ASPIRANTE A FREIRA TENDO UM CASO COM UM HOMEM CASADO
—– Original Message —– Olá Caio Fábio! Antes de mais nada, gostaria de parabenizá-lo pelo trabalho que tem realizado em todos os cantos em que percorre. Me chamo ….., resido em Brasília há muitos anos. Há algum tempo ouvi falar muito bem de você e comecei aleatoriamente acompanhar seu trabalho, e, conseqüentemente, passei a admirar sua imensa grandiosidade de pensamentos e bondade. Confesso que hesitei muito antes de resolver enviar este e-mail. Não sei explicar, talvez dúvidas e receios de falar sobre assuntos particulares. Não vem ao caso agora. Bom, há aproximadamente 01 ano atrás conheci alguém muito especial, nos apaixonamos e resolvemos assumir um relacionamento. Estamos juntos há 06 meses. O grande paradoxo é que ele é um homem casado, e eu sou aspirante a freira—termino esse ano a 01º etapa de formação religiosa para tornar-me freira. Moro com meus pais ainda; e estudo e trabalho. Contudo, acredito ter a mente muito aberta a certos acontecimentos, fato e responsabilidades, de todas as formas. Mas resolvi assumir essa experiência. Viver e escutar somente o coração, deixar totalmente a razão de lado. Porém mais cedo ou mais tarde, surgem os fatos que me empurram para a realidade. Não estou me sentido em paz comigo mesma; não mesmo; pois é como se Deus se mantivesse distante e alheio a esses fatos. Eu sinto uma ausência imensa d’Ele. Minha alma está muito solitária, sem Deus. Embora eu me sinta bem quando estou com ele, todavia isso não preenche totalmente. E não é preciso que ninguém me diga que estou num erro; eu mesma sinto que estou nele. O problema é que não consigo me separar desse homem. Gosto demasiadamente dele. Vivo num mundo de fantasia, que é bom, mas que não me sacia a essência. Sei que nós, seres humanos, estamos sujeitos de fatos assim, mas compreendo que tenho que sair dele. Não sei como nem quando. Temo que quanto mais me envolva, mais difícil ficará a separação. Tenho também receio de que possa vir a acontecer algo nesse meio tempo.Tenho que travar uma batalha contra mim mesma, mas não consigo. Por isso, humildemente, peço seu auxílio e orientação. Não posso contar com mais ninguém. Abraços carinhosos, ______________________________________________________________________________________ Resposta: Minha querida amiga: Graça e Paz! Obrigado pelo carinho e pela confiança manifestos na sua decisão de compartilhar seu coração comigo. Você disse que é aspirante a freira, que se envolveu com um homem casado, que a experiência em-si é boa, mas que você vem sentindo uma “ausência de Deus” em você; ausência essa que você atribui ao fato de estar entristecendo a Deus. Além disso, você disse que o “relacionamento” só aconteceu por uma decisão sua de deixar a “razão” de lado e seguir o “coração”, mas que tal “alegria”—a de estar com o homem, que é algo que você acha bom e gostoso—não é permanente, não completando você, razão pela qual você sabe que é um “erro”, o qual, entretanto, você não consegue deixar, posto que se sente muito bem como mulher ao lado dele, ou, pelo menos, tendo a intimidade de mulher que você tem com ele. De fato, sem que eu possa chamar de “erro”, posto que não estou aqui para fazer tais julgamentos, tenho a lhe dizer que tal situação é problemática por algumas razões. 1a Ele é casado, e, sendo você quem é e como é, e tendo os sonhos que possui, em tal situação, se ela se cristalizar, sua alma não encontrará descanso. 2a Você é aspirante a freira, portanto, a uma vida celibatária. Ora, é impossível para a alma que fez esse pré-voto de consagração esquecer isto e simplesmente tratar a questão como algo que não tem significado. Na realidade, até onde posso enxergar a distancia, acho que você deveria se perguntar seriamente se deseja mesmo ser freira. E por que? 1a Eu creio que algumas pessoas sentem um chamado natural para o celibato, mas são muito, muito poucos os que assim, genuinamente, o sentem. A maioria se sujeita a isto apenas porque ama a “vida na igreja” e o “serviço ao próximo”, e, por conta de tal interesse fraterno e solidário em relação ao próximo, acaba por cair na cilada de crer que para servir a Deus e ao próximo a pessoa tem que se tornar celibatária. Creio que você está cheia de amor e vontade de servir a Deus no próximo, mas não creio que você tenha uma vocação celibatária. Isto porque uma coisa nada tem contra a outra, posto que não são antagônicas. 2a Eu creio que qualquer serviço a Deus que aconteça como uma renuncia externa que não tem correspondência interior, acaba por gerar um vulcão de desejos, vontades e sonhos reprimidos, os quais, mais cedo ou mais tarde, irrompem da alma com lavas incandescentes e incontroláveis. Ora, se seu desejo celibatário estivesse presente em você, a situação atual não estaria acontecendo, visto que você nem teria o apetite para tal. Desse modo, o “erro de agora” poderá estar sendo a sua “salvação futura”, posto que, por ele, você está tendo a chance de repensar a natureza de sua vocação. 3a Eu creio que o melhor a fazer é dar um tempo para as duas coisas. Digo “dar um tempo” na perspectiva de “dar uma parada” com ambas as coisas. Na realidade, eu penso que você deve primeiro resolver isso dentro de você, se deseja ou não a vida de celibato. 4a Eu creio que de fato o que você experimenta como “ausência” tem natureza psicológica, e não espiritual. Isto porque, na realidade, o vazio que você está experimentando vem da “incompatibilidade” de natureza psicológica que as duas situações carregam em-si-mesmas, posto que elas se estabeleceram como “contradição”—não como “paradoxo”—, gerando em você o vazio, que é resultado de você não estar vivendo nenhuma das coisas por inteiro. 5a Creio que o melhor a fazer, sinceramente, é dar uma parada em ambas as coisas, e considerar a possibilidade do amor, do relacionamento, e, eventualmente, até do casamento com alguém que lhe encha o coração. E não se sinta mal por você ser assim: normal. Eu sirvo a Deus a vida toda, e jamais considerei a possibilidade de uma vida celibatária, visto que, em mim, eu sei que não possuo nem de longe tal vocação. Ora, se amando servir a Deus eu tivesse que, por convenções humanas, me tornar celibatário, poderia ser que eu cedesse—tamanho é o desejo de servir—, e que viesse a me tornar um “sacerdote”, e isto apenas para viver atormentado e aflito, amando a Deus enquanto viveria em tomentos interiores, e tudo em razão de ter caído na cilada da religião. É o tal do “coar o mosquito e engolir o camelo”. O mosquito que é coado é a sua necessidade natural de vida afetiva e sexual. O camelo engolido é que, pela privação do natural e normal, você está vivendo aquilo que está longe de ser o ideal de sua alma; seja como aspirante a freira, seja como mulher. Portanto, seja uma mulher por inteiro, e não um fragmento de mulher; e seja uma cristã por inteiro, e não um fragmento de cristã: uma freira aflita pelo amor não conhecido. Já que você está em Brasília, quero conhecer você. Apareça lá no “Caminho da Graça” no domingo que vem. A reunião é no Teatro La Salle, às 19:30 hs. Pense no que lhe disse e me escreva. Um grande e carinhoso beijo! Nele, cujo primeiro milagre aconteceu para que a festa do amor conjugal não acabasse, Caio Escrito em 01/07/04