—– Original Message —–
From: BOFF, DARCY RIBEIRO E MELQUIZEDEQUE
To: [email protected]
Sent: Thursday, October 26, 2006 4:45 PM
Subject: Boff e Melquizedeque
Caio, tudo bem?
Dia desses eu lia uma entrevista onde o Leonardo Boff descreve um encontro com Darcy Ribeiro, alguns dias antes da sua morte.
Boff contava que já consciente de que seus dias na terra eram poucos, Darcy se inquietava com o “pós morte”, e lamentava não ter fé suficiente para ser salvo.
Gostaria que lesse a resposta do Frei:
“Não se preocupe com a fé porque Deus não se incomoda com a fé. Pelos critérios de Jesus quem tem amor tem tudo. Então, quando a gente chega à tarde da vida como você, quem atendeu os famintos como você; crianças abandonadas como você; índios marginalizados como você; negros que você defendeu; as mulheres oprimidas, desde o neolítico ninguém louvou tanto a mulher quanto você — quem fez isso ganha tudo; porque optou pelos últimos, por aqueles que estavam em necessidade. Quem fez isso tem o reino, tem a eternidade, tem Deus. E você só fez isso”.
Fiquei pensando nisso.
Se não é “fé” — e coloco aqui como fé a nossa concepção religiosa de “acreditar”— tudo muda.
Olhando por aí não importa em que acredito, e sim o que eu sou.
Aí penso em Jesus, em como agia, na parábola do Bom Samaritano e contrasto com o “aquele que CRÊ será salvo”.
Claro que aquilo que acredito tem implicação direta naquilo que sou, mas nesse caso, a fé seria algo muito mais subjetivo diante de minhas práticas de vida?
Gostaria de saber o que você pensa sobre isso…
Beijo pra você!
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Resposta:
Meu querido amigo Flávio: Graça e Paz!
Se você olhar para Mateus 25 verá que Jesus determina ali que o ‘critério último’ é a intrinsedade dos atos humanos. E mais que isso, Jesus diz que o que vale é o ato feito com o amor que não dá conta de si mesmo como “virtude”. Daí quem é chamado para a glória do Pai (conforme Jesus naquele texto) ser alguém que faz as coisas boas sem nenhuma ideologia em relação àquilo que de bom faz. Por isso tais pessoas são descritas como aquelas que fazem, e quando chamados para a recompensa, ao invés de dizerem “Isso mesmo, Senhor!” — chocam o Universo perguntando: “Mas como? Nós? Quando foi que fizemos bem a Ti, Jesus?” Assim, se sabe que foi o amor que se fez fé na Graça, o poder intrínseco que moveu tais pessoas.
Sim, amor porque sem amor nada aproveita. Fé na Graça porque somente quem ama sabe o que é Graça. Afinal, pode alguém que não ama agir com Graça? Amor e fé porque um não existe sem o outro. Sim, porque a fé que vale (segundo Paulo -I Co 13) — é aquela que atua pelo amor. Isto porque fé sem amor não passa de presunção positiva e propositiva. Ou pode ser apenas uma expressão de fé que ouse sem amor. Ou mesmo pode ser uma fé que não passa de crença. Ou pode apenas ser cara de pau coberta pela mascara da piedade.
Assim, a fé que agrada a Deus é feita de atos. A confissão de tal fé é a vida; é o modo de vida; é a atitude frente a si mesmo e ao próximo. E a motivação de tal fé-ato (fatos) é o amor.
Como tenho dito aqui no site diversas vezes, a fé é maior que a informação histórica. Assim, quem tem a informação histórica, deve crer e viver por sua fé e entendimento na Palavra anunciada e crida na História. Mas quem não tem ou não teve a informação histórica, porém vive com a consciência ativa em relação ao que vale e ao que é feito de amor como matéria prima, esse anda em fé, mesmo que nada saiba sobre crenças, ou mesmo que não tenha nenhuma informação histórica.
Ora, esse não era o caso do Darcy, que era um ateu psicológico; um traumatizado pelo catolicismo e pelo Cristianismo, como um todo; e que também era um viciado nas arrogâncias dos intelectuais de sua juventude.
Prosseguindo:
O povo que anda conforme a fé de Abraão está sob o guarda-chuva da Ordem de Melquizedeque; pois, Abraão foi abençoado por Melquizedeque — e não o contrário. Desse modo, o povo que em Abraão tem e teve a informação histórica (conforme a História da Fé narrada na Bíblia), é justificado pela fé Naquele em Quem Abraão também foi justificado. Entretanto, esse povo da fé histórica (dentre os quais me incluo, pois cri pela emulação da informação que eu conhecia desde a infância) — está sob a mesma Ordem Sacerdotal de Graça Cósmica que cobre a todos; inclusive todo aquele que não teve nenhuma informação, mas que, apesar disso, viveu e vive de acordo com o dogma do amor; e, além disso, manifesta tal amor em atos práticos e em exercícios diários de uma consciência limpa.
O povo de Abraão é justificado mediante a fé que atua pelo amor. Já o povo que não teve nenhuma informação é justificado mediante o amor que demonstra fé no amor como vida; ou seja: fé na Graça como caminho humano.
Darcy Ribeiro é um caso apenas para Deus. Ele e qualquer outro homem.
Lamentei o que o Boff falou a ele. Parecia claramente um sacerdote tentando consolar um homem sem fé como os sacerdotes reais faziam com os reis moribundos. De fato, o que Boff fez foi dizer ao Darcy que as ações políticas dele eram a sua justiça-própria; como se diante a justiça própria e fazedora alguém pudesse ser justificado diante de Deus.
E mais: o simples fato do Boff tentar convencer ao Darcy acerca de como este (Darcy) era um dos melhores caras desde o Paleolítico, apenas deu ao Darcy a falsa e volúvel certeza de que pelas muitas ações governamental-sociais o homem pode ser justificado por Deus. Boff esqueceu que todas as obras do Darcy são trapos de imundície; e mais: esqueceu que Darcy está amparado apenas na Graça de Jesus. Portanto, não é Darcy quem comprou seu lugar junto a Deus, mas Jesus, que não levou a sério as bobagens do Darcy, quem garantiu a ele um lugar na casa do Pai.
Boff falou como um teólogo da libertação, para quem os ícones de santidade deveriam ser Marx e Lênin — como para Boff já o foi, na década de 80 (quem leu não esqueceu).
Darcy pode estar na casa do Pai apenas porque o Pai é bom; é melhor do que eu; do que Boff; ou melhor, do que quem quer que seja. E eu, que sou mal, por pura Graça decretaria Darcy ao céu; simplesmente por não poder vê-lo no inferno. Ora, se eu sinto assim, o que dizer do amor do Pai pelo Darcy?
Além disso, o Boff parece crer que o inferno é um lugar para o qual o Darcy poderia ir, mas que não iria pela contabilidade de boas obras dele como antropólogo e governante. Desse modo, Boff prossegue para dizer que a falta de fé de Darcy não era importante. E, assim, vai falando bobagem para o moribundo. O que Boff deveria ter dito é que a fé é essencial (somos justificados mediante a fé…) — mas que a fé de Jesus não é aquilo que a “igreja” ou o “Cristianismo” chamam de fé. E, assim, ele poderia ter dito a Darcy que mesmo sendo uma pessoa traumatizada com a religião, o Evangelho nada tem a ver com isto; posto que o Caminho de Jesus contradita a religião; qualquer delas.
O Boff deveria ter buscado era apenas deixar claro para o Darcy que o problema dele, Darcy, era com a “igreja”, com a “religião”, e com “Deus”. Ou seja: não era problema com Deus mesmo. Afinal, a fim de se ajudar “um ateu de trauma” como era o Darcy, só mesmo separando “Deus” de Deus, e “Religião” de fé — bem como também separando a “igreja” do que seja o verdadeiro povo de Deus.
Além disso, a história do Boff é a de um teólogo católico da libertação, e que pregou uma teologia que fazia ideologicamente opção preferencial pelos pobres financeiros, e que tinha na mediação marxista o instrumento hermenêutico de interpretação da Bíblia e do Evangelho, e com forte ênfase no fato de que o reino de Deus era reino de homens. Assim, tendo sofrido a decepção da falência da “teologia da libertação” como instrumento de emulação das massas — isso pela falência do modelo marxista — acabou fazendo uma viagem semi-esotérica, mas que também incorporou os valores teológicos-ideológicos anteriores à síntese por ele hoje feita.
No histórico de pensamento e prática de Boff não há a dimensão da justificação pela fé segundo Paulo. E mais: Graça, favor imerecido, não habita o centro de sua fé. Ou seja: ele pensa sempre com as categorias do amor-ação (ainda que seja uma agenda de ações como a do Darcy; que tinha seus elementos de subjetividade que só Deus conhece; e, além disso, muita vaidade sedutora do Darcy até nisso também) —; e não dando apenas ênfase ao amor de Deus pelo Darcy, mas sim em algo como um “capital” de troca que o Darcy teria a fazer com Deus, e, para cujo acerto de contas, supostamente, o Darcy teria crédito.
Aqui não vai uma critica ao carinho do Boff pelo Darcy, mas apenas meu comentário sobre o conteúdo das afirmações; e mais: comparando-as ao que o Boff já produziu e escreveu na vida e o contraste disso com o Evangelho.
Boff é um homem bom e sensível; pensa bem; e é bom de sintonia com o tempo. Mas, infelizmente, o entendimento da Graça ainda não o visitou; pois, se o tivesse, a palavra dele ao Darcy teria sido outra.
Sem ofensa a ninguém é o que aqui digo. Portanto, que ninguém me julgue.
Um beijo pra você!
Nele, que amou o Darcy, ama o Boff, mas inclui por pura Graça a todos, incluindo os maiores santos (os discretos) de toda a humanidade,
Caio