A PIOR DOENÇA: UMA DISPOSIÇÃO MENTAL REPROVÁVEL




A PIOR DOENÇA: UMA DISPOSIÇÃO MENTAL REPROVÁVEL

 

Leitura de apoio: Romanos 1 e 2

 

 

A capacidade de “deter a verdade pela injustiça” sempre se faz acompanhar de desprezo pela consciência e pela intuição acerca do que é genuinamente divino. Ora, quando alguém abraça tal determinação interior, ela acaba por criar “uma disposição mental reprovável”, conforme Paulo em Romanos 1.

 

Ou seja: se cronifica no ser uma percepção essencialmente pervertida na sua apreciação de todas as coisas.

 

Além disso, a “disposição mental reprovável” é também resultado direto de alguém cultuar o homem, seja ele próprio o objeto do culto (narcisismo) ou qualquer outro homem (idolatria); seja pela via do egocentrismo como culto existencial, seja pela entrega a paixões adoecedoras da alma.

 

Quando se está disposto a trocar a verdade pela mentira, e a intuição do divino pela construção própria de qualquer forma de “Deus conveniente”, aparece imediatamente. Então, vem o culto de si mesmo. E com ele nasce a disposição mental que se entrega com avidez a toda sorte de paixões que apareçam na alma; além disso, a alma adoece tanto que também as cria de modo fantasioso.

 

Isto acontece porque tais violações da consciência implantam no ser a vontade de apenas ser-para-si, e isto acima de tudo. Daí a própria alma acabar por construir seus próprios deuses—concretos ou apenas imaginativos—, os quais existem para reforçar a disposição interior de agir conforme apenas o desejo pessoal já adoecido.

 

Desse modo não somente deuses de pau, pedra, madeira, gesso ou ouro são construídos, mas também deuses abstratos, e que podem até mesmo ser chamados apenas de “Deus”, mas que nada mais são que “construções abstratas” que existem a fim de legitimar as paixões da alma adoecida.

 

Nesse caso, o “Deus” de cada um fica exatamente do tamanho da perversa paixão que alguém deseja expressar. Isto porque a “disposição mental reprovável” precisa de “deuses” que lhe dêem reforço e validação. Daí as grandes perversões da mente serem fruto direto das adoecidas paixões que se colocaram acima de qualquer coisa, fazendo com que a pessoa (ou sociedade, no caso de virar cultura) se entregue a si mesma como se isso fosse uma lei divina.

 

Digo isto porque todos nós trazemos a norma da lei gravada em nossos corações. Ora, a fim de esquecer de tal norma inata é que criamos deuses que sejam “camaradas” em relação aos nossos próprios desejos e paixões; ou que “demandem” de nós como sacrifício os nossos maiores desejos e paixões, incluindo, nesse caso, todas as formas de sado-masoquismo, especialmente os de natureza psicológica sutil.

 

Seja como for, a “disposição mental reprovável” é sempre culto a si mesmo, privilegiando toda sorte de paixões, as quais, terminam por escravizar a pessoa a seus próprios processos mentais, todos eles emulados pelas pulsões-paixões que eclodem do interior e se tornam “senhoras do destino” dos homens e mulheres que a elas se entregam.

 

Quando tal estado se estabelece o sentido de realidade acaba, posto que aqueles que a tais forças se entregam, perdem a capacidade de ver o todo da realidade possível, e, assim, mergulham cegos no mundo governado pelos instintos e paixões, a ponto de apenas conseguirem enxergar a si mesmos, dessa forma eliminando da percepção qualquer outro valor que não sirva aos propósitos da entrega para praticar “coisas inconvenientes”.

 

Daí o resultado dessa instalação mental ser a deterioração do ser, colocando o individuo no caminho da inafetividade, da busca implacável da realização de seus próprios desejos, e cegando-o para a realidade maior, e que inclui a todos os seres humanos.

 

Desse modo é que alguém possuído pela “disposição mental reprovável” não consegue ver mais nada além de sua própria pulsão e paixão, tornando-se o centro de qualquer mundo, e jogando para escanteio qualquer interesse humano ou mesmo divino.

 

O problema é que esse “estado mental”, uma vez instalado, não acaba apenas porque alguém se “converteu” ao “Deus das Escrituras”, pois, mesmo dentro do ambiente dos “convertidos”, a disposição mental reprovável encontra seu caminho.

 

Não faz objetos de cultos, mas cultua o desejo e a paixão como deuses existenciais, e, nesse caso, tais desejos e paixões podem até deixar de ser de natureza sexual ou explicitamente hedonista, podendo simplesmente aparecer como vaidade pela posição de si mesmo como objeto de “culto” dos outros, no panteão das falsas importâncias.

 

Daí, não raramente, se poder ver pessoas “cultuando a Deus”, mas que trazem em si a doença do estado mental reprovável. Isto porque se tornam como aqueles que “aprendem, aprendem, sem jamais chegar ao pleno conhecimento da verdade”.

 

No meio cristão o tal “estado mental” é visto quase sempre apenas como uma maligna possibilidade das mentes pagãs. Nesse caso os cristãos estão esquecidos que o “estado mental reprovável” não se faz necessariamente conhecer pelos objetos que explicitamente confessa cultuar, mas, sobretudo, pelos resultados existenciais que se fazem produzir na vida.

 

O “estado mental reprovável” sempre gera grandes surubas humanas, conforme Romanos 1. Ora, tais surubas também podem ter cara cristã, e podem se disfarçar sob as mascaras da moral e da piedade “para fora”; embora, no interior, causem toda sorte de desconstrução. Digo isto porque onde quer que alguém se torne o centro absoluto para si mesmo, aí haverá toda sorte de resultados ruins, os quais podem também se manifestar com as caras religiosas que vemos à nossa volta.

 

Sim, a “disposição mental reprovável” é o que faz a pessoa se entregar às suas próprias paixões, sejam elas quais forem, mas que acontecem como absolutização do desejo pessoal contra toda e qualquer manifestação da verdade.

 

Ora, tal obsessão pode levar o individuo à suruba romana ou a qualquer outra forma de promiscuidade para a alma, incluindo a suruba religiosa. Por suruba religiosa eu quero falar da vontade obstinada de aparecer ante os sentidos de todos, mesmo que isso acabe com a própria essência do Evangelho na alma do indivíduo.

 

Nesse ponto fica impossível deixar de lembrar que os profetas sempre chamavam a perversão espiritual de “prostituição”. Isto porque a prostituição espiritual é fruto da “disposição mental reprovável”, e põe o cultuador no lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém.

 

A “disposição mental reprovável” sempre cria objetos de culto, seja na forma de um deus pagão, seja na forma de um deus cristão. Entre os cristãos tais “deuses” podem ser identificados desde o culto à piedade pessoal, ao culto à igreja, ao culto à moral, ao culto ao poder, ao culto ao dinheiro,à prosperidade, e ao culto a um homem, normalmente alguém que passa a ocupar o lugar de Deus na alma humana, em alguma assembléia de cristãos idolatras.

 

Ora, essa tal disposição mental é doença em-si-mesma. E ela tem o poder de cegar a pessoa para a realidade conforme o que seja amor.

 

Além disso, os que se deixam levar por ela perdem a capacidade de amar, obedecendo apenas ao poder das pulsões pelas quais se deixam governar.

 

No entanto, eu diria que tal disposição mental acaba por se tornar “cultura”. Ora, quando ela se torna cultura, algo terrível acontece, posto que se torna um modo coletivo de pensar e sentir, o qual falsifica toda realidade possível.

 

Um homem entregue a uma “disposição mental reprovável” se torna o centro de qualquer mundo, e nada mais enxerga além de seus próprios interesses, tornando-se assim a medida de todas as coisas, o que Jesus disse que jamais deveria acontecer.

 

O mandamento para não julgar—afinal, as medidas do julgamento voltam-se como juízo sobre o julgador—é também um mandamento para que ninguém se torne a medida de todas as coisas, pois, quem julga, chama para si mesmo tal categoria de centro regulador da vida.

 

Libertar-se do “estado mental reprovável” é um desafio para toda alma.

 

Sem que se fique liberto disso—num exercício diário de conferencia entre a consciência o significado do amor—, ninguém consegue amar e dar-se em amor.

 

O pior de tudo é que esse estado mental é vicioso, e tem o poder de perverter todos os sentidos. Daí que todo aquele que a ele se entrega não mais poder percebe-lo. E, assim, sem que o saiba, muitas vezes passa a chamar a mentira de verdade, a injustiça de direito, e a paixão obcecadamente adoecida de amor irreprimível.

 

Não é de admirar que com tal estado se vá toda “afeição natural”, conforme diz Paulo.

 

Cada um de nós deve se perguntar diariamente se suas idéias e percepções são sadias, ou se vieram a tornar-se filhas e fruto de um estado reprovável na mente.

 

Tal checagem da mente deve ser feita sempre, posto que a possibilidade da perversão mental é real, porém muito sutil. E a única forma de se controlar os possíveis surtos que remetem a tal estado mental, é preservando a mente conforme o Evangelho; o que, na pratica, significa buscar fazer aos outros o que se quer que seja feito a nós, especialmente quando nós podemos fazer o exercício de nos vermos sob profunda necessidade, e carentes de toda ajuda do próximo.

 

Quanto ao mais, tem-se que manter a mente sob o controle da lei do amor, pois, do contrário, a legislação do egoísmo acaba por estabelecer o “estado mental reprovável”, o qual é a própria corrupção do ser, e a mais terrível doença da mente, posto que não necessariamente enlouquece de modo diagnosticável, mas é loucura existencial e sensorial em si mesma.

 

 

Pense nisto!

 

Caio