ABRINDO O CORAÇÃO DO LIVRO DE JÓ


ABRINDO O CORAÇÃO DO LIVRO DE JÓ

 

 

O livro de Jó sempre me encantou. Nele até as heresias soam verdadeiras. Ele é poético, daí o problema, pois, a poesia sempre traz consigo o poder de convencer, ou, pelo menos, de nos fazer respeitar mesmo que seja a verdade besuntada de mentira.

 

Esta pode ser uma das razões do Livro de Jó ser tão mal percebido. Ele é tão poético que em suas falas entremeiam-se verdades e mentiras, numa oscilação que vai da mentira-mentira à mentira-verdade e da verdade-mentira à verdade-verdade, o que confunde a percepção objetiva.

 

E não seria isto parte da risada de Deus sobre a nossa presunção?

 

A fim de dar a você algumas simples “entradas” ao texto, quero que você preste atenção, nas quatro diferenciações que vêm a seguir:

 

1. A mentira-mentira é o engano em si, só sendo aproximadamente projetável em plenitude-simbólica na figura de Satanás. A verdade é, todavia, que nem Satanás conhece totalmente o próprio engano, pois, até mesmo para se ser o Enganador é preciso que tenha havido nesse ser um mínimo de autoengano inicial, e que veio, posteriormente, a tornar-se engano consciente e assumido como finalidade dessa malévola existência pessoal. A verdade sobre a mentira é a seguinte: somente Deus conhece o que é o engano! Nenhuma de Suas criaturas chegou até ao abismo do Abismo. Há um limite para as criaturas até no Abismo. E o limite do Abismo é o abismo do Mistério de Deus, que nenhuma de Suas criaturas jamais conheceu ou conhecerá em plenitude. Conhecer a Deus é o orgasmo infinito do ser!

 

2. A mentira-verdade é a mentira maquiada de realidades da vida aplicadas fora do contexto, o que acontece todos os dias nas mínimas coisas do nosso cotidiano, e, aparece, insistentemente, de vez em quando, até mesmo no modo como nos defendemos, escudando-nos à sombra de correções exteriores que encobrem nossas verdades negativas. Então adoecemos na alma, pois, quanto mais moralmente cristão é o consciente humano, mais tragicamente pagão, torna-se o seu inconsciente.

 

3. A verdade-mentira é a manipulação da verdade. Todo uso da verdade a corrompe, tira dela a verdade-de-ser, pois, ela já vem carregada com as finalidades e utilidades que a ela atribuímos, de acordo com a conveniência do momento. É a verdade para o consumo, é produto da arte de falar de Deus e da vida no palco das falsas impressões.

 

4. A verdade-verdade é aquela que só é possível se a procedência for à boca de Deus. Somente Deus conhece a verdade-verdade. É por isso que joio e trigo crescem juntos na Terra e não nos é possível distinguir um do outro com certeza. E toda tentativa de o fazer é mais danosa (joio é erva daninha), que existência do joio em si mesmo.

 

Há apenas uma coisa que os diferencia na Terra: o amor. Por esta razão, é muito mais provável que o joio é que tente arrancar o trigo do campo, que o trigo arrancar o joio de seu território. O trigo alimenta e traz vida. O joio se esconde e se aproveita dele, mas nunca perde uma oportunidade de se fazer passar por ele, e, eliminá-lo é sua melhor chance!

 

A questão é: o joio sabe que é joio? E o trigo sabe que é trigo? Quem o confessaria? Quem teria em si a verdade-verdade a ponto de enfrentar todos os enganos para se ver? Quem teria essa coragem? Certamente quem a possuísse não seria jamais um “joio-pleno”, pois “aquele que julga a si mesmo, não é julgado”.

 

O trigo sabe que é trigo? Mas se o sabe, não o alardeia com certeza que acuse a existência personificada do joio num outro ser humano. Antes, ao “cair na terra, morre; e dá muito fruto”. O joio não muda o curso da natureza do trigo, pois, o trigo só sabe ser trigo!

 

O poder do trigo é o fruto que dá e que se faz vida em si e em outros!

E por que introduzo esse meu livro sobre Jó falando acerca de tais subjetividades?

 

É que o livro de Jó é exatamente o retrato de todas essas quatro diferenciações. Ora, são essas diferenciações que podem descatastrofizar as nossas existências, sem que apelemos para as interpretações morais que excluem a história humana da Graça, e, pior: excluem a Graça de toda a história dos humanos!

 

Essa des-gracificação da Vida nos torna tão pagãos quanto todos os que tentam explicar o mal que acomete ao próximo sempre como paga pelo pecado.

 

Os cristãos ainda não se deram conta de que sua “teologia” da Graça não coincide com suas interpretações cotidianas do sofrimento humano e, muito menos, não retrata com realismo os fatos da vida. E assim, sem o saberem, tornam-se parte do fluxo religioso universal – a Teologia da Terra—, que entende a questão da dor e de tudo o que seja inexplicável, a partir de um encontro de contas exatas entre Deus e o homem, anulando, assim, a Graça.

 

Na Graça o “encontro de contas” acontece, mas quem paga a diferença contra o homem é Aquele que disse: “Está consumado!”

 

O problema é que aquelas quatro diferenciações não são formuláveis como categorias morais ou históricas visíveis.

 

Elas são valores e essências e só começam a ser por nós discernidos quando nossas existências chegam a conscientemente lidar com a Indisponibilidade de Deus na hora da perplexidade, e, sobretudo, com as interpretações que daí procedem.

 

Quando esse dia chega, só chega para nós! Ele é incompartilhável. Mesmo os “melhores amigos” correm o risco de pecar ao tentarem “entender esse dia” em nosso lugar.

 

O dia da perplexidade é sempre solitário. E nele todo gemido é verdade e toda verdade é gemido perplexo!

 

Uma vez dito isto, peço que você observe cada um desses quatro elementos na leitura do Livro de Jó, a saber: mentira-mentira; mentira-verdade; verdade-mentira; e verdade-verdade.

 

E mais: quero que você leia o texto de Jó transcrito da Bíblia e que é parte integral deste livro. Há pessoas que assumem que já conhecem o texto bíblico, e, portanto, não o lêem; perdendo, assim, a melhor chance que a leitura propicia, pois, chega carregada da iluminação que vem diretamente da meditação na Palavra de Deus.

 

Meditação, oração e submissão à revelação do Espírito Santo são os agentes que transformam a Bíblia Sagrada em Palavra de Deus em nossos corações!

 

Após cada bloco de leitura de Jó você achará um comentário meu. Leia-o com atenção. No rodapé de cada página você encontrará notas de esclarecimentos e outras referências bíblicas que o auxiliarão na melhor compreensão do que você lê. E, por último, trarei as minhas conclusões sobre a mensagem do livro como um todo.

 

Se você optar por ler apenas o texto maior e deixar de lado as demais contribuições que o livro dá a você, temo que você não entenda tudo o que lhe está sendo disponibilizado. É necessário, sobretudo, que você tenha paciência e leia tudo, conferindo, na sua Bíblia, a pertinência ou não do que aqui digo.

 

Caso você pare de ler o livro, ou caso você só leia o que nele lhe parecer mais fácil, não faça, por favor, comentários a respeito dele. Não poderei ter respeito por quem não conferir coisa com coisa antes de fazer seu próprio julgamento. E, assim dizendo, estou estimulando você a achar nele qualquer coisa que não seja completamente bíblica e coerente com a “tese cristã”.

 

Ou seja, eis aqui a confissão de fé que faço neste livro:

 

A Graça é dom de Deus, apropriado pela fé, que também é Graça , pois, é também dom de Deus; a qual se origina do trabalho do Espírito Santo na consciência-coração humano, pela revelação da Verdade , que é Cristo Jesus; o qual é o Princípio e o Fim—Alfa e Ômega—de toda relação de Deus com a criação e todas as criaturas, visto que Ele se-fez-foi-feito-em-si-mesmo o Cordeiro imolado antecipadamente pela culpa da criatura e de toda criação, antes da fundação do mundo; sendo que, entre os homens, Sua manifestação histórica se realizou na Sua encarnação, morte, ressurreição e ascensão acima de todas as coisas; e, foi Ele, o Cordeiro de Deus, quem estabeleceu que por Sua Graça se pode ter Vida; e, isto, não é tão somente algo que se manifesta dos céus para a terra, mas também entre os humanos na forma de duas tomadas de consciência: a primeira é que quem recebeu Graça não nega Graça, pois, quem foi perdoado tem que perdoar ; e, em segundo lugar, mediante a cessação dos julgamentos entre os homens, visto que, quem foi absolvido pela Graça de Cristo já não se oferece para ser juiz do próximo; antes pelo contrário, tal percepção induz a caminhar na prática das obras preparadas de antemão para que andássemos nelas, sendo sua maior expressão o amor com que devemos nos amar uns aos outros; e, sendo assim, para tais pessoas, guiadas pelo Espírito da Graça, a germinação de seus corações na fé em Jesus, gera o fruto do Espírito que torna toda Lei obsoleta e desnecessária para a consciência que recebeu a revelação do Evangelho. O resto é invenção humana para diminuir a Loucura da Cruz e o Escândalo da Graça.

 

Sabendo disto, então, faça o seguinte agora:

 

Ore e peça ao Espírito Santo que o ilumine e o esclareça! Faça-o com a certeza de que ao final sua mente estará vendo a sua própria dor de outra forma e a de seu próximo com reverência e silêncio solidário. E, então, seu coração vai se encher de amor e vida, o que libertará você de todo medo de ser e o fortalecerá para o prosseguimento da jornada que só cessa quando conquistarmos aquilo para o que fomos conquistados.

 

Quem assim faz não será condenado quando a Voz de Deus se manifestar no redemoinho.

 

O resultado final é que você dirá: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem”.

 

Extraído do livro O Enigma da Graça, de Caio Fábio

 

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