ACHO QUE VOU ME SUICIDAR



 

—–Original Message—–

From: ACHO QUE VOU ME SUICIDAR

To: [email protected]

Sent: quinta-feira, 27 de novembro de 2003 18:34

Subject: Suicida pode ou não ir para o céu?


 

Pastor Caio,

 

 

Sou um jovem de 26 anos de uma igreja tradicional. Desde muito sou um cristão e desde cedo sou inquieto com as questões do Reino.

 

Quando criança não gostava das aulas da “tia” lá na minha igreja, pois achava que ela tratava as crianças como mongóis e não como crianças. Dada essa inquietação dois anos antes da idade correta já fazia parte do grupo de adolescentes da igreja; lá fiquei um bom tempo da minha infância e adolescência; mas os assuntos da escola Dominical me inspiravam pouco a estar ali presente.

 

Sempre questionei coisas a respeito do reino das luzes e sobre a imensa graça de Deus, mas as respostas eram vazias.

 

Nessa época apelidei todos os professores da minha igreja de circences, pois sempre que eu fazia perguntas eles faziam malabarismos para me responder. 

 

Quando jovem fui buscar todas as respostas por conta própria; li livros; aprendi sobre os arminianos e sobre os calvinistas.

 

Nessa época foi quando o céu se abriu para mim, parecia que havia bebido um copo de água gelada após vários anos de sede.

 

Foi maravilhoso entender a graça de Deus e seu plano.

 

Mas se você pensa que minha inquietação havia acabado, engano seu! 

 

A partir daquele dia, minha sede era que todos aqueles que cresceram comigo na igreja, e que estavam todos aqueles penosos anos sentados nas cadeiras todos os domingos assistindo aula, entendessem também a maravilhosa graça de Deus a nós.

 

Eu estava indignado como algo tão simples que ninguém fora capaz de ensinar de maneira didática, livre de preconceitos e sem os malabarismos. Isso muito me irritava.

 

A essa altura do campeonato muitos amigos (e não eram poucos), ficavam após as aulas perguntando-me o que eu achava sobre “tal e tal” coisa que o professor havia dito, sobre isso… sobre aquilo outro… 

 

Alguns professores achavam que eu queria constrangê-los, mas o pessoal da classe ficava dividido entre os que me odiavam e os que me achavam uma pessoa com sede da palavra de Deus, e que apreciava uma aula de qualidade.

 

Tudo estourou quando um professor disse que Deus perdoava todos os pecados.

 

Foi ai que maldosamente lancei a seguinte contra-pergunta: “Professor, poderia um suicida ir para o céu?”

 

Qual não foi minha surpresa ao obter a resposta de meu professor e presbítero, que se considerava um Calvinista nato.

 

Ele disse que um suicida nunca poderia ir para o Céu.

 

Perguntei-lhe o porquê.

 

Ele me disse que não poderia porque um suicida não tem tempo de arrepender-se do seu pecado.

 

Nesse dia quase pirei, quase fiquei louco, pois mais da metade da classe concordava com ele.

 

O máximo que pude argumentar antes de ser apedrejado como herege foi devolver a pergunta ao meu professor: “Professor, acaso você se lembra de todos os seus pecados? e você pede perdão e se arrepende de todos eles?”

 

A resposta que eu obtive foi circense.

 

Tentei falar que da mesma forma que boas obras não levam ninguém ao céu, obras ruins (pecados) não levam ninguém ao inferno. Disse que se o suicida aceitou a Jesus algum dia, ele com certeza foi pro céu, porém se o suicida nunca teve um encontro com Jesus ele foi pro inferno.

 

E antes que eu pudesse explanar meus zilhões de argumentos bíblicos para justificar minha resposta eu era interrompido com frases do tipo: “Um salvo em Jesus nunca se suicidaria”… e blá.. blá.. blá..

 

Fico triste, pois sei que raramente encontrarei uma igreja que ensine pessoas a pensarem por si só, e que sejam capazes de responder a perguntas com clareza e despojadas de medo e preconceitos, ou ainda sem os tradicionalismos.

 

Todo esse tempo na igreja me faz pensar nas pessoas que lá estão sendo preparadas por outras mais despreparadas ainda, fazendo com que a igreja mais se pareça um queijo suíço.

 

Acho que vou me suicidar.

 

___________________________________

 

Resposta:

 

 

 

Meu amado: Simplicidade e Paz sobre você!

 

 

 

Quem dera tudo fosse tão simplificado assim!

 

Quem dera a Graça fosse um plano a ser compreendido!

 

Quem dera as seqüências lineares do tempo — antes e depois — pudessem servir para explicar o que é.

 

Quem dera o “aceitar a Jesus” fosse uma marca assim, tão de aniversário.

 

Quem dera Calvino e Armínio pudessem, com suas doutrinas, pacificar o coração e simplificar o mistério.

 

Quem dera questões escolásticas pudessem, pelo jogo lógico, encurralar o inincurralável.

 

Sabe por quê?

 

Porque é simplesmente inexplicável.

 

Porque é completamente incompreensível.

 

Porque o que é, não trabalha com o antes e o depois.

 

Porque “aceitar a Jesus” é uma impossibilidade absoluta para o homem.

 

Porque o livre arbítrio e a eleição pela soberania são questões que não são questões.

 

Porque nenhum jogo de palavras ou nenhum sistema lógico podem nos aproximar do que é.

 

Não existe algo como “o suicídio” quando se pensa em Deus e no homem.

 

Existem, sim, suicidas.

 

E assim como há homens e homens, assim também há suicidas e suicidas.

 

E assim como não sei o que se passa no coração de um outro homem, também não sei o que se passa no coração de um suicida.

 

A salvação de um suicida é idêntica à de qualquer outro ser humano: O Senhor conhece os que são seus!

 

Toda essa discussão é heresia.

 

Sabe por quê?

 

Porque é brincadeira de dar destino a algo que para Deus é santo: o ser de um homem.

 

Todos os suicidas almejam ir para o céu — ou pelo menos para algo que não seja o inferno, razão pela qual fugiram do inferno desta vida.

 

Assim, muitos suicidas, ironicamente, se matam na esperança!

 

Quanto a mim, sinto muito carinho, misericórdia e amor por todos os suicidas.

 

Nunca consegui ver um suicida que se mata em desespero e em dignidade de aflição, como estando no inferno.

 

Aliás, quando foi falar de inferno, Jesus pintou outro quadro: não o do suicida, mas do rico, abastado, regalado, bem sucedido, dono de seu destino, um personagem invejável. Mas morreu e foi para o inferno.

 

Quando se trata de inferno, quem não gosta de surpresas, é melhor não eleger ninguém para lá.

 

Quanto a você ter perdido o saco e estar quase se suicidando, digo o seguinte:

 

Só se você tiver sido eleito para exercer o seu livre arbítrio de tal forma.

 

Quem teria vencido: Calvino ou Armínio?

 

Eu não sei.

 

Só sei que você teria morrido.

 

E a considerar sua argumentação, teria morrido como a demonstração; como o testemunho “vivo” de que o suicida pode ir para o céu.

 

Pode ser que assim seus amigos ficassem convencidos de sua razão (rsrsrsrs).

 

 

 

 

 

Nele, que nos guia em todo caminho da Vida,



Caio

 

27 de novembro de 2003

 

Copacabana

 

RJ