ACERCA DA ALMA E DO ESPÍRITO


ACERCA DA ALMA E DO ESPÍRITO

 

Alma… essa é uma das palavras mais vitais de qualquer vocabulário.

O nível de complexidade relacionado ao que se define por “alma” é tão grande que a sabedoria manda simplificar a fim de não confundir.

Hebreus 4:12-13 nos fala acerca da impossibilidade humana de destrinchar os conteúdos, os limites, as existências em-si-mesmas daquilo que os nossos vocábulos designam como mundo interior, e afirma que somente a Palavra de Deus pode fazer a separação entre tais ethos — tais coisas-em-si:

“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas”.

Toda tentativa de fazer “separação” que estabeleça “precisão” entre aquilo que nos constitui interiormente anda ainda longe de poder definir o quê é o quê em nós.

De fato, a interioridade humana pode ser discernida apenas, talvez, pelo próprio homem, ainda que sempre “em parte”. Mas jamais pode ser completamente explicada.

O ser é discernível, mas não é explicável em palavras.

O homem pode “examinar a si mesmo”, mas não consegue nem explicar e nem auto-definir sua própria constituição, nunca conhecendo bem as fronteiras e as intercomunicações de seu próprio interior.

A humanidade pode desenvolver uma Psicologia… O que ela não pode é pedir ao psicólogo que explique a si mesmo.

Quando se trata do “em-nós-mesmos”, a gente pode apenas pedir a benção de discernir… Explicar seria pura bobagem.

Paulo é o autor do Novo Testamento que mais “psicologiza” acerca da interioridade humana, mas não faz nenhum exercício de sistematização de coisa alguma a esse respeito.

 

O que interessa hoje, aqui, é olhar superficialmente como Paulo designa o termo psique e a que ele a relaciona.

Paulo emprega o termo psique apenas doze vezes. Em seis desses casos, o significado é vida:

 

Rm 11:3: “Senhor, mataram os teus profetas, e derribaram os teus altares; e só eu fiquei, e procuraram tirar-me a vida?”

Rm 16:4: “(…) os quais pela minha vida expuseram as suas cabeças; o que não só eu lhes agradeço, mas também todas as igrejas dos gentios”.

I Co 15:45: “Assim também está escrito: O primeiro homem, Adão, tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante”.

II Co 1:23: “Ora, tomo a Deus por testemunha sobre a minha vida de que é para vos poupar que não fui mais a Corinto…”

Fp 2:30: “(…) porque pelo evangelho de Cristo (…) chegou até as portas da morte, arriscando a sua vida para suprir-me o que faltava do vosso serviço”.

I Tess 2:8: “Assim nós, sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade desejávamos comunicar-vos não somente o evangelho de Deus, mas ainda as nossas próprias almas; porquanto vos tornastes muito amados de nós”.

 

Dentre os quatro usos psíquicos —ou seja, psicológicos—, três indicam desejo:

Ef 6:6: “(…) não servindo somente à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus”.

Fp 1:27: “(…) firmes num só espírito, combatendo juntamente com uma só alma pela fé do evangelho…”

Cl 3:23: “E tudo quanto fizerdes, fazei-o de coração, como ao Senhor, e não aos homens…”

 

Ainda designando o termo como algo psíquico, Paulo o usa a fim de também indicar emoção:

 

“E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Tess 5:23)

Os dois exemplos restantes retirados do uso que Paulo faz de “psique” são pessoais e designam o individuo, o ente perceptível, historicamente:

Rm 2:9: “(…) tribulação e angústia virão sobre a alma de todo homem que pratica o mal…”

Rm 13:1: “Toda alma —ou homem— esteja sujeita às autoridades superiores…”

 

Para designar o que há de mais superior na existência humana interior, Paulo usa o termo pneuma.

Assim, ele estabelece uma diferenciação de fontes vitais na interioridade humana.

Há o homem “almal” e há o homem “espiritual” — sendo que a primeira dimensão se vincula mais ao que existe como emoção, afeição, constituição de personalidade, influências culturais, e relacionamentos inter-pessoais, com todas as “trocas” que se transformam em “cumulações” e “heranças” derivadas do existir de todos os humanos.

Assim, o Homem Psychikos expressa a natureza humana em si mesma.

A segunda dimensão —a espiritual— expressa o nível de ser que transcende o imediato. É o transcendente no homem, e que é transcendente ao homem, sem deixar de ser o homem.

Desse modo Paulo fala do Homem Pneumatikos, que expressa o ser consciente e subordinado ao Espírito de Deus, pondo o próprio espírito humano como senhor de sua própria alma.

Assim, o espírito dos profetas está sujeito aos próprios profetas!

Paulo diz:

“Ora, o Homem Psychikos não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o Homem Pneumatikos discerne tudo muito bem, enquanto ele por ninguém é discernido” (I Co 2: 14,15).

Paulo, todavia, não esquizofreniza esses dois homens no Homem. Ele é um só, embora haja dimensões de um só que expressem conflito entre si.

Romanos 7 expressa essa luta interior melhor do que qualquer outra descrição bíblica.

Mas Paulo também emprega psique junto com pneuma, e faz isso numa visão integral da Graça de Deus operando na redenção do ser como um todo.

Em I Tess 5:23 ele descreve a materialidade e a imaterialidade humana —tanto a corporalidade como também a sua natureza em si; tanto a Psique-Imedita como a Psique-Transcendente— e não separa tais dimensões em nenhum momento. Ao contrário, ele toma as diferentes funções do interior humano e delas faz uma e a mesma coisas: o ser… e põe tudo o que nos constitui sob a Graça de Deus:

“E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Desse modo, eu tenho uma alma que é alma no espírito e um espírito que é espírito na alma.

A alma do espírito é ser espírito para a alma e o espírito da alma é ser alma para o espírito.

Bem-aventurados os que crescerem para alcançar não apenas esse entendimento, mas essa Vida.

Eu quero, Senhor!

 

Caio Fábio

Escrito em 2003