—– Original Message —–
From: AMO FAZER VINHO: é pecado?
To: [email protected]
Sent: Sunday, June 18, 2006 10:14 PM
Subject: Enologia!
Caro Pr. Caio: Graça e Paz!
Tenho lido o material do seu site e queria parabeniza-los, a você e à sua equipe, pela sua dedicação e trabalho. Que Deus continue a abençoá-los!
Se puder ajudar-me a resolver uma dúvida que tem me acompanhado já faz certo tempo, lhe agradeceria muito; e, na realidade, já o farei antecipadamente: muito obrigado!
Estou prestes a retornar ao Sul para ali poder concluir o curso de Enologia. Bom, sou um rapaz cristão-do-caminho e tenho buscado viver sob a dependência da Graça do nosso Pai; a qual tem de me bastar!
Você já sabe o quanto é polêmica a questão do “vinho” no meio “evangélico”; e digo-lhe que isto tem me causado um certo desconforto com relação à minha opção!
Já vasculhei a internet e muitas literaturas acerca do assunto e jamais encontrei qualquer fundamento bíblico que me impeça de seguir tal profissão, ou mesmo de beber vinho, moderadamente, claro.
Apesar disto, me sinto muitas vezes julgado; um alvo de legalismos; mesmo naqueles meios evangélicos mais esclarecidos. Cabe dizer que na igreja-templo onde me congrego a maioria dos irmãos têm me compreendido, talvez porque seja uma comunidade luterana urbana. De qualquer maneira, não é nada fácil sustentar tal posição e as pressões, internas (pois sei dos problemas graves gerados pelo alcoolismo, etc.), e externas (farisaísmos, exegeses pernetas, etc.) — os quais estão me trazendo confusão; e roubando-me a paz.
Não creio que tal opção se contraponha ao verdadeiro evangelho, mas pergunto-lhe se não estaria enganado, pois não quero tornar-me um ser arrogante, orgulhoso e doutrinador.
Estaria agindo em amor se mantivesse a minha decisão?! Como posso, neste caso, fazer distinção entre “fracos” (a quem não devo escandalizar) e “fariseus” (os que deturpam a graça)?!
Talvez tenha medo de ser julgado; é algo bem possível; mas se for assim, que a Graça me ajude a superar o futuro “ostracismo” e me sustente em meio a quaisquer dificuldades!
Que Deus o guarde de todo o mal e o abençoe muito, e que me guarde a mim de ser este mal; e que nos dê a Paz Dele!
Nele, que já atuou como “enólogo” em Caná da Galiléia!
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Resposta:
Meu querido amigo: Graça e Paz!
Quando Paulo disse em Romanos 14 que os que são mais maduros deveriam buscar não chocar os de “consciência fraca” ou os “débeis na fé”— ele fazia referência ao seguinte tipo de pessoa: ao novo na fé, que vinha de uma cultura pagã, e que ainda tinha hábitos mentais e culturais de natureza idólatra; os quais (os novos na fé), em vendo alguém, por exemplo, comendo qualquer alimento “consagrado a um ídolo”, podem se “escandalizar”. E isto mesmo quando aquele que está comendo já é “adulto em Cristo”; e, portanto, já sabe que “todas as coisas são puras para os puros, se recebidas com ações de graça”, mas que, ainda assim, no ato de exercer a liberdade de sua consciência adulta, deve cuidar para que aquilo que para ele não é “mais nada”, mas que ainda significa uma tentação ou um vício religioso para a alma condicionada nas barganhas do paganismo, e que ainda não absorveu a consciência do Evangelho — não venha, por sua liberdade, fazer o “neófito”, o novo na fé, o débil, escandalizar-se; seja pensando que o “crente maduro” é “idólatra”, pois “ainda” come comida sacrificada aos ídolos (sendo que quem ainda vê a coisa desse modo é o “neófito”, e não o maduro, que já está livre de consciência tão básica); ou ainda seja em razão de tal pessoa, nova na fé, vir a pensar que se deve e se pode comer comida sacrificada aos ídolos, como “se a eles ainda fosse oferecida” — ou seja: pensando que se trata de uma “conciliação”; desse modo, levando o “débil na fé” a fazer algo que, em sua consciência, ainda é visto e praticado de modo pagão; porque ainda é por tal pessoa crida de modo pagão. Esses são os débeis na fé a não serem escandalizados.
Entretanto, isto era nos dias e no contexto de Paulo; e tinha referencia clara aos novos na fé egressos de práticas espirituais que equivaliam a comer comida de despacho de macumba.
A esses Paulo diz:
“O despacho nada é no mundo! O diabo não criou nada que esteja no despacho! Tudo o que é recebido com coração grato e puro, sabendo que tudo provém de Deus, é santificado. Mas há pessoas que ainda pensam e sentem diferente. Por amor a esses, eu não como e não bebo nada que possa ofendê-los; ou mesmo enfraquecer-lhes a fé em Cristo; embora, eu mesmo, saiba que tal coisa nada é no mundo; assim como qualquer ídolo nada é também!” (I Co 8).
Numa tradução livre que eu fiz de I Coríntios oito, o que Paulo diz é o seguinte:
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No que diz respeito às coisas sacrificadas aos ídolos, já sabemos, todos nós, o seu significado. Saber … apenas saber … incha o ser e nada mais. Somente o amor edifica.
Desse modo, se alguém tem a pretensão de achar que sabe alguma coisa, de fato ainda não aprendeu como convém saber.
O verdadeiro conhecimento vem do amor, pois, se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus. Digo isto tudo porque eu sei que todos vocês sabem que comer coisas sacrificadas aos ídolos nada significa. Afinal, sabemos que o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só. Ainda que haja muitos que se chamem de deuses e senhores ou que assim sejam chamados — seja no céu seja na terra —; todavia, para nós, há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual existem todas as coisas, e por ele nós também. Mas isto é o que nós sabemos. Entretanto, nem todos têm esse conhecimento. Isto digo por que há alguns que, acostumados até agora com a devoção ou temor do ídolo — como se o ídolo de fato tivesse poder —, comem coisas sacrificadas aos ídolos como se o ato de comer significasse algo espiritualmente significativo. Desse modo, quando comem, suas consciências, sendo ainda fraca e ignorante, contamina-se em razão do próprio significado que atribuem àquilo que, em si mesmo, não é nada. As coisas ganham o significado que nossa consciência atribui a elas! Todavia, não é a comida que nos há de recomendar a Deus; pois não ficamos piores se não comermos, nem ficamos melhores se comermos. Portanto, não estamos falando do que é em si, mas daquilo que as coisas se tornam, em razão da projeção de valor a elas atribuído. Desse modo, vejam atentamente que a liberdade de vocês — fruto do saber verdadeiro —, não venha a ser motivo de tropeço para os fracos. Ou seja: para aqueles que ainda olham para a comida sacrificada ao ídolo ou para o próprio ídolo, como se a “coisa” tivesse em si algum valor ou poder. Assim, se um desses supersticiosos virem você, que tem “ciência”, reclinado tranqüilamente comendo à volta de uma mesa num templo de um ídolo, poderá pensar que você está ali atribuindo culto e valor àquilo que para você não tem nenhum valor — e, assim, poderá ser induzido pela sua liberdade, a comer com a consciência fraca e supersticiosa as coisas sacrificadas aos ídolos… como se a sua presença ali validasse também o ato dele. Não é, porventura, assim que “eles” interpretariam sua presença no lugar? Desse modo, ironicamente, pelo saber e pela liberdade que você já adquiriu, alguém que ainda está na ignorância pode vir a sucumbir à superstição. Assim, por causa da “ciência” que você possui alguém poderá perecer… aquele que é fraco, o teu irmão por quem Cristo morreu! Ora, pecando assim contra os irmãos, e ferindo-lhes a consciência ainda débil e fraca, vocês estão pecando contra Cristo. Dessa forma, o que se deve saber é o seguinte: O ídolo não é nada para você em razão de você já saber que ele não é nada mesmo. Sozinho você comer onde e o quê bem desejar — ou em companhia de pessoas maduras! No entanto, se a comida fizer tropeçar a meu irmão, nunca mais comerei em sua presença nada que o faça tropeçar, isto porque não quero servir de tropeço à consciência fraca de meus irmãos … que ainda não discerniram a grandeza da liberdade que em Cristo eu tenho. De minha parte não quero jamais induzir meu irmão ao engano simplesmente por não carregar em mim uma consciência que antes de tudo saiba saber no amor.
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Ora, isto posto, e explicado quem é o frágil na fé (que merece cuidados) e quem é o “casca grossa” (que não precisa ser “provocado”, mas que também não precisa ser poupado, assim como Jesus não poupou os fariseus) — devemos agora olhar a sua questão.
No livro de Eclesiastes se diz que entre as bênçãos de um homem na terra, está comer gostosamente o seu pão, beber alegremente o seu vinho, e gozar a vida com a mulher que ele ama.
O vinho é tratado nas Escrituras de duas maneiras: como benção de Deus ao homem (veja o Salmo 104); e como algo que, ingerido em excesso, pode ser uma desgraça para o homem (Pv; e vários profetas; e as “bebedices” faladas por Paulo).
Assim, a Escritura judaica não é contra o vinho, mas sim, como não poderia deixar de ser, contra o excesso; como é contra qualquer excesso!
O vinho que Jesus “tirou” da água em Cana, era vinho mesmo, do bom; e, portanto, com o melhor teor de fermentação, como melhor buquê, com a melhor textura, e com o melhor sabor. Não era suco de uva; como também não era suco de uva o vinho usado na “Ceia do Senhor”, no Ágape da Igreja Primitiva, conforme I Co 11, onde Paulo diz que por aquele vinho alguns, bebendo-o em excesso, embriagavam-se; porém, ele apenas manda que retornem à sobriedade, mas não proíbe o vinho. Ao contrário, como qualquer cidadão sadio e normal daqueles dias, e, sobretudo, como homem de consciência adulta em Cristo, Paulo bebia naturalmente; ao ponto de também saber que uma boa dose de vinho todos os dias, poderia fazer com o que o estomago de Timóteo ficasse melhor — especialmente porque as águas disponíveis nas estradas, para os viajantes, nem sempre eram boas para a saúde.
Como porém para nós Jesus é a “Chave Hermenêutica” não só para se entender a Escritura, mas também a vida, a existência, como ela é — então, também para nós, a questão é uma só: Como Jesus se relacionou com o vinho?
Ora, a resposta a esta pergunta recebe a seguinte assertiva: Ele se relacionou com o vinho de um modo refinado, elegante, prazeroso, alegre, e comedido. Foi assim que Ele criou vinho, bebeu vinho e andou com os que bebiam vinho. Ou seja: Jesus tratou o vinho como algo bom, bebeu-o com alegria, ilustrou coisas do Reino com a imagem do vinho, o fez estar presente nas Bodas e nas Festas Escatológicas ou nas festas do perdão, como na parábola do Filho Pródigo, em meio às danças, às musicas, e à festa!
E mais: por tais atos e companhia de pessoas que bebiam vinho, Ele também foi julgado pela religião dos “amigos de Jó”; que são, nos evangelhos, mais do que qualquer outro grupo, os fariseus.
“Bebedor de vinho e amigo de pecadores” — era como o chamavam. E Ele não se envergonhou de nada disso!
Em Lucas 22 Jesus mandou que se tomasse cuidado com as “conseqüências da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo”.
Assim, Jesus diz que mesmo quem não pratica tais coisas, precisa ficar atento ao “espírito” que delas emana como cultura psicológica, e que acaba por criar uma espécie de imoderação coletiva. Daí Ele falar das “conseqüências” de tais coisas, dizendo que mesmo quem não se entrega à orgia, à embriaguez e às preocupações deste mundo, pode, ainda assim, ser vitimado pelo espírito de tais coisas, que se tornaria uma cultura global, gerando “conseqüências” até para aquele que não as pratica.
Além disso, se Ele diz que as “emanações globais de tal cultura” geram conseqüências também globais, é porque para Ele estava fora de questão que o discipulado do Evangelho combinasse com orgia, embriaguez ou preocupações deste mundo.
Porém, ao assim dizer, Ele também afirma que tais coisas — orgias, embriaguez e preocupações deste mundo — geram o mesmo “porre” coletivo. A orgia deixa a pessoa num porre objético e de desafeição, anestesiado na alma; a embriaguez deixa a pessoa sem sentidos abertos e sem percepção, matando-lhe o equilíbrio e o discernimento; e as preocupações deste mundo geram um porre ainda pior, que é o porre da insegurança essencial, o qual tira tanto o bem senso, que acaba por colocar o “ansioso” num rol de pessoas altamente conduzíveis e manipuláveis; pois, facilmente tais pessoas entregam-se à “qualquer solução” material ou afetiva para a vida; o que, na maioria das vezes, é desgraça, visto que põe tais pessoas num estado de dependência e de insegurança, e sempre na mão de outros; os quais lhes conduzem a vida.
Se você quiser ter uma idéia do que estou lhe dizendo, leia a sua Bíblia, e leia-a tendo em mente o que lhe disse; pois sei que sou e fui imparcial em tudo o que lhe falei até aqui. E, lendo com olhos desassombrados, você verá que as coisas são claras e simples assim como lhe disse.
Quanto ao seu medo de ser “julgado”, é ainda fruto de sua justiça-própria-religiosa!
Ou seja: você está com medo de escandalizar as pessoas erradas: o pessoal casca grossa!
Afinal, me responda apenas uma coisa:
O que é escândalo para os de fora ou para os recém chegados à fé: que se beba vinho com alegria e moderação, ou que se o proíba em nome de Jesus?
Sim! Onde está o escândalo?
Na realidade o que mais escandaliza os novos ou os de fora é justamente essa proibição farisaica inspirada pelo diabo, conforme Jesus afirma aos fariseus nos evangelhos.
Quando os fracos na fé passam a ser os eternos fariseus, e quando é a eles que se pretende proteger, não por nada, mas apenas porque eles são uns Pitbulls raivosos e cheios de juízo perverso e invejoso —; sim, cedendo a esses, se está privilegiando sempre a consciência eternamente débil e adoecida dos fariseus; além do que, fazendo desse modo, também nos abstemos para sempre de todas as nossas legitimas liberdades em Cristo (e foi para a liberdade que Cristo nos libertou- Gl 5); e, assim, abrimos o espaço para que prevaleça a Lei dos Escândalos: que é essa que só dá uma pessoa recém convertida como “santificada” no dia em que ela, à semelhança dos fariseus da religião, também passa a dizer que beber vinho é coisa maligna.
Nesse dia os fariseus tomam um porre de arrogância!
Beber vinho é coisa maligna em três circunstancias apenas:
1ª – quando leva o genuinamente “débil na fé” a se escandalizar; conforme longamente expliquei antes.
2ª – quando a pessoa que bebe o faz sem moderação, caindo no hábito desgraçadamente vicioso; ou escandalizando os fracos na fé.
3ª – quando a pessoa já teve um histórico pessoal ou familiar de vício alcoólatra. Ora, tal pessoa deve saber que “é alcoólatra”, e que não deve beber JAMAIS; pois, para ela, o vinho tem um poder que, por exemplo, sobre mim não tem; embora eu beba muito pouco vinho ou qualquer outra bebida alcoólica.
O que passar disso, meu amigo, saiba: é coisa do diabo; e de quem, em associação a ele, consciente ou inconscientemente, pretende “reduzir ou espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo” — conforme nos disse Paulo; afirmando também o apóstolo que a esses tais ele jamais se sujeitou, a fim de que a liberdade do Evangelho não ficasse sob o domínio do legalismo perverso e sem bom senso.
Assim, faça seu curso em paz; e coma gostosamente o seu pão, beba alegremente o seu vinho (e fabrique o melhor; afinal Ele deu o exemplo); e goze a vida com a mulher que você ama ou venha a amar — pois essa é a paga terrena de nossos labores nesse chão que cardos e obrolhos, e aonde o vinho é sinal de Graça e Misericórdia.
Eu teria um livro a escrever sobre o tema, mas é por aqui que vou ficando por julgar que lhe disse o suficiente. Agora a jornada da consciência é com você!
Nele, em Quem tudo é melhor; e que disse que o Seu Reino era como o Vinho Novo,
Caio
Ps: O que aqui disse sobre o vinho, vale para tudo: de picanha a qualquer outra coisa. Nada é mal. O mal acontece com o que fazemos com as coisas; ou ainda está em “como” fazemos as coisas!