—– Original Message —–
From: CAIO, ESTOU LENDO CERTO?
Sent: Wednesday, June 13, 2007 2:05 PM
Subject: Perdão por perturbar (sua paz [e sua saudade]).
Caio,
Perdão por perturbar seu chamego com a Adriana, seu jardim, os passarinhos e a saudade dos seus netos (prometo que [vou – sinceramente – tentar] ficar um [bom] tempo sem lhe apoquentar o juízo).
Se e quando tiver tempo… (é pergunta sincera [sem nenhum fim “teológico”; “polemista”; ou “verborrágico” {é só temor de quem nada em mar escuro, sem saber se a água é limpa nem se há tubarões no fundo… ao menos até o sol nascer e iluminar tudo}]). É puro anseio.
Responda-me sem melindres (se estou errado, diga-me… sem rodeios [a verdade]).
Quando estou lendo os evangelhos (secos, sem comentários [aliás, sempre fico imaginando um teólogo interrompendo Jesus toda hora em que ele fosse falar para “acrescentar” um comentário… {-tipo mensagem pop-up!}]) — sempre fico meio perdido com o que sinto: ora, por exemplo, vejo os fariseus como sendo religiosos do seu tempo; ora os vejo (na maioria das vezes) como sendo, também, qualquer religioso atual (ou pessoa não-religiosa mesmo) que apresente as mesmas características de outrora; e, por fim, ora vejo os fariseus não como uma “classe religiosa” (externa), mas como “um estado/estágio da alma” de qualquer um: assim, vejo/sinto pedaços de fariseu em mim (quando julgo, sem compreender) ou de Judas ou da mulher do vaso de alabastro ou da figueira seca (quando aparento o que não sou) ou de zelote (quando me fio em conflitos políticos para que algo mude) etc.
Eu tendo sempre a, no fim (conforme vou lendo), “internalizar” – sem querer mesmo – o evangelho para ambientes do meu coração.
E o processo vai se aprofundando… Jerusalém antes; Jerusalém hoje; Jerusalém fora; Jerusalém dentro [quanto há desta Jerusalém no mundo exterior atual e no meu mundo interior…].
Fica tudo muito “subjetivo/simbólico” (mas o pior é que creio que estou certo [digo, que o evangelho seja mesmo meio “incontrolável” em suas conseqüências na percepção da gente]; não é que ele não tenha acontecido de verdade, é que ele tem sempre implicações ou correspondências atuais exteriores e interiores).
Não consigo também, por exemplo, na leitura, me imaginar um discípulo de Jesus (no sentido de alguém para o qual a mensagem não era dirigida [porque já seria do grupo dele]).
Sempre ouço Jesus falando aos “meus pedaços” de fariseu, de discípulo, de escriba; e por aí vai…
Estou distorcendo? Faz parte do processo? Digo: assemelhar-se a Cristo envolve conferir o quanto minha silhueta interior destoa da dele (comparando com os personagens [reais, eu sei], que seriam também arquétipos)?
Como não tenho “referências” (de doutrinas religiosas [nem quero ter] … nem convivo com gente assim), tenho receio de… me perder.
Ontem você me disse, respondendo a uma brincadeira minha, que eu pulasse da ponte e tirasse a corda.
Eu pulei…
Mas o frio na barriga só aumentou. Leio algo “por fora” ou fico no evangelho pura e simplesmente (confiando na revelação)?
Eu sei que há muita “infantilidade” no que estou lhe perguntando (sou “neófito” mesmo; engasgo com “alimento sólido” [e acho que ando sendo meio – ou muito – chato]).
Mas… culpe seu pai (quem primeiro me atraiu para o evangelho…).
Abração.
Boa Semana (e saudades mornas dos netos, como leite quente com biscoito na hora de dormir [com cantiga de ninar ao fundo]).
Habib.
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Resposta:
Meu amado amigo Habib: Graça e Paz!
Eu olho pra você e vejo meu pai com a sua idade, convertendo-se sem religião, somente com a Bíblia e uma ajuda posterior de um homem do Evangelho, o Reverendo Antônio Elias.
Olho pra você e vejo futuro, vejo fruto bom, vejo um presente do Evangelho para mim e um presente de Deus para todos, em você.
Sobre não me “chatear”, por favor, não me faça esse mal de não me procurar. Chatear-me-á muito se você não me “chatear”, pois, entre nós o “chatear”, é, de fato, outra coisa; posto que é um “chat-ear”. Ou seja: é puro papo bom pra alma e o ear, o ouvido.
Sobre o que você disse sobre suas ‘posições’ na leitura, está tudo certo, e não confuso.
Quando leio a Palavra tenho que me posicionar em todas as situações, assim como devo saber que dentro de mim existem potencialmente (no mínimo) todos aqueles personagens, em partes, em pedaços, ou, muitas vezes, na sua inteireza de ser; seja para o bem ou para o mal.
Além disso, devo também saber que existem as coisas de fora e as de dentro; as históricas e as existenciais; as informativas e as simbólicas.
Assim como, devo também saber que cada uma delas se cruza com a outra, de modo que no simbólico há informação acerca do espírito da história, assim como também há o espírito daquilo que transcende a história imediata, e, se projeta para o hoje mais amplo, para o amanha, ou mesmo para dentro de mim.
O mesmo se pode dizer do elemento informativo e histórico. Nele sempre há o germe de um algo mais simples, de um espírito, de uma lição que só cabe na existencialidade do coração; portanto, na apropriação simbólica.
Mas a ênfase do texto no que ele é (simbólico ou histórico informativo) — é o que sempre deve prevalecer como trilho da apropriação; sem jamais esquecer-se que Jesus é a Chave Hermenêutica.
Também devo dizer que você está certo ao fazer a leitura se referendar em Jesus.
Sim, pois, como disse acima, não somente Ele é a Chave Hermenêutica para todo o entendimento da revelação, mas também é a minha referencia a ser buscada como Verdade para o ser.
Ora, nesse sentido, tudo o que Jesus diz e ensina é contra mim (Ele é Absoluto e eu sou relativo; Ele é santo e eu sou pecador) — na mesma medida em que é para mim; para que eu pratique, para que eu encarne.
Assim, Jesus me mostra o quão diferente sou Dele a fim de me chamar para a Sua semelhança.
Desse modo, na leitura da Palavra, olho para Jesus, por quem “vejo” tudo. E, no ato de ver, me ponho em tudo e todos. Viro parábola. Torno-me todos os personagens. Checo em mim as motivações de cada um. Sou apedrejador de adúlteras ao mesmo tempo em que sou o adúltero apedrejado. Sou o pródigo que volta, ao mesmo tempo em que posso, para alguns, mesmo enquanto danço na festa do perdão, me tornar irmão mais velho, e selecionar quem entra e quem não entra na minha festa.
Sim, posso ir ao templo publicano quebrantado e sair de lá um fariseu auto-enganado.
Ou seja: no Evangelho o único lugar seguro é na busca da verdade em mim.
Por último, na leitura sou o mundo perdido e sou o cristo enviado. “Assim como o Pai me enviou ao mundo, também eu vos envio”.
Portanto, sou o mundo perdido e sou um dos enviados do Enviado.
Assim, tudo é duplo para mim: como denuncia que corrige e como anuncio que transforma.
Ou seja: na leitura da Palavra não podemos nunca esquecer que o Pedro que disse a verdade, que disse que Jesus era o Cristo de Deus, o Enviado, o Messias — foi o mesmo que a seguir disse uma grande besteira; e que por isso, depois de ouvir que ele era um bem-aventurado pelo que discernira como revelação do Pai, ouviu que ele mesmo, pela sua presunção, imediatamente se tornara um enviado de Satanás (Mt 16).
Portanto, no Evangelho, quando se o lê assim, se tem todas as dinâmicas possíveis para a nossa própria auto-compreensão; e, quando se lê dessa forma, se ganha a benção de habitar e ser habitado pelo “ambiente histórico-existencial do Evangelho”.
Ora, é nesse ponto que o entendimento começa!
Nele, que nos ensina todas as coisas concernentes à vida e à paz,
Caio
14/06/07
Lago Norte
Brasília