NEÓFITO, NEOFITICES E LAÇOS!
“Não seja neófito, para que não se ensoberbeça; e, assim, caia no laço e condenação do diabo” — é como Paulo adverte aos que estão postos na posição histórica [pelo tempo e pela caminhada] de ordenarem outros para certas tarefas públicas em nome do Evangelho.
Quando encontrei Jesus aos 18 anos me era impossível entender essas palavras de Paulo; posto que elas, supostamente, trabalhavam contra mim e minha juventude.
Sim! Pois, por mais “maduro” que eu fosse ou me sentisse, era ainda um menino de 18 anos.
“Sou neófito na idade” — pensava eu.
Entretanto, com o tempo, fui vendo, sempre com farol na popa, que eu era neófito emocional, afetivo, mental, e na experiência que não é feita de eventos, mas de tempo lento, um dia depois do outro, e, especialmente quando isso é feito não de sucesso [o sucesso só ensina no fracasso], mas de dor, impotência, medo, limites; a fim de que se exercite na espera, na paciência, na esperança e, por fim, na confiança.
De fato, todos davam testemunho de minha maturidade, ponderação, equilíbrio e bom senso. Eu, de minha parte, me agarrava à recomendação de Paulo à Timóteo: “Ninguém despreze a tua mocidade” — e, assim, me tornei um ser idoso aos 21 anos de idade, no máximo. E tudo isso para não ser “neófito”.
Fiquei idoso de tudo. De ambições, de desejos, de sentimentos, de aspirações. Isto, entretanto, acontecia com a energia dos jovens, e, portanto, ganhava uma intensidade poderosa, ainda mais que se revestia de maturidade na mocidade, o que, como impressão, com o tempo, é muito mais chocante que a maioria das coisas.
Quando me perguntavam se eu não julgava que era jovem demais para as situações nas quais era posto, e aceitava sem temor, eu dizia: “Fale com Jesus. Foi Ele quem me fez assim e me pôs aqui. Eu nunca busquei nada para mim. Apenas sou e prego! Por isso, fale com Jesus”.
Mas confesso que me irritava. Especialmente porque era daquele jeito mesmo: eu não buscava nada. As coisas aconteciam vindas dos céus. Havia uma sinceridade grave, grata e feliz em tudo o que eu dizia e fazia. E foi assim por anos e anos.
Até que fiquei lendário para os evangélicos e uma referência ética para o país.
Nesse momento, mais do que jamais e em tempo algum, minha neofitice se manifestou.
Eu havia recebido profecias que nunca buscara, e todas contavam de lugares diferentes para pregar e, também, de muita dor a conhecer; porém, todas as vezes que as ouvia, apenas as ouvia, e quando se cumpriam, em geral eram apenas cheias de alegrias. Tudo dava certo. Por décadas. E meu coração foi achando cada vez mais natural. Até chegar ao ponto catastrófico de julgar a quem não sabia fazer as coisas darem certo. Tragédia!
Ironicamente a minha neofitice começou a se manifestar quando eu não era mais neófito na idade e nem nas experiências das muitas e diversas coisas.
Ora, o que aprendi é que “neófito” mais perigoso é aquele caracterizado por um estado de preservação do ser ante as contradições de suas própria natureza; e que em geral acontece quando tudo dá certo o tempo todo para aquele que anda na verdade, até que ele mesmo creia que a verdade se move na direção de seus pés, e, assim, seus pés deixem de se mover conforme a verdade. Tudo isso é sutil como o diabo.
Desse modo, o laço é o do próprio diabo; o mesmo que fez o querubim da guarda achar que poderia subir sozinho a qualquer lugar; pois esquecera da Graça; esquecera que tudo provém de Deus; posto que se acostumasse a ver tudo de bom como sendo acontecimentos naturais; e não mais com a grata consciência de quem sabe e diz alegremente que tudo vem do Pai; e não da emanação da verdade na pessoa; mesmo que seja a emanação da sinceridade confiante na sinceridade.
Sutil é tal laço!
Então, o amor do Pai terá que salvar você pelo Enigma da Graça neste mundo caído, que é a dor que trás revelação de nosso ser; e, assim, nos põe mudos ante nossa estupidez e gratos ante a bondade de Deus em plena operação em nosso despojamento e perplexidade.
Até que todos os nossos tesouros são destruídos, e todo respeito é perdido, e toda reverencia é esquecida, e todo amor é feito poeira, e toda amizade se desvanece, e toda lembrança é esquecida a seu respeito, e você se torna um fantasma, uma vaga e distorcida lembrança, uma vergonha, um objeto de motejo de canções irônicas; e a sua alma já não sabe viver; e seu espírito já não sabe crer; e seu ser cai na extinção; e tudo em você vira pó; e seu olhar já não vê você em você; e você mesmo já não se reconhece, de tanto que os que conhecem você o desconhecem; e até os filhos duvidam sobre sua alma; e seus pais ficam em silencio a seu respeito; e seus irmãos e irmãs odeiam a sua queda; e seus inimigos trocam presentes; e os que antes buscavam o seu conselho tornam a face para você na rua; e quando você mesmo tem vergonha de tudo o que sabe, crê e é; não pelas coisas que você sabe, crê e é, mas por saber que as negou em seu ser — então, nesse dia, chegou a hora do amor de Deus em sua vida; e chegou o dia de sua maturação na Graça. Afinal, você morreu.
Com cada pessoa Deus tem Seu próprio caminho. Comigo, porém, até aqui foi assim, tanto no que se faz sentir como gostoso, como também naquilo que se experimenta entre dores e lágrimas.
Então, em tudo o que você diz existe um “até aqui”, pois, desse dia em diante você sabe que nada sabe; e que precisa viver em dependência do Deus de toda Graça, a fim de que sua existência carregue Vida.
Identifico a pureza de quase todas as minhas certezas anteriores, ao mesmo tempo em que vejo a imaturidade de algumas delas.
O triste é quando você vê um “homem de Deus” de 70 ou até 80 anos ainda vivendo pelas pulsões dos neófitos.
Vaidades, disputas, inimizades, competição por espaço, medo de perder posição, ambição de poder, desejo de aparecer, sonhos de grandeza e supremacia; e coisas do mesmo gênero, as quais, muitas vezes, se manifestam não apenas de modo grotesco, mas também mediante sentimentos sutis de piedade e bondade, ou mesmo de justiça, ortodoxia e humanismo generoso.
Mas você nunca está livre do espírito dos neófitos. Vaidade é neofitice. Assim, pode-se ficar vaidoso de sentir o que estou sentindo agora, e, assim, se perder todo o sentido da compreensão como ganho para o ser; pois, assim como a mão direita não deve informar a esquerda acerca das bondades que realiza, do mesmo modo a alma não deve em si mesma celebrar virtudes; posto que, quando é assim, o laço narcisista do diabo, que é a soberba, arma seu bote outra vez, sendo que agora fazendo sua abordagem pelo pólo oposto; ou seja: pelo suposto discernimento e mediante a experiência que eu acima confessei ter obtido em muitas coisas.
Desse modo, todo homem, por mais firme que esteja, é ainda pura vaidade!
No entanto, quanto mais se tem consciência disso; e tanto mais quanto se mantenha a alma em dependência diária e consciente da Graça de Deus; e, mais ainda: tanto mais quanto se olhe mais e mais para nossas próprias virtudes com suspeição — mais se poderá identificar as sutilizas de tais raízes do mal em nós mesmos, e, assim, amassar tais baratas em qualquer que seja a esquina do ser na qual as encontremos.
O que pode nos salvar de nossa própria neofitice é a certeza de que nenhum de nós está imune a nada durante a jornada.
Sim! Mesmo que não se encontrem manifestações de neofitices em nós mesmos, todavia, é bom saber que elas existem; ainda que não estejam tendo ocasião de manifestação.
Lembro que mesmo meses antes de partir, já tendo estado onde somente depois foi, meu pai ao ouvir algo que muito lhe entristeceu acerca de alguém de quem ele esperava coisas muito melhores como manifestação do ser, teve que se retrair, pois, eu senti que houve ainda nele o impulso de buscar fazer algo em nome da justiça e da verdade, para, então, sem que de sua boca tivesse procedido palavra alguma, eu mesmo visse aparecer na expressão de sua face [segundos depois] a mesma pacificação de antes.
Prova de que nele havia o potencial para sair do caminho excelente no qual andava. Entretanto, a sedução da paz e da confiança o mantinha fiel ao que em Cristo já havia alcançado.
Foi se instalando nele uma espécie de instantaneidade de exame de tudo em seu coração, de modo que tudo poderia ser sempre e sempre posto sobre a luz da verdade e do mandamento do amor segundo a vida.
Nos últimos 10 anos de sua vida ele tinha vaidades tão leves que existiam na tênue fronteira entre os sentimentos divinos experimentados na contingência da mortalidade. Isto porque ele era tão cheio de gratidão e de louvor [pela adoração cheia de encanto por Deus em tudo], que as vaidades desapareciam como manifestação de um sorriso santamente garboso e galante, e davam lugar a algo divinamente belo. Era tudo sem véu no rosto!
Nunca vi neofitices em meu pai em razão de ele sempre ter vivido e morrido aprendendo.
Os que aprendem sempre e nunca acham que já sabem tudo, são os que se mantêm sempre andando para mais e mais distante dos ambientes férteis ao crescimento das sementes da fantasia neófita.
Estou escrevendo isto para você, para mim e para todos nós. Sim! Pois, cresce em meu coração a certeza de ser hora de buscarmos de todo o coração as coisas simples e revolucionárias do Evangelho na sua vivencia horizontal; e que têm a ver com preferirmo-nos em honra uns aos outros; e, também, no que diz respeito ao trato com reverencia em todas as coisas.
Além disso, é essencial que façamos aquilo que Tiago recomenda no que tange a humilharmo-nos a nós mesmos; pois, assim, a Seu tempo, Deus nos exaltará; não como “exaltação”, mas como bem-aventurança de descanso, paz e glória em amor; a qual não é glória para mostrar, mas sim para ser.
Carinho, gentileza, preferência em honra e amor; busca de expressão de verdade no trato de uns para com os outros, e, sobretudo, respeito pela jornada e pelo caminho de cada um — são as coisas simples e que carregam em si mesmas a semente da bondade madura, a qual nos faz frutificar e andar cada vez mais longe dos laços do diabo como enfatuamento existencial e narcisismo.
Nele, orando por mim, por você e por todos os seres humanos, pedindo a Graça do querer e do realizar,
Caio
05/02/08
Lago Norte
Brasília
DF