A DOENÇA ROMANTICA DE PERCIVAL



A DOENÇA ROMANTICA DE PERCIVAL


Caro Amigo Caio Fábio!

Bom dia. Começo lhe chamando de amigo, pois suas mensagens em muito me ajudaram em minha caminhada de fé.
Contudo, no exato momento em que escrevo estas linhas (foi preciso muita coragem, acredite!), estou vivendo o período mais tenso de minha vida.
Deixe-me lhe explicar:
Tenho 28 anos, sou casado há dois anos e meio, sou formado; tenho vários cursos e especializações; tenho um bom emprego, uma vida feliz e uma esposa sensacional.
Conheci minha amada esposa nos tempos de faculdade. Ela era a melhor e mais linda aluna da classe. Foi fácil gostar dela, o difícil foi ela gostar de mim. A aproximação logo virou amizade, que transformou-se em romance e, por fim, em casamento.
Ela é estudiosa, bem-sucedida profissionalmente (já ocupa altos cargos de chefia), é adorável, extremamente linda e uma das maiores cristãs que conheci em toda a minha vida.
Sempre fui romântico, nunca brigados e sempre tivemos uma vida conjugal feliz.
Porém, tudo isto mudou no início do mês passado…
Certa manhã um colega de trabalho entrou em minha sala e apresentou a nova estagiária que trabalharia no setor. Por alguns segundos não pude pensar em mais nada. Nunca acreditei em amor à primeira vista, mas desde aquele instante não tirei a nova garota de minha mente…
Ela tem 18 anos, é linda e inteligente. O impacto foi tanto que nem mesmo ouvi o nome dela, fiquei estático, tenso. Passei dias pensando nela, sem nem chegar perto, pois só de pensar nisto minhas pernas tremiam, minha boca gaguejava e meu coração disparava (ainda dispara!).
O pior ainda estava por vir: quando vi aquele rosto angelical, percebi que já o havia visto alguma vez na vida. Então recordei-me que, após minha lua-de-mel, em meu primeiro dia de volta ao trabalho, ao me dirigir para o escritório vi do outro lado da calçada a mulher (na época uma menina de 15 ou 16 anos) mais linda que havia visto em toda a minha vida. A atração foi tanta que mudei meu trajeto e segui-a até o colégio onde ela estudava. Fiquei vendo-a de longe, meio inquieto e confuso. Tentei esquecê-la. Parecia pecado. Consegui.
Vivi dois anos incríveis com minha mulher até o mês passado, quando, por coincidência, aquela mesma garota, agora um pouco mais velha, tornou-se estagiária justamente no setor em que trabalho.
Parece obra do destino, pois qual é a probabilidade disto acontecer?
Uma semana depois dela começar a trabalhar em minha empresa, ela convidou-me para almoçarmos juntos. Foi estranho. A iniciativa partiu dela. Ela chegou em mim e fez várias perguntas. Disse que os meus colegas contaram que eu era evangélico, filho de pastor, um rapaz legal e comportado, etc…; e que ela também era filha de pastor; ia à igreja, etc…; e que queria almoçar comigo para nos conhecermos melhor.
Fomos à um restaurante e desde então passamos a almoçar todos os dias juntos. Todos os dias, uma hora por dia, conversamos sobre os mais variados assuntos. Foi o bastante para descobrirmos que temos quase tudo em comum: gostos (comida, músicas, livros), preferências (lazer, hobby), opiniões (quanto à igreja, dízimos, problemas familiares), etc.
Nunca encontrei alguém que combinasse tanto comigo!
Não sei se ela gosta de mim, pois as mulheres são mais sutis. Acredito que sim, pois ela passou a trazer-me presentes (chocolates, etc), a convidar-me todos os dias pra almoçar, e confessou coisas que jamais havia falado com ninguém, incluindo pecados ocultos, segredos e sentimentos.
Puxa, até nisto vi-me nela! Até minhas fraquezas mais profundas são iguais às dela! Contou-me segredos e desejos: disse-me que prefere homens mais velhos (sou 10 anos mais velho que ela), que não gosta de homens musculosos (sou magro), que adora homens inteligentes iguais a mim, que via em mim um verdadeiro cristão.
Verdadeiro cristão? Sou casado e estou há um mês perdidamente apaixonado por uma menina 10 anos mais jovem que minha esposa! Que cristão sou eu, afinal?
Ela me convidou para ir em sua igreja num sábado à noite, mas é óbvio que não fui. Disse-me que qualquer dia queria ir ao cinema, e que não tinha companhia, porém nesta hora fiquei quieto (se fosse solteiro a teria convidado no mesmo instante). Chegou a perguntar se vivo bem com minha esposa! Disse que sim, pois esta é a mais pura verdade. Chegou a dizer que gosta de passar o tempo comigo, que a melhor hora do dia para ela é quando almoçamos juntos.
Conversamos todos os dias via e-mail, MSN, internet, durante o trabalho…
Não aguento mais!…
O pior é que ela mostra-se como minha esposa: uma cristã fiel e dedicada.
Minha esposa falou que ando meio estranho. Até quando a beijo imagino estar beijando minha nova paixão. Estou ficando louco! Argumentei com minha esposa que estou vivendo um período de estresse no trabalho, etc, mas que logo voltaria a ser o antigo marido dela; alegre e alto-astral que ela conhece.
A verdade é que sempre amei minha esposa. Aliás, sempre amei todas as minhas namoradas anteriores. Sempre levei namoro a sério, mas jamais senti uma atração tão grande quanto a que estou sentindo agora por esta menina que conheci. Já pensei em várias possibilidades de resolver o problema. Pensei em tentar esquecer esta menina e que o tempo a apagaria de minha memória, mas é algo quase impossível. Cheguei a sonhar com ela por seis noites consecutivas. Estou apaixonado como nunca estive antes em minha vida.
Falei com Deus. Disse que não queria nada disto, mas quanto mais o tempo passa, mais a paixão e o amor que sinto por ela aumentam.
O que faço? Digo pra minha esposa a verdade? Que eu a amo, que ela é sensacional, linda, etc, mas que estou apaixonado por outra? Aí falo pro pai desta menina – que inclusive é pastor – que sou casado, sou 10 anos mais velho que a filha dele, mas que sou perdidamente apaixonado por ela desde o primeiro momento que a vi certo dia na rua? Que sou cristão, sou correto e que quero me casar com ela?
Meio estranho, não?
Quem acreditaria?
Nunca tive problema algum com minha esposa, aliás, vivemos um casamento perfeito, mas agora tudo parece ameaçado.
Amo uma mulher igualmente linda e rara. Não sei o que fazer.
Será que realmente amei alguém na minha vida? Será que esta não é a primeira vez que estou de fato apaixonado? Será que largo tudo? Como explicar para minha esposa que ela é especial, mas que amo MAIS outra mulher do que ela?
Jurei amar minha esposa pra sempre em meu casamento, e cumpri esta promessa até hoje. Não estarei em pecado se negar minha promessa? Mas e o amor, nunca senti nada igual antes, como posso trair meu coração?
Amo minha mulher, mas descobri que amo infinitamente mais esta outra garota, que deu todos os sinais que quer ficar comigo.
Com quem falo primeiro? O que faço?
Por favor, me ajude, faz 43 dias que vivo esta apreensão e pretendo tomar uma decisão esta semana, pois estou muito aflito. Tenho urgência.

No amor de Cristo,
R.
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Resposta:

Querido irmão: Graça e Paz!

Como você deve estar informado, não respondo mais cartas faz uns dois anos. Ontem, todavia, a fim de abrir um e-mail de trabalho, deparei-me com a sua carta e com centenas de outras. A sua, todavia, me impressionou deveras, posto que a maioria das cartas falam apenas de desejos sexuais ou problemas com “igrejas”, temas esses já exaustivamente respondidos no meu site, na sessão de Cartas do www.caiofabio.net […].

O que me chamou atenção em sua carta foi o fato de que o desejo sexual está implícito, porém, sua ênfase é em amor e paixão; em amar a sua esposa, mas estar amando MAIS essa menina; em contar e abrir-se, ao invés de usar, pegar e esconder-se […] pra ver no que vai dar…, como é o costume da maioria dos homens na mesma situação que você.

Você disse que é do tipo romântico, e que nunca esteve com ninguém que não tivesse gerado paixão romântica em você; e mais: relatou o episódio do desejo romântico e subitamente apaixonado que fez você seguir esta mesma menina, na sua volta da lua-de-mel; e depois, reportou o que aconteceu quando a menina entrou na sua sala como estagiária; ou seja: uma verdadeira história grega de Flecha do Cupido!

Entretanto, quando você falou da sua mulher, eis as palavras com as quais você descreveu o encontro:

Conheci minha amada esposa nos tempos de faculdade. Ela era a melhor e mais linda aluna da classe. Foi fácil gostar dela, o difícil foi ela gostar de mim. A aproximação logo virou amizade, que transformou-se em romance e, por fim, em casamento.
Ela é estudiosa, bem-sucedida profissionalmente (já ocupa altos cargos de chefia), é adorável, extremamente linda e uma das maiores cristãs que conheci em toda a minha vida.
Sempre fui romântico, nunca brigados e sempre tivemos uma vida conjugal feliz.

Note que no processo com a sua esposa tudo foi gradual… Ela era a melhor, a mais linda da classe; gostar dela era uma questão de elevação sua…[…]; e tudo começou com amizade, que virou romance, e, por fim, deu em casamento. Ela é estudiosa, bem-sucedida, ocupa altos cargos, e é uma cristã que gera admiração em você.

Ora, no meu modo de ver estamos diante de dois fenômenos iguais; apenas de natureza psicológica diferente; porém, com a sua esposa, a pavimentação para o verdadeiro amor está muito melhor estabelecida!

No caso da sua esposa você era o rapaz magrinho, porém com ousadia para sonhar alto, encantando-se com a melhor entre as melhores, em todos os sentidos; e como da parte dela não houvesse nenhuma ação apaixonada ou provocativa na sua direção [o difícil foi ela gostar de você!], o processo se estabeleceu com gradualidade; mas era, todavia, um processo de paixão sua pela superioridade dela; pela grandeza dela; pela capacidade dela; pelas qualificações dela; etc… Até hoje você fala nela como um troféu; sim, como uma diva; como uma “Isolda das Mãos Brancas”, no conto acerca de Percival na saga pelo “Cálice Sagrado”; onde a esposa dele, também linda e admirável, de fato um troféu, não consegue competir com uma outra Isolda que aparece…; aquela que não era a nobre e nem a oficial, mas que o adoecera de paixão romântico/suicida, subitamente; de tal modo que ele fica ferido de morte em razão de tal encontro e experiência; sim, pela qual vem perder toda a felicidade, entregue que ficou a uma insatisfação impossível; de um lado admirando com amor a esposa, enquanto, de outro lado, não conseguia ver-se livre da “possessão” da outra Isolda; a Isolda da paixão mortal.
   
Eu disse que ambos os casos tinham semelhança em razão de que ambos são casos de enfatuamento do seu coração. Em relação à sua esposa, tudo teve a ver com a nobreza dela, o que inflou sua alma ao ponto do desejo de tê-la como prêmio de casamento. Já no que tange a esta menina, a esta Isolda não qualificada pelas grandezas, mas pelas belezas, pelo apetite, pelas identificações intrínsecas, pela química, pelo cheiro que pôs você como um cão seguindo uma cadela no cio na primeira vez que a viu; como um ser envenenado pelo “Cálice Sagrado” quando foi a ela apresentado no ambiente do trabalho — também o mesmo processo de enfatuamento se estabeleceu; não como conquista da grandeza, mas como conquista da sua própria alma.

No caso da sua esposa, você se apaixonou pelo seu potencial de possuir a princesa, a melhor entre as melhores em tudo. No caso desta menina, sua paixão é por você mesmo; pela sua alma; pelo seu próprio poder romântico; e, sobretudo, pela magia. Sim! Você está enfeitiçado e possesso pelos potenciais da sua própria alma; ou, como você disse de maneira também bem grega: pelas forças do destino!

Ambas as coisas, todavia, denotam seu caso de romance de você com sua própria alma; ou seja: com esse seu potencial de amar o romance e se apaixonar pela paixão; sempre numa escala de conquista de superioridades.

Porém, com a sua mulher, ainda que no princípio tenha sido assim para você, com o tempo, e sendo ela quem é […], tudo se encaminhou para os caminhos do romance [o seu] que poderia e pode virar amor mesmo; em havendo maturidade e certeza de que amor não é um estado de paixão e de romance crônico, mas sim de uma decisão pelo bem mutuo; no encontro sincero de caráter, afetividade, amizade, fidelidade, maturidade e desejo!

Sua mulher, a Isolda as Mãos Brancas, é nobre. Esta Isolda das Feridas da Paixão […] é a plebeia da sua alma; sua mais elaborada ficção de paixão; seu sonho mais secreto; sua conquista mais essencial; ou seja: é mais elaborada obra da sua masculinidade erotizada.

Você já está tão ferido de morte que nem mesmo dois meses se foram a você já está pensando em fazer uma loucura grega; pensando em lançar seu barco no mar e ir à procura do “Cálice Sagrado”!

No conto do Percival ele vai […] apenas para, ao final, descobrir que o amor está ali, na sua cama, na sua esposa; e que ele fora enganado pelas pulsões da sua própria alma; e pela sua própria vontade de superar-se pela via de um amor maior; de um amor impossível e desastroso.

A esposa dele o lembrava de um começo no qual ela tinha o poder e ele carregava a necessidade. Já a outra Isolda, era a inferior, mas que pela beleza e fragilidade, de um lado o remetia para a grandeza da beleza como conquista, e, de outro lado, para a sua própria superioridade de já ser o marido da mulher-real, como é o seu caso.

Como disse, no fim, ele não fica com ninguém, mas apenas existe ferido de morte!…

Você tem uma alma ainda imatura e em busca do Santo Graal afetivo; esperando um sentimento que seja obra do destino; já que no caso do seu casamento foi obra do tempo, do convívio e das forças da amizade e da perseverança. Porém, como todo bom romântico, você quer uma visita de ninfa, de um anjo, de um ente arrebatador e enlouquecedor; e esta menina cumpriu esse papel na sua alma; afinal, desde o primeiro dia, ela é você, ela é seu sonho, ela é sua mais poderosa projeção inconsciente!

Deixando de lado a psicologia do acontecido, quero, no entanto, ponderar com você algumas coisas mais simples.

Por exemplo, eu jamais me encantaria por uma menina de 18 anos que, sabendo que sou casado, viesse a dar em cima de mim [do nada…] como ela fez e faz com você. De fato, o que ela vem fazendo é cantar você com os ares dos anjos, das ninfas de igreja; porém, sem equivoco, com toda a intenção santamente perversa de seduzir um homem crente e casado.

Meu espírito não sente pureza alguma nela. O que sinto é dissimulação e laço. E vejo que você está na iminência de entrar no barco e viajar para terras de monstros, apenas pelo encanto de alguém que não é mais do que uma representação de um sonho seu.

O caráter de uma garota da idade dela […] que se dispõe a agir como ela vem agindo, dissimula-se sob o manto da “fé inocente”, mas carrega grande ardil e malícia.

O problema é que você não consegue enxergar isto por estar apaixonado pela paixão e enfatuado pela ideia mágica de que o destino tem um romance grego pra você viver nesta existência. Sim; somente por esta razão você não enxerga a menina/feiticeira e nem a dissimulação dela.

O que lhe digo é simples: quem faz o que ela faz agora, fará, depois, outra vez, com outros agentes, a mesma coisa!

Você, todavia, hoje, à semelhança de Percival, não está apto a enxergar o óbvio; e sente que é seu dever de homem, de macho, de ente tomado de animus e de pênis, não fugir da divindade que o visitou…

Ficará ferido de morte!…

Somente vejo uma saída para isto. Ou seja: sem dizer à sua esposa que você está apaixonado pela garota/ninfa/isolda/crente, contar a ela, todavia, que tem havido a procura dela por você; e que você ficou enfatuado pelo acontecido; e, depois, tomar a iniciativa de levar sua esposa até ao ambiente de trabalho ou de exposição da menina/feiticeira à sua mulher; visto que, de outra forma, na escuridão dos desejos e das sombras, a força do tesão romântico apenas crescerá mais e mais…

Acredito que você ame a sua mulher, mas não creio que você ame essa menina. O amor se constrói em dias, meses e anos… A paixão, no entanto, é obra do instante…; do desejo e dos sonhos que brotam do inconsciente sem razão de ser e sem lógica afetiva baseada em convívio e experiência de caráter.

Não creio em amor à primeira vista. Creio em amores que, a partir de uma paixão súbita, com o tempo, se desenvolveram até atingirem, pelo convívio, o significado do que seja amor mesmo. Embora, na maioria das vezes, não seja assim que aconteça; posto que para a alma madura, nada substitua o tempo e a experiência do convívio real; não em espetáculos de palco armado na hora do almoço.

À primeira vista […] creio em paixão, em tesão, em projeção, em transferência, em encantamento, em imagem, em miragem, em feitiço psicológico, mas não em amor segundo Deus!

Se você fizer a loucura de Percival e ficar com esta Isolda dos Ferimentos, logo descobrirá frustrado que, ao leva-la para casa, ela era tudo, menos a pessoa que nela você projetou e viu como sonho. Sim; ela se mostrará outra pessoa; e chances há de que venha a ser a ferida incurável da sua alma apaixonada por você mesmo como um homem de amores…

Leia no www.caiofabio.net os seguintes textos:

A TENTAÇÃO COMO O PÃO DO DESCONTENTAMENTO!



Espero ter sido útil a você!

Com oração e rogando ao Senhor que o salve de um culto do seu ego inflado à idolatria afetiva e mágica, Nele, em Quem amor não é filho do instante, mas da vida, do conhecer, do servir e do se dar um dia depois do outro,


Caio