From: ADÃO E O PECADO ORIGINAL: uma visão fenomenológica
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Sent: Monday, May 30, 2005 3:54 PM
Subject: uma abordagem interessante sobre Adão e o pecado original
Caro Pr. Caio,
Sou o mesmo que andou lhe pedindo informações sobre livros para leitura. Pois bem, comecei a minha caminhada, e veja só o que encontrei em um livro que já fazia parte do meu acervo, e que nunca tive a curiosidade de ler com mais profundidade; apenas o fiz acerca de alguns pontos específicos.
Achei interessantíssima a colocação dos autores, em algumas coisas corroborando com o que o senhor já falou no site.
Trata-se do livro “A doença como caminho”, dos alemães Thorwald Dethlefsen e Rudiger Dahlke… Um ótimo livro, com algumas abordagens bem diferentes do que me acostumei a ver até então…
Retirando o que não é aproveitável, o que é pouco, é um excelente livro… Acrescente-se, por pertinente, que não se trata de uma leitura cristã; ou melhor, evangélica, no sentido hodiernamente utilizado.
Segue, abaixo, um pequeno trecho que scaneei e o coloquei aqui.
Abraços
Dion
Brasília-DF
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Texto:
Nossa posição cultural, no que se refere aos conceitos de bem e mal, está amplamente impregnada pelos ensinamentos da teologia crista; portanto, é fortemente impregnada pelo Cristianismo.
A mesma posição cultural vale para os círculos que se imaginam livres de ligações religiosas.
Por isso nos propomos a analisar neste livro os conceitos e símbolos religiosos, esforçando-nos por obter uma melhor compreensão do significado do bem e do mal.
Não temos, no entanto, a intenção de afirmar que qualquer teoria ou avaliação deriva de imagens bíblicas. Preferimos dizer que as historias e imagens mitológicas são especialmente apropriadas para tornar os difíceis problemas metafísicos mais acessíveis à compreensão humana.
O fato de citarmos histórias bíblicas depende tão-somente da visão cultural que herdamos; disso decorre que, ao mesmo tempo, descobriremos os pontos de divergência que separam a típica interpretação da teologia cristã sobre o bem e o mal daquela que é universal a todas as demais religiões do mundo.
No problema especifico que abordamos, há no Antigo Testamento uma fonte bastante fecundada para o entendimento da assim chamada Queda do Paraíso. Recordamo-nos de que na Segunda Criação nos contam que o primeiro ser humano -um andrógino – Adão, é colocado no Paraíso, no qual encontra todo o reino da natureza, e se vê diante de duas árvores muito especiais: a Arvore da Vida e a Arvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
Para compreender melhor essa narrativa mitológica e importante assinalar que Adão não e um homem, porem um andrógino. Ele é um ser humano total; não está sujeito a polaridade; não está dividido em pares de opostos. Ele ainda e uno com toda a Criação; e esse estado de consciência é descrito como estar no Paraíso. Embora o ser humano Adão ainda viva num estado de unidade de consciência, o tema da polaridade já e antecipado pela presença das duas arvores.
O tema da divisão perpassa toda a historia da Criação, pois criar só é possível através de um processo de separação e divisão. É assim que o primeiro relato sabre a Criação já nos fala exclusivamente de polarizações: luz e trevas, água e terra, Sol e Lua, etc.
Apenas o ser humano, ao que nos consta, foi criado como “homem e mulher”. Contudo, a medida que a narrativa prossegue, cada vez mais se intensifica o tema da polaridade. Eis que, finalmente, Adão resolve colocar parte de si mesmo “do lado de fora”, e deixa-la adquirir vida independente. Inevitavelmente, esse passo já é um indicio da perda de consciência—a nossa história relata esse fato dizendo que Adão adormeceu. Deus tirou do ser humano Adão, que era íntegro e sadio, uma de suas costelas, e transformou-a em algo totalmente independente.
No texto original hebraico, a palavra que foi traduzida por Lutero como “costela”, é tselah = flanco. Ela vem de mesma raiz que tsel, sombra. O ser humano são, inteiro, e receptivo, é composto de tais aspectos formalmente diferenciáveis, chamados homem e mulher. Contudo, a divisão não atinge inteiramente a consciência dos dois seres humanos originais, visto que eles não reconhecem ainda suas diferenças, pois estão morando na totalidade do Paraíso.
No entanto, a divisão formal providencia a oportunidade para a serpente seduzir a mulher -que era parte mais vulnerável do ser humano -com suas palavras aliciadoras, prometendo-lhe que, ao comer o fruto da Arvore do Conhecimento, ela poderia distinguir entre o bem e o mal; ou seja, passaria a ter poder de discriminação.
A serpente cumpre sua promessa. Os homens passam a ver a polaridade
e a distinguir entre bem e mal, entre homem e mulher. Com este passo,
a raça humana perdeu sua totalidade (consciência cósmica) e atingiu a
polaridade (poder de discriminação); o que, necessariamente, implica ter de abandonar o Paraíso, o Jardim da Unidade, e mergulhar no mundo polarizado das formas materiais.
Essa é a historia da Queda do Paraíso, do pecado original. Nesta “queda”, o homem caiu da unidade para a polaridade. A mitologia de todas as raças e de todos os tempos conhece esse tema inerente a condição humana, e o narra de modo semelhante. O pecado dos homens está no fato de terem se apartado da unidade.
Ora, as palavras pecado e afastamento são lingüisticamente aparentadas. Na língua grega se percebe o verdadeiro sentido da palavra pecado: hamartama quer dizer “o pecado” e o verbo correspondente hamartanein significa “deixar de acertar o alvo”, “perder o ponto”, “pecar”.
Aqui, então, pecado é a incapacidade de acertar o alvo; ou seja, exatamente o símbolo da unidade inatingível e inalcançável para a humanidade, pois ele não tem uma localização definitiva, e muito menos uma extensão.
A consciência polarizada é incapaz de acertar o alvo, de encontrar a unidade, e isso é o pecado. Pecar é sinônimo de polarizar-se.
Com essa explicação, também a idéia cristã do “pecado original” se torna mais fácil de compreender.
Os homens se vêem diante de uma consciência polarizada: eles são pecadores. Não existe motivo original, no sentido causal. Essa polaridade obriga-nos a seguir nosso caminho em meio ao mundo de opostos até aprendermos a integrar tudo o que precisamos a fim de mais uma vez nos tornarmos “perfeitos como o Pai no Céu é perfeito”.
O caminho através das polaridades, no entanto, implica inevitavelmente em tornar-se culpado.
O conceito do “pecado original” demonstra, de modo muito claro, que o pecado nada tem que ver com o verdadeiro comportamento das pessoas.
É importante pormos isso na cabeça, pois ao longo do tempo a Igreja distorceu o conceito de pecado e levou o povo a acreditar que pecado consiste em fazer o mal, e que pode ser evitado ao se praticar o bem, e agir corretamente. O pecado, porém, não é só um dos pólos da polaridade: é a polaridade propriamente dita. E é por isso que o pecado é inevitável— qualquer ação humana e pecaminosa.
[Fim do texto enviado]
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Resposta:
Meu querido irmão: Graça e Paz!
Eu creria que o 1º Adão era um andrógeno apenas se o 2º Adão, Jesus, também o fosse.
Ora, o texto trata de uma “lenda” dentro do ‘mito’. O ‘mito’ seria a narrativa original do Gênesis; isso pela linguagem que usa, e pelas imagens arquetípicas das quais se serve a fim de declarar o significado da existência humana na Terra. Nesse caso, a “lenda” dentro do ‘mito’ é a “interpretação” acerca da primeira narrativa do Gênesis sobre Adão, quando se faz menção dele isoladamente, antes da criação da mulher.
A ‘lenda’ do Adão andrógeno me parece totalmente interessante como utilização fenomenológica. No entanto, não creio nela; nem pela intenção do texto bíblico; nem tampouco em razão do excesso de permissão que os autores se concedem quanto a utilizar uma “lenda” judaica como se fosse parte da revelação divina.
Entretanto, deixando de lado o Adão andrógeno, do qual não necessitamos a fim de explicar nada, o que sobra, como fenômeno, é interessante e verdadeiro; isso no que tange ao significado do pecado na condição humana.
Não há dúvida que o que houve no ser humano depois da “queda” é algo que pode ser explicado em termos de polarização; exatamente conforme Paulo nos explica em Romanos 7; onde ele nos diz que achava dentro dele mesmo essa polarização irreconciliável por meios humanos.
“Com a mente sou escravo da Lei de Cristo; porém em minha carne encontro outra lei…”—diz Paulo.
A tal polarização ou psicose básica é o estado de “desgraça” ao qual o próprio Paulo faz alusão, quando diz: “Desgraçado homem que sou!”
Daí, do ponto de vista fenomenológico, Sidarta e Confúcio estarem certos quando disseram a mesma coisa que Jesus ensinou e Paulo afirmou a partir de sua própria compreensão do Evangelho, da natureza humana, da Escritura, e da vida.
Fenomenologicamente todos propuseram o “caminho do meio”; ou o negar-se a si mesmo; ou não fazer o que seja apenas de nosso próprio querer; ou ainda: descansar na Graça, e parar a luta entre os pólos; realidade essa que só acontece de fato e sem sacrifícios perenes e mortificações que alienam a pessoa do todo da vida, se acontecer como descanso no que Já Está Feito na Cruz; onde todas as polarizações convergiram: fazendo-se Ele pecado por nós!
Na Cruz a polarização teve sua mais absoluta convergência. Na Cruz a polarização achou seu vértice definitivo. Por isso Jesus não é apenas o salvador dos homens, mas é o próprio Homem, o Filho do Homem.
A humanidade toda fragmentada tem em Jesus e
Assim, somos salvos apenas porque Deus decidiu que Jesus representa todos os homens; pois, Ele é o Homem.
Nós somos as desfigurações que buscam o encontro da imagem de Deus, a qual, só nos é restaurada, com gradualidade, mediante a contemplação da face de Deus revelada em Jesus, conforme o Novo Testamento ensina.
“Deus fez convergir Nele (Jesus), na plenitude dos tempos, todas as coisas; tanto as dos céus quanto as coisas da terra” — disse Paulo.
O caminho proposto, portanto, é da fé que crê que Adão já está Consumado e Refeito em Cristo; e, portanto, todos nós, agora, olhando para Jesus, podemos, pacificada e reconciliadamente, andar na direção de cada vez mais deixarmos os pólos; e, por Sua Graça, mediante a fé, mergulharmos no descanso que abre mão de bancar a qualquer que seja a auto-reconciliação; ou a auto-salvação; ou a auto-harmonização.
Ora, eu poderia ainda dizer muitas outras coisas sobre isto, mas como estou saindo de viagem, agora, neste momento, não me sobra mais tempo. Espero, porém, que minhas considerações lhe tenham sido de alguma forma úteis.
Receba meu carinho e abraço!
Nos vemos no Caminho domingo que vem!
Nele,
Caio