolos de amor e de memória de bondade!

Pense no que eu disse. Não é bobagem!



Na Cruz, que não é logomarca, mas a marca do Logos,



Caio

21/12/06