Caio, Sua resposta a uma indagação que lhe fiz acerca do coração, me motivou a voltar a escrever-lhe.
Falar com você é como tatear terreno santo, visto sua experiência ministerial e amor a Palavra de Deus. E é tateando que vou tentar me expressar. Se for bem sucedido em minha empreitada, esse será a troca de muitos e-mail enquanto paciente você for para comigo.
Tenho lido alguma coisa do que você escreve e posso notar que com muita propriedade você fala acerca da Graça de Deus em contraposição a Lei.
Eu noto algumas categorias nas Escrituras que simplificam a visão de mundo na contraposição: luz/trevas – crentes/incrédulos – judeus/gentios – graça/lei… e assim por diante.
Minha preocupação se volta para a Graça em si, num aspecto em particular: “transformação”, tendo por referencia Rm 12:1,2.
Permita-me dizer uma coisa: transformação, para mim, não é impecabilidade, visto que o pecado é uma raiz presente na carne, só arrancada com o corpo incorruptível; e que, vez ou outra, se manifesta em pecados (I Jo:1:8-10).
Transformação também não é adquirir de Deus algo novo, visto que no novo nascimento recebemos todas as bênçãos de Deus, bem como tudo que diz respeito a vida e a piedade.
Transformação é ter consciência, creio que você colocaria, da graça de Deus. Me corrija se estou errado.
Nascido de novo ainda temos estruturas mentais vindas de nossa jornada sem Deus. Essas estruturas nos impedem de compreender certos aspectos da vida cristã e, pior, muitas vezes entendemos que elas fazem parte da vida cristã. Paulo em Ef 2:3 diz que o que antes nos qualificava como filhos da ira era andarmos em nossos próprios pensamentos.
Permita-me colocar o que digo com base em uma experiência pessoal. Eu fora secretario de planejamento do meu município. Perguntando a Deus o que seria nos próximos anos recebi uma resposta em Isaias: “…farei de ti um trilho novo, com ele trilhará os montes.”
Pensei comigo que essa resposta implicaria necessariamente uma nova conversão, mas não sabia como poderia ser possível.
Dois meses depois de sair da prefeitura me vieram à mente três perguntas: 1. Onde esteve sentado nos últimos três anos?—cadeira tal, mesa tal, sala tal.
2. Quem esteve sentado nela antes de você?— todos os secretários de planejamento da prefeitura, antes de mim (então me lembrei que em 1967 meu pai sentara naquela cadeira – tremi)
3. Você quer ser a imagem de seu pai ou minha imagem conforme minha semelhança? Ao responder que queria ser a imagem de Deus percebi que naquele momento caíra por terra 36 anos de vida. Foi como se numa tacada só todo meu passado fosse jogado no lixo.
Considero esse momento um momento de transformação, pois meu modo de ser mudou radicalmente desde então.
Eu pensei nunca mais entrar na vida pública, pois esse seria o caminho de meu pai; estava enganado. Hoje sou de novo secretario, agora de Administração, mas minha atuação difere, para melhor, daquele momento anterior; e difere da água para o vinho.
O que quero colocar a você é que esses momentos, entendo, que são contínuos e alargam nosso coração no entendimento e na experimentação da graça de Deus.
Tenho notado que eles sempre acontecem com base na compreensão clara da Palavra para uma experiência existencial específica a luz desta Palavra, resultando numa mudança de atitude – metanoia, me parece.
Nos textos que leio, os que você escreve, não consigo ver isso com clareza, posto que você, até onde eu posso perceber, conduz o indivíduo (como a voz que clama no deserto) da Lei para a Graça.
Onde o que eu procurei lhe passar se encaixa na sua percepção? Consegui transmitir o que procurei fazer ou teria que expor com mais propriedade? O que você poderia me dizer?
Por favor, meu desejo é realmente aprender com você, pois tenho comigo que mesmo falando, falo ouvindo. Saiba que considero uma honra poder trocar e-mail com você.
Um grande e fraterno abraço.
Cezar
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Resposta:
Meu amigo querido: Graça e Paz!
Toda transformação espiritual é fruto do encontro da Graça e da Verdade no coração humano; e somente no coração humano.
Somos transformados de glória em gloria pelo Espírito quando nossa face é revelada, e exposta ao contraste da semelhança de Deus, conforme Paulo aos Coríntios (II Co 3:18).
Metanóia é um processo contínuo.
Os evangélicos fizeram o “arrependimento” ser uma crise de culpa—geralmente ligado a um ato de transgressão—, e não a um modo de se entregar à verdade que nos vai sendo revelada a fim de gerar crescimento no entendimento; que é o que inicia o processo contínuo de transformação.
É a tal não conformação com a escravidão dos padrões, conforme Paulo diz em Rm 12: 1-2.
Fora da Graça de Deus não existe transformação, porque sem a Graça ninguém suporta a verdade para o bem e para a vida. Posto que, sem a Graça, a verdade esmaga, aflige, angustia, neurotiza, mas não transforma.
Somente quando a Verdade chega beijada com a Graça é que ela opera o bem da vida em nós; do contrário ela apenas nos achata.
Para a ter a coragem de botar a cara para fora—tirar o véu—, é preciso que o coração já esteja seguro do amor de Deus. Sem isso toda verdade apavora, e faz o indivíduo esconder a face, como Moisés, para que não se “atente para a imagem do que se desvanece em nós”.
A verdade, todavia, só acontece com poder transformador quando ela nos encontra nas entranhas da vida.
Portanto, não há verdade transformadora que não venha de dentro para fora, gerando o encontro entre o ser que ainda somos e o ser que em Cristo somos chamados para ser… e que é o ser de nosso potencial mais verdadeiro, conforme a Graça e a Verdade.
De fato, a transformação não é nos tornarmos quem não somos, mas sim quem somos e não queremos ser, ainda que a rejeição seja inconsciente, ou mesmo fruto do entupimento que a ignorância espiritual produz.
Assim, a transformação é o caminho no qual a gente enxerga quem é e não aceitou ser—seja pelos condicionamentos familiares, seja pelas imposições dos homens, seja pelo entupimento dos nossos sentidos e percepções, condicionados pela persona que nós aceitamos “ser”.
Ora, isto ao invés de andarmos no caminho do ser-real-que-somos.
A “nova criatura” não é um eu a ser “inventado”, mas sim meu verdadeiro eu, e que estava morto pelas imposições do “velho homem”, e que não sou eu-mesmo-eu, sendo apenas minha falsificação existencial, e que em mim se estabeleceu pela via das formatações e condicionamentos, sejam os externos, sejam aqueles que são neurose em nós.
No entanto, meu amigo, a transformação é a própria experiência da verdade em nós, e que se aplica como tal enquanto a gente vive, e discerne nossa própria existência à luz da proposição do amor de Deus.
A Verdade, todavia, não cabe em pacotes de nenhuma natureza. Ela tem que ser vivida. Somente na vida e no caminho se pode experimentar a verdade.
O que se tem no meio cristão é a “verdade como doutrina”, e não como experiência de Deus na vida.
E, quanto a isto, até mesmo os sistematizadores das doutrinas da justificação pela fé, etc…não conseguiram apreender a verdade de modo existencial e psicológico, mas apenas lógico e racional.
Portanto, tratava-se de uma “verdade livresca”, filha da ordem filosófica de Aristóteles, e desenvolvida nos mesmos moldes e mediante os métodos os filósofos.
Ora, tal verdade pode ser objeto de discussão—aliás, boba e infrutífera—, mas não se torna um bem de paz para a alma.
Prova disso é que os “protestantes” não são exemplo de almas calmas e pacificadas. Para eles a doutrina da justificação pela fé realizava a garantia de uma salvação futura, escatológica, mas não se transformou em bem psicológico para a alma.
O que é a Verdade? Esta era a questão de Pilatos!
O discípulo sabe que a Verdade não merece uma resposta, pois a verdade é o caminho e a vida.
Ora, se o discípulo já sabe isto; que dirá a Verdade de si mesma?
A verdade não pode ser encontrada num laboratório, num seminário, num livro ou numa bela reflexão. Na realidade a verdade é no caminho e na vida, não há outro meio de acessá-la.
Portanto, seu caminho é duro, e nos remete para a presença da morte, da dor, da perda, e do sofrimento.
É pura ilusão pensar que alguém pode chagar à verdade assim como ele chega a uma “conclusão lógica”.
Não há lógica para se chegar à verdade.
Ela acontece pelos caminhos da não-lógica, e não poupa ninguém de fazer a viagem se o objetivo é encontrá-la.
“O que é a verdade?”—foi a questão de Pilatos para Jesus.
Essa questão ficou não respondida; aliás, Jesus jamais responderia tal questão com uma fórmula.
Não há uma equação para a verdade. Muito menos um pacote de doutrinas lhe serviria de embalagem.
Jesus não ensinou a verdade. Ele é a Verdade.
Portanto, conhecer a Verdade é ter uma revelação acerca de quem Ele é. E isto só é possível se os olhos se abrirem para vermos os olhos Dele.
A pergunta de Pilatos é tola. Sofisticadamente tola.
E da parte de Jesus tal questão é equivalente à uma outra: “quem é meu próximo?”
A resposta de Jesus à segunda questão, “quem é o meu próximo?”, nos leva para onde não queremos; visto que a resposta é uma história; e pior: nela o próximo do próximo é alguém em quem não aceitamos a presença da verdade: uma samaritano herético, como todo bom samaritano seria aos olhos de todo bom judeu.
“O que é a verdade?” Para Jesus soava como se a Ele fosse perguntado: “Tu existes?” “…vem isto de ti mesmo…ou disseram-no outros a meu respeito?”— já havia sido a provocação de Jesus acerca de se Ele era rei ou não.
Mas esta questão de Jesus trás a resposta acerca de tudo, sobretudo da Verdade.
Se Ele é a Verdade, a verdade existe; se Ele é a verdade, ela não se instala como uma informação de outros, mas tão somente como algo que “…vem de ti mesmo…”
Se honestamente alguém pergunta a Jesus “O que é verdade?”, só lhe resta ouvir “…vem de ti mesmo esta questão?”; ou ainda: “…para isto nasci…para dar testemunho da verdade…quem é da verdade ouve a minha voz”.
Os ensinos de Jesus não são a verdade sem Jesus.
Os ensinos de Jesus só são verdade por causa de Jesus, e não Jesus é a Verdade por causa dos ensinos verdadeiros.
Os ensinos de Jesus jamais me levarão à verdade, se a Jesus, eu não tiver sido apresentado, e o tiver conhecido antes de tudo.
Os ensinos de Jesus como ensino da verdade, sem Jesus, cegam e embrutecem na mesma medida em que eles são esmagadoramente insuportáveis.
Assim, para não enxergarmos que o Sermão do Monte não é um Sermão do Monte, temos que, em nós mesmos, reconhecê-lo, antes, como o Sermão do Abismo. Pois é para o abismo que ele me envia…sem Jesus.
Ah, eu não quero os ensinos de Jesus sem Jesus! Eu apenas ficaria mais cego e mais perdido!
Além disso, me serviria apenas para me revelar minha própria mentira acerca de ser cristão, visto que sem Jesus, Seus ensinos me provam é que não sou cristão.
Jesus não chamou ninguém para ter aulas acerca da Verdade, mas sim para “segui-lo”…com todas as mentiras.
Ou não foi assim que Ele fez nos evangelhos? “Siga-me”, é o chamado de Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Assim, eu vou…como Pedro e os demais foram…cheios de dúvidas, mentiras, vaidades, porfias, disputas, entendimentos diferentes, expectativas distintas, e muita tolice.
Sim, eles seguiram e tropeçaram…assim como nós. Quem foi que nos convenceu de que somos melhores do que eles? Pedro continuou a jornada…e mesmo depois de ter traído três vezes…traiu muitas outras vezes mais…
Algum deles se “desviou” da verdade? Sim, mas apenas aquele que traiu o Caminho. Todos os que ficaram no Caminho, mesmo andando e tropeçando em suas próprias mentiras e ilusões, conheceram a Verdade; visto que ela só acontece como experiência de “seguir”.
Não há um curso sobre a Verdade. O curso da Verdade é a Vida.
“O que é a Verdade?”—perguntou Pilatos. A resposta que Jesus não deu, foi dada na sutileza do “…vem isto de ti mesmo…ou dizem outros a meu respeito…?” É como que dizer: “Se me vês e ainda perguntas, que tenho eu a dizer-te; visto que o que eu teria a te dizer seria ‘segue-me’, mas isto não queres; pois somente andando comigo poderias me enxergar, visto que estar em pé diante de ti não te revelou nada, mas apenas o que tu não sabes”.
Sim, a Verdade não pode ser oferecida em pacote, e nem pode caber num credo, nem nos nossos dogmas. A Verdade é Jesus, mas Ele determinou que o conhecimento da Verdade é revelação no Caminho, e o método é a Vida. Visto que a Verdade é Pessoa.
Só acredita que a verdade é um pacote quem crê que o amor também cabe num embrulho de definições.
Tudo o que concerne a Deus, a fim de ser meu, tem que ser vivido; e, primeiramente, como absoluta contradição e impotência; até que seu siga as leis do Caminho, que, de fato é uma só: “Siga-me”.
Assim, sigo a Jesus mesmo, como fizeram os primeiros discípulos; ouço tudo o que eles ouviram, e ainda assim não cumpro tudo o que já sei; sim, tropeço no Caminho para poder conhecer a Verdade, como Vida. Não adianta.
Se Jesus é a Verdade—como de fato é—, então não posso pensar em conhecer a Verdade antes de Conhecê-Lo. E, assim, conheci a Jesus; e Seus ensinamentos me serviram apenas para transgredir com mais dor ainda; pois logo vi que minha única verdade era ter chegado à armadilha da Verdade: “Para quem iremos nós? Só tem as palavras da vida eterna”.
Desse modo o homem verdadeiro é aquele que segue a Jesus, mesmo tropeçando nas palavras, mas sabendo que a Verdade é Ele, o Verbo Encarnado.
O Cristianismo é que tentou responder a Pilatos; e, à moda grega, desenvolveu Credos, Dogmas, Teologias, Doutrinas, e uma Sistemática para a Verdade; que não é nada além de um pacote vazio.
Assim, somos da verdade se recitamos o credo certo, e se compramos o pacote de doutrinas corretas…enquanto nos assentamos, e dizemos: Agora nós conhecemos a verdade! Pobres homens somos nós!
Jesus não tem doutrinas e nem credos. Por isto o samaritano é bom, apesar de seu credo errado.
Para Jesus, Perdão É perdão; Misericórdia É misericórdia… Assim, Ele não nos chama para saber, mas para ser e experimentar.
“O que é a Verdade?” “Ande comigo no Caminho que a Vida vai contar a Verdade a você!”—ouço Jesus me dizer. “Enquanto isto, siga-me, pois é andando comigo que você conhecerá a Verdade, pois esta é a jornada da Vida.”
Eu me lembro que quando comecei a falar muito para pastores, sempre havia um grupo de americanos residentes no Brasil presentes nas palestras. Era o início da década de 80. O que me mais me impressionava é que aparentemente esses cristãos norte-americanos aceitavam tudo o que eu dizia, e até se alegravam.
Mas sempre vinham com a mesma pergunta ao final: “Você disse ‘por que’ e ‘o quê’, mas não disse ‘como’”.
A questão é que nossas maneiras de refletir e pensar eram completamente diferentes. O que eles chamavam de “por que”, eu chamava de sentido. O que eles chamavam de “o quê”, para mim significava “como”. E os que eles chamavam de “como”, para mim era método, e em métodos eu nunca consegui crer como verdade, apenas como circunstancialidade, e só tenho a tendência de valorizar o lugar onde ele (o método) nasceu de modo espontâneo, e onde se o pratica sem obrigação metedologica, mas de modo simples e natural.
Foi quando comecei a me dar conta de que jamais chegaríamos a nada em comum, visto que nosso modo de refletir nos empurrava para direções bem diferentes.
Ora, hoje eu penso que o modo de pensar deles bem expressa o modo de refletir na religião, especialmente os evangélicos, para os quais a verdade pode ser estudada. Eles pensavam de modo objetivo. E para eles a verdade é um objeto passível de estudo e aprendizado racional. Já para mim, a verdade é subjetiva, e só pode ser apreendida como experiência no ser, em profunda subjetividade e visceralidade.
Ora, isto nos punha sempre em perspectivas de observação e valorização diferentes, e cada vez nos abisma mais em pólos bem diferentes.
À época minha convicção era que se o tema em questão fossem automóveis ou ações na bolsa de valores, poderíamos e deveríamos olhar para a verdade como algo objetivo, nesse caso, apenas como realidade.
No entanto, em se tratando da verdade para a vida, jamais consegui imaginar que fosse possível ensinar a verdade para ninguém sem que a própria pessoa a experimentasse na vida, sendo que o processo é sempre interior, primeiro, e, às vezes, é nessa dimensão que permanece, quase que incomunicável, para o resto da vida.
Tenho consciência que minha certeza de que a verdade tem que ser experimentada à partir da paixão do ser por Deus, e que essa própria paixão de fé já é verdade em si, posto que se relaciona com Aquele que é, não é algo excitante para a maioria.
De fato, a maioria gostaria que Deus fosse um ídolo visível, ou que Sua Verdade estivesse em Tábuas de Pedra (do lado de fora), e não do lado de dentro, no coração, imersa em mistério e absoluta subjetividade, só podendo ser experimentada pela fé apaixonada.
Não existe para o homem nenhuma verdade que possa ser conhecida como tal, com significado para a sua existência, e que não seja experimentada por ele.
É verdade que os homens foram à Lua, mas essa verdade objetiva não mudou nada na existência de ninguém, exceto nas existências dos astronautas que experimentaram aquela realidade como verdade existencial. Eles, sim, nunca mais foram os mesmos!
Nós acreditamos naquela informação como verdade. Eles, os astronautas, conheceram nas vísceras aquela verdade como realidade, e a realidade como verdade.
Somente na subjetividade é que tal síntese é possível. Somente no ‘interior’ é que pode-se provar a verdade como realidade, e a realidade como verdade.
É por esta razão que Deus nunca mandou que se fizesse qualquer imagem Dele. Afinal, a verdade de Deus só pode ser conhecida como experiência de Deus na existência, e esta só acontece nos ambientes da subjetividade, no coração.
É por esta razão também que eu não consigo acreditar na teologia como instrumento de estudo de Deus ou da Verdade de Deus.
Simplesmente tais coisas não existem como coisas, portanto, não podem ser estudadas, podendo apenas ser experimentadas.
Ora, Deus é espírito, e o que Ele procura não são ‘estudiosos” de Seus caminhos, mas adoradores que andem em Seu Caminho, que é livre como o vento, que sopra onde quer.
Por isto, somente os que nasceram no espírito andam confortavelmente nesse Caminho, visto que para eles não há Alguém a ser aprendido, mas apenas a ser Seguido, e conforme o testemunho do Espírito no coração.
Ora, tal testemunho não acontece sem referencias. Ao contrário, esse testemunho da Verdade em nós tem em Jesus o Caminho explicitado na existência, todavia, o caminho, como já vimos em outro texto, é ‘como’. E ele (o caminho) é apenas na medida em que ele acontece em realidade e verdade para aquele que por ele caminha.
E como sabemos, é o caminhar do caminhante, seu modo de caminhar desde dentro, aquilo que de fato é o caminho.
É o modo do caminhante que chama o caminho à existência sob os seus pés! Os que olham “de fora”—do mundo da objetividade—nada vêem além de imagem e movimento, e podem avaliar, muito de longe, alguma coisa, porém só o indivíduo é que sabe, em parte, o que de fato está experimentando.
Nesse caso, o que lhe sobram são apenas palavras, posto que ninguém o entenderá o crerá nele, à menos que também experimente.
Todavia, aquele para quem a verdade é um objeto para estudo, acaba por mergulhar na indiferença, posto que a verdade só realiza algo quando ela é experimentada em nós como amor, paixão e fé. Do contrário, ela mata a alma. A letra mata!
Mas para aquele que a prova na vida, na própria existência, pouco há para estudar como verdade, pois, de fato, tal tarefa é impossível.
Assim, toda a energia do ser se concentra em vivê-la, em prová-la na vida.
Onde está a verdade?
Ora, se você tiver que encontrá-la, saiba, será apenas dentro de você, e você a experimentará como tal apenas se vivê-la na paixão da fé, em Jesus.
Leia JOÃO 8 e medite!
Nessa leitura você vai discernir que só se experimenta a verdade como exercício de uma vida que caminha em crescente liberdade, e que sempre acontece como risco, até mesmo o risco de conhecer a verdade quando ela desmascara o nosso próprio engano na vida mostrando que nossa liberdade ainda é disfarce da escravidão.
A verdade liberta, mas é a liberdade que provoca o crescimento da verdade na vida. Sem liberdade a verdade é no máximo uma aula de anatomia; o corpo, porém, estará morto. Pois assim como a fé sem obras é morta, também a verdade sem liberdade é apenas a presunção das doutrinas.
Os pregadores da verdade, em geral nada sabem sobre ela, visto que se é a verdade que produz a liberdade, é também a liberdade que faz a verdade ser vida. E ninguém conhece a verdade sem ser na vida, e nas entranhas da experiência do existir e em meio a todas as contradições. Por isto, conhecer a verdade sempre dói, e muito. De fato, esgarça você completamente. E como os pregadores da verdade não querem ser esgarçados, falam do que não conhecem.
É na existência que se conhece a verdade não como um reconhecimento dela no intelecto, mas nas vísceras do ser.
Pregadores da verdade que não a conhecem como liberdade, continuam escravos de todo pecado, especialmente do pecado de afirmar conhecerem aquilo que nunca provaram, visto que nunca correram riscos como experiência da liberdade. Pois a verdade tem na liberdade como vida seu principal produto existencial, e sua única prova experimental. Gente presa ao medo de existir jamais conhecerá a verdade, visto que a verdade acontece como risco, como vertigem da liberdade, e como conseqüência da pessoa se haver entregue à vida, à existência, e sem medo de ser, e muito menos de se assustar com a própria face desmascarada pela luz do que é.
Se a verdade não se instalar no interior mais profundo do ser, o que ela produz não é liberdade, mas ansiedade e ambigüidade crescente. E quando falo de verdade, certamente não falo de doutrinas, mas de uma certeza que não precisa ser explicada. A verdade, para o homem, é existencialidade. Daí aqueles que conhecem a verdade jamais poderem fazer discursos de persuasão acerca dela.
A verdadeira persuasão da verdade é a ação libertadora que ela provoca no ser, mesmo quando o dilacera. Por isso, quem foi alvejado e rasgado por ela, acerca dela não tem muitas palavras, mas tem coragem de ser por causa dela, e apesar dela.
Não é a falta de bons conteúdos o que torna ridículo o discurso sobre a verdade, mas a falta de confiança em sua real promessa de libertação, e que só se expressa como tal se existir liberdade como expressão de vida na existência desse que diz conhecer a verdade.
É a ansiedade como expressão da existência aquilo que mais revela se a verdade entrou nas vísceras de um ser humano, ou se apenas o atingiu como “acordo intelectual”, e não como aliança visceral.
A ansiedade se disfarça de ortodoxia e convicção, mas de fato nada mais é que insegurança acerca da verdade, visto que nenhuma verdade que não gere libertação do medo, não é ainda libertação, pois ainda não se tornou parte essencial do ser, e isto torna o “proclamador da verdade” um sacerdote da ansiedade e do medo. Daí ele precisar ser intolerante.
Na religião ansiedade gera incerteza, e a incerteza produz a ortodoxia do medo. Assim, quanto mais se fala acerca da verdade, mas se a nega, posto que o que proclama a verdade como discurso, nada mais faz que tentar salvar-se de sua própria incerteza.
É por essa razão que os religiosos são tão inseguros, e é por tal insegurança que são tão arbitrários.
Gente da verdade não tem que provar nada, pois a vida em liberdade é a prova de sua própria convicção e fé.
Assim, para mim, os que fazem “apologia da verdade” são as pessoas mais inseguras, pois passam a vida tentando provar para outros justamente aquilo que constitui suas próprias incertezas e dúvidas.
Daí o serem tão frágeis, e daí o serem tão ortodoxas, intolerantes e fanatizadas pela insegurança. Gente da verdade nada tem a provar a ninguém, pois só teriam que provar alguma coisa se suas vidas não fossem a própria prova, e, por vezes, a contra-prova, ainda que em processo de rendição a ela.
A única coisa que prova que alguém conhece a verdade é a liberdade, pois quando se conhece a verdade na vida, ela nos liberta para a liberdade, ainda que seja a liberdade de errar a fim de conhecer a verdade como dor, para depois conhecê-la como paz.
Desse modo, eu digo: mostra-me a tua verdade com tuas doutrinas, e eu, sem nenhuma doutrina, te mostrarei a verdade pela minha coragem de viver livre e apesar de mim.
Afinal, a Verdade não é nada além de Tudo. E esse tudo nada é senão Jesus.
Pense nisto!
Caio
Postado em 24/12/2004