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From: CAIO, É VERDADE QUE VOCÊ LEVAVA SEUS FILHOS AOS PRESÍDIOS?
Sent: Saturday, August 08, 2009 8:55 AM
Subject: Passear com os filhos em lugares perigosos…
Prezado Pr. Caio Fábio.
Minha esposa bem sabe que admiro muito a sua pessoa e que amo ouvir e ler o Evangelho pregado por você.
Hoje estou trabalhando. À tarde minha esposa ira ao cinema com uma sobrinha. Ela disse que irá tentar pegar o carro emprestado com o pai dela. Daí eu disse: “- caso não consiga, vá de ônibus, será um bom passeio para a nossa sobrinha”. E nisso completei: “- Quando tivermos filhos, andarei de ônibus com eles e levarei eles em hospitais e até mesmo em presídios, para que vejam como a vida é de fato”.
Nisso minha esposa disse: “Por que? O Caio Fábio faz isso com seus filhos?”.
Daí eu disse: “Acredito que ele tenha feito isso, pois na década de 90 ele evangelizou muito em presídios”.
O Sr. realmente levou mesmo os seus filhos em lugares assim? Qual era a finalidade educativa disso para você e eles?
Atenciosamente,
Renato Luiz
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Resposta:
Meu irmão: Graça e Paz!
Quando eu era menino e meu pai era um advogado de renome na cidade, todos os dias eu o via falando algo de alguém que fora preso ou seria. Um dia se conversava em casa sobre um ladrão que vinha roubando coisas do escritório dele nos fins de semana. Ele disse que iriam pegar o ladrão. Fiquei curioso… Queria saber como era um ladrão. Dava-me a impressão de que teriam uma marca, uma identificação, ou até uma cara de ladrão…
Papai prometeu que me deixaria ver a pessoa quando acontecesse; mas me preveniu: “Meu filho, ladrão é apenas um homem…; qualquer homem; pode ser qualquer um…”
Chegou o dia; prenderam o homem…
Papai se preparou para sair sem me levar… Chorei e esperneei querendo ir ver o ladrão, pois, dizia: “O senhor me prometeu!…”
Papai não era de quebrar promessas por nada… “Então, vamos!” — disse ele.
Nos meus sete anos de idade fui todo cheio de estranha expectativa…
Papai subiu ao andar do escritório, mas me disse para esperar, posto que a pessoa que pegara o ladrão dissera a ele que era melhor ele subir sozinho, sem me levar…
Ele foi e depois de um tempo desceu triste e pálido…
“Papai, vamos, me leve para ver o ladrão!” — era a minha insistência.
“Filho, não posso levar você para ver este ladrão, pois, ele é amigo da gente!” — replicou ele.
Uma coisa estranha bateu no meu peito de criança. “Um amigo ladrão?” — era a minha indagação, como quem pensava: “Mas será possível que amigos possam ser ladrões e ladrões possam ser amigos?”
Papai seguiu em silencio…
Eu interrompia e perguntava: “Quem o ladrão?”
Até que ele parou tudo, olhou para mim, e disse: “Meu filho, vou dizer quem é o ladrão, mas você terá que ser homem e guardar a informação com você para sempre! Você promete?”
Disse que sim; e papai sabia que eu não diria a ninguém…
“É o meu afilhado… É o fulano… Nosso amigo e vizinho… Filho da minha amiga… Leva você ao Estádio… É seu amigo… Mas fez uma loucura. Por isto, vamos ajudá-lo e não vamos fazer dele um ladrão apenas porque ele roubou… Ele não será preso e ninguém saberá. Nós vamos ajudar esse rapaz. Mas ele não pode saber que você sabe… Morreria de vergonha!”
Papai era um homem tão diferente e extraordinário que fez o rapaz continuar a me levar aos jogos de domingo no Estádio de Futebol; e ainda o levou várias vezes a outras coisas da família; embora eu visse o rapaz sempre um pouco acabrunhado…
O fato é que ele roubou, mas não virou ladrão.
Essa experiência me foi fundamental quanto a não mais olhar para os homens como sendo capazes ou incapazes das coisas… boas ou ruins. Para mim qualquer um poderia ser ou fazer qualquer coisa… — e, com isso, nunca me escandalizei com nada!
Não apenas na década de 90, mas a vida toda estive relacionado com gente atrás das grades…
Vários amigos meus da juventude foram presos… Alguns se converteram na prisão… E mais: os presídios, desde que me converti em Manaus, me chamavam para falar com o contingente de apenados… E eu ia sempre!
Entretanto, foi já na década de 90 que essa minha entrada nos presídios se tornou famosa em razão de ser Bangu I, e, também, em razão do Rio está em guerra à época, com o Exercito ameaçando ir para a guerra nas favelas…
Nesse período levei todos os meus filhos a tudo…
Aos morros à noite… no meio da guerra… Levava-os para mostrar o nível de paranóia da cidade e da mídia em relação a tudo aquilo…
A Juliana, minha caçula, subiu comigo à noite em diversos morros em meio a toda sorte de ameaças… Leva-a para que ela visse que gente é gente; e para que todos vissem que cordeiros que sejam cordeiros genuínos podem entrar em tocas de lobos, pois, lobos não sabem o que fazer com ovelha sem medo!
Levei o Davi
Para mim aquela era uma pedagogia dupla: de um lado educava meus filhos quanto ao fato de que qualquer um pode ir parar num lugar e situação como aquela se entregar-se ao engano e à cobiça. De outro lado queria mostrar à cidade que a única chance que gente que ficou ruim tem de se endireitar é justamente pelo contato humano normal, e não mediante a ação marginal com a qual são tratados dentro do próprio presídio…
Depois de um tempo consegui tirar o “Gregório Gordo” de lá e leva-lo para trabalhar na portaria da Vinde,
No meu livro “Confissões”, disponível no site para você baixar e ler, conto todas essas histórias com muito mais detalhamentos…
Assim, digo as minhas razões; mas não faço delas recomendações pedagógicas para ninguém. Cada caso é um caso.
Mano, ande de ônibus com seus filhos…; ajude-os a ver como a existência é…; envolva-os em atos de doação e serviço…; ajude-os a serem apenas homens e mulheres que não têm medo de gente.
Recebe meu beijo carinhoso!
Nele, que entrou nas prisões do abismo para gritar: Está Pago,
Caio
8 de agosto de 2009
Lago Norte
Brasília
DF