A DIFERENÇA ENTRE O DISCÍPULO E O SEGUIDOR OCULTO


 

A DIFERENÇA ENTRE O DISCÍPULO E O SEGUIDOR OCULTO

 

 

Outro dia meu filho Ciro e eu conversávamos sobre Judas, Nicodemos, José de Arimatéia e outras figuras do Evangelho

 

 Ele me disse: “É impressionante como as pessoas querem tudo, menos o que Jesus disse que queria de nós. Querem ser Mestres, Pastores, Levitas, Reverendos, etc… Só não querem ser discípulos”.

 

 Então minha mente foi para uma quantidade enorme de cenas dos evangelhos nas quais Jesus estava cercado de admiradores e papagaios de piratas.

 

O próximo passo foi pensar na diferença entre um verdadeiro discípulo e o admirador distante, ou mesmo o admirador próximo.

 

 De fato, como nos evangelhos, Jesus continua cheio de admiradores, porém com bem poucos discípulos.

 

 Nada estranho. Afinal, Ele mesmo disse que Seus seguidores seriam apenas “um pequenino rebanho”.

 

Quero pensar hoje em apenas dois admiradores de Jesus que se posicionam em pólos extremos da admiração. O primeiro é Judas. O outro é Nicodemos.

 

 Quem tem uma visão mínima da realidade humana sabe que uma pessoa como Jesus não passaria pela Terra sem muitos admiradores. Judas está nessa categoria. Eu simplesmente não consigo ver Judas senão como um admirador frustrado. Em minha opinião, sua traição foi uma cartada final para ver se não estava enganado. De fato, penso, ele queria “forçar” Jesus a assumir Seu messiado. Creio que o que passou pela cabeça dele foi que se Jesus fosse pressionado “até a morte”, Ele faria o que um dos ladrões que morreram ao Seu lado sugeriu com escárnio, ou seja: desceria da Cruz e salvaria a Si mesmo e ao povo.

 

Assim, Judas vai de admirador a traidor…

 

Ora, suas intenções não mudam o fato de que ele traiu Jesus, sendo, por isso, designado como “o filho da perdição”.

 

 Eu já disse neste site — está escrito aqui, em algum lugar — o que eu penso acerca da expressão “o filho da perdição” e falei de como creio que ela designa um papel, não um destino eterno.

 

 Bem, é o que penso.

 

 A linha entre a admiração e a traição é muito fina, e eu mesmo a conheço como fato-relacional em minha existência cheia de admiradores que se tornaram um dia traidores da amizade. E a maioria deles com motivos muito “nobres”, mas que não invalidaram o gesto de “entrega” ou “abandono”…

 

 Judas não precisava de trinta moedas. Era muito pouco para tudo o que estava implicado.

 

 Penso que a traição foi sua estratégia desastrosa de “forçação de barra” que voltou como um bumerangue sobre a cara dele.

 

Ninguém manipula Jesus nem o força a nada.

 

 “A minha vida ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou” — diz Ele a quem quer que pretenda usá-lO para outros fins.

 

Esta é a verdade: aqueles que são admiradores, quando a pressão e o perigo surgem, passam para o lado dos traidores.

 

 O admirador gosta de andar junto enquanto é bom e agradável. Mas quando o “bicho pega”, ele sempre pula fora.

 

 No caso de Judas, eu penso que se tratava de uma admiração que supunha ver um Messias que poderia ser posto a serviço de uma causa: a sua própria. E como Jesus não se utilizava de tudo o que tinha nas mãos para realizar o sonho de Judas — a libertação política de Israel —, ele simplesmente jogou sua “última cartada”—e perdeu.

 

Jesus jamais seria seqüestrado pelas boas ou más intenções de qualquer admirador ou mesmo de qualquer discípulo.

 

 Ao discípulo que tentou evitar a Cruz Ele disse: “Arreda, Satanás”.

 

Ora, o que poderia Ele dizer de um admirador que O estivesse tentando manipular senão a terrível afirmação “um de vós é diabo”?

 

Diante de Jesus, todo admirador ficará frustrado.

 

Jesus não muda Seu curso por causa de conveniência de nenhuma ordem. É assim que uma “boa intenção” vira perdição. Nenhuma boa intenção seqüestra a Verdade.

 

 O segundo caso é o de Nicodemos.

 

Não há como negar que Nicodemos gostava muito de Jesus, e que o admirava de verdade. Só não tinha era coragem de jogar tudo para o alto e segui-lO.

 

 Nicodemos até botou certas coisas em risco para falar em favor de Jesus. Mas uma vez que a inclinação da maioria se estabeleceu, ele silenciou, e conformou-se em fazer bem a Jesus morto.

 

O que parecia era que Nicodemos pensava que por ele ser importante e estratégico em sua posição de Mestre e de membro do Sinédrio judaico, Jesus faria alguma concessão especial a ele. Mas Jesus não reconhecia admiração que não viesse como surpresa da fé. “Oh, mulher! Grande é a tua fé” — disse Ele acerca da sírio-fenícia. “Nunca vi fé como esta!” — disse Ele acerca do centurião romano que cria sem reservas em Sua Palavra.

 

Quanto ao mais, coisas como posições, conhecimentos, poderes, oportunidades, reputação, aparência — jamais o impressionaram.

 

Afinal, João diz: “Ele não se confiava a ninguém, pois bem conhecia a natureza humana”.

 

Ora, essa não-impressionabilidade de Jesus era o que mais irritava a todos os que tentavam seduzi-lO de alguma forma.

 

Um homem não impressionável sempre corre grandes ricos!

 

Nicodemos queria uma concessão, um tratamento diferenciado, um discipulado invisível na Terra e um lugar garantido no céu por ter sido um prestador de serviços secretos no chão do mundo, escondido em baixo das túnicas das falsas importâncias.

 

“Ora, Nicodemos era seguidor, ainda que ocultamente” — diz dele o evangelho de João.

 

O interessante é que essa é uma observação tardia, feita por João muitos anos depois; e quem sabe tenha sido feita em honra de alguma outra coisa que não sabemos.

 

O que sabemos é que Nicodemos era mestre em Israel, mas não compreendia o Evangelho. Ele era capaz de dizer coisas boas e bonitas sobre Jesus; era capaz de dizer: “Isto não é justo. Nossa Lei não procede assim. Não se pode julgar um homem sem antes ouvi-lo.” Mas era só até aí que ele ia…

 

Quem sabe, à semelhança de Judas, o próprio Nicodemos esperasse que Jesus impressionasse o Sinédrio, e, assim, haveria de ser aceito.

 

Ora, se isso acontecesse, o próprio Nicodemos seria o maior beneficiado. Mas Jesus não atendeu às expectativas dele assim como também frustrou as de Judas.

 

Admiradores sempre têm “agendas ocultas”, mas nunca são capazes de dar a cara para bater… Para apanhar mesmo… E nem querem para si o vexame de sair correndo.

 

O admirador premedita. O discípulo medita depois, ainda que chorando amargamente.

 

Admiradores se embevecem diante do objeto que os fascina, mas não se rendem à fascinação como Verdade a ser seguida não importando as conseqüências.

 

Admiradores podem até saber muita coisa e podem ser capazes de grandes afirmações — às ocultas, à noite, etc. —, mas de fato se resguardam da Verdade, e temem pelo meio-dia, quando se tem que tomar a decisão à vista de todos.

 

Assim, o admirador pode até recitar palavras de verdade, mas jamais será mudado por ela — pela Verdade.

 

O admirador quer “ficar bem”, mas não quer nascer de novo!

 

Se a proposta de discipulado de Jesus fosse como a da “igreja”, então certamente Nicodemos seria Deão de Seminário. Mas não era assim com Jesus. Nicodemos poderia até ser Deão de Seminário, mas jamais poderia ser discípulo de Jesus.

 

Ser “Mestre em Israel” é tarefa fácil, e bem cabe aos medíocres; pois tal mediocridade acontece no espírito, não necessariamente no intelecto.

 

Nicodemos, entre nós, serviria para tudo. Na “igreja” seu presbiterato estaria garantido.

 

Ele só não serve é para ser discípulo de Jesus…

 

O discípulo pode até fugir da raia, pode até negar, pode até se esconder, pode até correr nu pra se safar…

 

Mas o discípulo não tem mais para onde ir.

 

Aí está a diferença.

 

O admirador sempre tem para onde ir, e sempre se defende dizendo que tem muito a perder.

 

O discípulo, todavia, quando corre, não o faz porque antes fez “contas” e concluiu pela vantagem da fuga. Não! O discípulo foge apenas porque é humano, porque se assusta, porque precisa aprender quem é o Mestre… E muitas vezes isso só acontece na escuridão da noite da fuga e do medo.

 

O discípulo não tem mais para onde correr… Mesmo quando corre de medo… Visto que está no Caminho.

 

Assim, o discípulo foge para dentro. O Admirador corre para fora. O discípulo se assusta. O admirador não se assusta, apenas trata de se precaver.

 

Para o discípulo o Mestre é tudo, mesmo quando ele se vê como um Nada. Já o admirador vê no Mestre uma oportunidade, e nada além disso. Se tal oportunidade puder ser aproveitada, ótimo. Mas se não for possível, na melhor das hipóteses o admirador serve ao Mestre Morto; até carrega o seu cadáver, mas jamais corre o RISCO de morrer junto…

 

O sinal de perigo para o admirador acontece quando alguém importante e com poder pergunta: “Porventura és um deles?” Nessa hora o admirador cala-se.

 

O discípulo pode negar, praguejar, dizer “não sou”, mas jamais crerá em si mesmo… Daí o sair para chorar amargamente na escuridão da noite das angústias.

 

Assim, temos duas figuras ilustrativas do que seja um admirador, mas que não é discípulo.

 

Os Judas da “igreja” são aqueles que dela se aproveitam politicamente. Os Nicodemos da “igreja” são os que vêem conveniência no serviço prestado a ela, visto nela não se corre real perigo. Afinal, se “o bicho pegar”, todo mundo “confessa para dentro”, dizendo: “Jesus, não pensei que fosse chegar a tanto”. E tal perigo justifica a própria negação.

 

Bem, não sei por que escrevi isto. Estava vendo uma luta livre e isto explodiu em mim como uma compulsão. Apenas escrevi. Se for útil a alguém, que o seja ainda em tempo.

 

 Caio

 

 Copacabana

 

Escrito em 2005