—–Original Message—-
From: Alexandre
Sent: quinta-feira, 4 de dezembro de 2003 23:42
Subject: A síndrome do pecado religioso
Amado Caio,
A síndrome do pecado, a fobia do erro e o trauma da incerteza me laçaram na religião.
Gostaria de viver livre de todo preconceito gerado em sofismas, sem rejeições por parte dos que estão à nossa volta e nos dizem como devemos viver.
Justificação engloba todos os pecados da minha existência, tanto os já cometidos como os do próprio presente… mas se todos os pecados futuros já estão perdoados, o arrependimento deles só poderá vir com o doce gosto do perdão em agradecimento e contrição.
Minha questão é que consigo saber, mas não consigo viver tudo o que a graça alcança, pois tenho certeza que não pode ser só isso que tenho.
Ela é sobrenatural, vai além do meu entendimento, e acaba que no lugar dela vêm os sintomas de uma vida insatisfeita com a própria maneira de estar vendo o cristianismo; e que também está desejosa de que a vida cristã seja um salto para liberdade.
Acredito que fui preso pela armadilha do legalismo “de que se tem lei para tudo o que se está fazendo”…
No fim tudo se torna obras e não fé em liberdade.
O desempenho me custa muito caro, tudo é em torno dele; se não oro, não faço jejum, e se não prego, fico como se estivesse devendo.
Se durante um período eu não faço este ritual, o “pecado” do desempenho me atormenta.
Gostaria de ser um desses bem-aventurados conforme Rm. 4:6-8, pois a coisa já se tornou tão séria, que á fé já não é entregue como dádiva, e sim com esforço próprio.
É preciso crer. E se crer é depender de mim, da minha vontade, minha fé se apresenta como a obra da minha participação justa, conforme o requerido.
A minha utopia é viver sem lei, pois onde não há lei também não há transgressão.
Viver contra a esperança não é fácil; e sem enfraquecer na fé, então, nem se fala!
Viver livre de pesos e culpas na consciência é o que quero, e sei de muitos que poderei ajudar quando isto estiver resolvido em mim!
Um grande beijo!
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Resposta:
Meu amado amigo: Graça em processo constante sobre você!
Não é fácil deixar as coisas que para trás ficam.
O remendo do pano novo vai sempre puir a veste velha.
Nem tampouco o vinho novo encontra o seu lugar no odre velho.
Basta olhar para os dias antigos.
Note como boa parte de todo ensino apostólico —principalmente o de Paulo — dedicou-se a chamar os cristãos para a liberdade do Novo em Cristo.
A solidão de Paulo foi muito grande.
Dói ver que Jesus já Consumou tudo na Cruz, mas que, mesmo assim, os irmãos querem guardar um pouco de Lei e da Neurose culposa no bolso da alma, a fim de garantir alguma forma de agonia expiatória para o coração.
O purgatório está na alma dos crentes aflitos e perturbados.
Quantos cristãos pacificados você conhece?
Quantos, você já encontrou que carregam, não na boca, mas, nas certezas da vida, a confissão de que em Cristo eles têm tudo?
Quantos, você já viu experimentarem a paz que excede a todo entendimento?
Quantos já conheceram a Deus de tal modo que, se sobem aos céus, lá Ele está; e se fazem a cama no abismo, lá Ele está também?
Em quantos, você já percebeu aquela estranha certeza de que as trevas e a luz são a mesma coisa se Ele é o Deus de suas vidas?
Você já encontrou algum bendito servo inútil? Aquele que mesmo depois de ter feito tudo, ainda assim sente a alegria de saber que não fez nada?
Quantos, você já viu passarem por todos os contratempos e perseguições — sem falar no azar de naufragar quatro vezes na vida — e continuarem certos de que tudo aquilo significa apenas que se está fazendo tudo certo, como aconteceu com Paulo? (II Co 9-12).
Quantos cristãos que você conhece se gloriam apenas na Cruz de Cristo, e fazem isto não como uma declaração bela, mas com a certeza de que fora da Cruz não há MESMO nada do que se gloriar?
Meu querido, a religião vicia, e seus “dependentes”, por mais instruídos que sejam, quase nunca conseguem tratá-la apenas como um rito-espaço-lugar-relacional, e não como uma mediadora entre Deus e os homens.
Seu trabalho será longo e requer perseverança.
Ver a fé doutrinaria se transformar num bem existencial e psicológico é a grande jornada de todos nós na Terra.
Mesmo os mais instruídos, ainda assim, claudicam.
A questão não é doutrinária. A questão é de CONFIANÇA E DESCANSO.
Mergulhar nesta confiança é o que pouca gente tem coragem.
Os mais ousados ainda pulam agarrando alguma corda de justiça própria.
Por isso, também, nunca alcançam aquela paz total, que tira o medo de viver e de morrer.
No entanto, meu amigo, estou lhe falando de um caminho, de uma peregrinação, de um caminhar num chão de infindáveis conquistas e entregas.
Leia Hebreus, Gálatas e Romanos.
Leia tudo, de ponta a ponta, sem procurar mensagem.
Leia apenas como quem deixa o “espírito da Palavra” entrar em você.
Somente a Palavra nos conduz a essa fé que promove descanso e completação.
Ora, isso não significa que a pessoa não venha, às vezes, a “desesperar até da própria vida” — como Paulo disse que aconteceu com ele na Acaia.
No fim, essa fé leva o indivíduo a viver contente em toda e qualquer situação.
A maior conquista dessa viagem é aprender a parar de brigar com o próprio ser, e deitar-se confiante no amor de Deus.
Carências humanas não nos serão retiradas. Esse meu corpo de morte será sempre carente até o dia em que ele seja absorvido pela vida.
A contradição é o paradoxo!
Entristecidos, mas sempre alegres. Nada tendo, porém, possuindo tudo. Levando sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a Sua vida se manifeste em nossos corpos mortais — não sem lutas.
O estranho é que tais lutas não são mais neuróticas. São apenas conflitos próprios da “condição” de carregar o tesouro em “vasos de barro”.
Mas haverá sempre o regozijo de que a nossa leve e momentânea tribulação não é para comparar com o peso de glória a ser revelado em nós.
Traições, abandonos, fome e frio, ausências, saudades, e muita opressão dos homens, não devem jamais ser ignorados nem tampouco negados (II Tim. 4).
Meu querido, este é o bom combate, esta é a carreira a ser corrida, e esta é a fé a ser guardada.
Anime-se. A aventura só está começando.
Nele,
Caio
4 de dezembro de 2003