Como Faço Para Não Cair na Mesmice?
Pergunta para quem sabe muito menos do que pensa que sabe:
Caio, meu irmão:
Sou pastor jovem em idade, e recém ingressado no ministério com muito que aprender pela frente.
Há muito tempo que acompanho sua trajetória e sempre o admirei como pregador e como pessoa
comprometida com a causa do evangelho.
Até hoje me delicio lendo livros e artigos seus, sem contar as inúmeras fitas de mensagens que escuto pelas madrugadas. Quero confessar que em várias ocasiões cometi plagio fazendo citação de artigos seus, mas tudo em nome do Senhor. Afinal Ele é o autor da Palavra!
Caio me perdoe pela sinceridade!
Bem, como me referi no início, sou pastor jovem que atende uma pequena congregação e gostaria de uns conselhos seus. Algumas vezes tenho a sensação de me tornar repetitivo nas pregações. A impressão é que o meu estoque de mensagens esta esvaziando e receio cair
na mesmice.
Gostaria de ouvir de alguém com muito mais experiência e bagagem pastoral como evitar essa tragédia.
Dou a liberdade para o pastor me auxiliar na organização e planejamento de práticas devocionais, estudos e preparação de sermões.
Percebo também a sua paixão por leitura
e pesquisas e queria algumas dicas de como desenvolver um programa de leituras, inclusive com a indicação de livros e obras do gênero.
Agradeço pela sua atenção.
Que Deus seja louvado em sua vida
Com carinho e apreço.
Resposta sem muita resposta e com proposta já posta:
Meu querido irmão e amigo em Cristo:
Seu carinho e coração de estudante me trazem a certeza de que você nunca cairá na mesmice!
Aqui com você respondo algo que me é solicitado sempre, mas que nunca respondi ainda nada à respeito.
Sua maneira de dizer e perguntar, entretanto, me estimularam a tentar.
O que penso é que a gente só cai na mesmice quando departamentaliza a vida.
Quando isto acontece, a pessoa—no caso o pastor—cai na seguinte armadilha: só observa aquilo que parece ter ligação direta com sua área de saber ou de prática profissional.
No mais, a vida vai passando e a pessoa não entende que em tudo e em todas as coisas há mensagem.
A vida é também a mensagem!
Quando o coração fica espontâneo para tudo na vida, é que tudo começa ser mensagem, mesmo quando em-si é a anti-mensagem em conteúdo!
Os pólos são sempre muito parecidos!
E até o que vem na média da existência trás consigo também a mensagem da mesmice em sua mais infinita variedade. Portanto, tem-se que ver tudo, todos e abrir-se para tentar saber como são os sentimentos que habitam as pessoas, todas elas. Até mesmo como é o universo, o mundo animal, vegetal e, sobretudo, a alma.
Esse critério vale também para a leitura da Bíblia. A maioria das pessoas lê a Bíblia como se “aquelas pessoas fossem diferentes de nós”.
Mas eles eram “semelhantes à nós, sujeitos aos mesmos sentimentos e às mesmas fraquezas”.
Então, é só ler a Bíblia sem “mineralizar” as existências humanas com Deus ali descritas.
Leituras, pesquisas, etc… são importantes. São apenas importantes!
O que é mais que importante é aquilo que é essencial. E, neste ponto, desejo dizer que creio que tem que haver no coração a profunda certeza de que para Deus as trevas e a luz são a mesma coisa.
É isto que nos capacita a olhar tudo com e em Deus, mesmo que seja no pior dia e na pior hora da vida!
Num nível ainda mais profundo do que esse eu também digo a você que é preciso que o coração fale com Deus até no pecado. Se há em nós essa certeza de permanente flagrante aos olhos de Deus, então ora-se sem cessar no coração e na mente, mesmo na contradição.
É a possibilidade de se “examinar a si mesmo” sem medo daquilo que des-classifica as noções “clássicas” de pecado, e nos chamam para o mundo onde as coisas todas nascem: o coração!
A gente só conhece a Deus em nosso próprio coração!
Ninguém tem outra chance de ver a vida se não à partir de onde está. Mas ninguém verá mais que a si mesmo se não tentar se enxergar com verdade e ao próximo com misericórdia.
Talvez você pergunte:
Mas o que isto tem a ver com não cair na mesmice na pregação?
Eu creio que a pregação e a vida-existência precisam se misturar. A Bíblia só vira Palavra quando o Espírito a atualiza em nós. E essa “atualização” só pode ser existencial. Ou seja: tem que passar por nós, seja porque a discernimos primeiro para nós mesmos ou porque fomos rasgados por ela na vida. Os outros vêm depois; e para os outros temos que discernir sempre a Palavra na perspectiva da Graça. Do contrário, é Juízo!
“Aquele que me ama, o Pai se manifestará a ele”—disse o Senhor.
“Quem não ama a seu irmão a quem vê, como amará a Deus, a quem não vê?”—pergunta João.
Daí a Palavra e a vida (o irmão) nunca se separarem. Mesmo que seja no dia e na hora da ira.
As demais coisas são disciplinas e possuem valor fundamental, mas não habitam a essência das realidades.
É a certeza do amor de Deus sempre o que nos des-assombra para enxergar a Palavra como revelação em tudo.
Agora uma confissão: faz tempo que não leio como já li. Já li muito. Hoje leio de modo muito mais seletivo. Dou-me ao direito de ler apenas aquilo que me surpreende. O que não me surpreende não me é obrigação de nenhuma natureza—especialmente espiritual e intelectualmente!
A mensagem não é minha. É o Evangelho de Cristo. Eu não tenho poder de me auto-iluminar. Tento discernir apenas como aquilo que em mim aconteceu de modo natural e particular, possa ser explicado para quem me pergunta o que faço.
Não faço nada. Estou apenas tentando des-cre-ver como naturalmente leio as coisas e a vida.
A Palavra é revelação!
E eu creio que é vontade de Deus falar com todos os homens, o tempo todo.
Por essa razão a Palavra deve ser me-ditada no caminho, enquanto eu vou, mesmo que seja, como disse Jesus, ante o Tribunal dos escribas e fariseus. Nessa hora, Jesus prometeu uma luz especial. Disse mesmo que não nos preocupássemos com o que haveríamos de dizer, pois o Espírito haveria de sempre nos dizer o que falar nessas circunstâncias.
No mais…?
Deus é Tudo. E Jesus é Graça. E o Espírito é Vida!
Só que isso Tudo não é para ser “separado”, mas misturado na vida!
Não abra as Escrituras para buscar nada. Abra-se para que a Palavra arranque em e de você tudo, fazendo a viagem de dentro para fora—inevitavelmente passando pela sua vida!
Que o Senhor o guarde e o abençoe!
Me escreva sempre.
Carinhosamente,
Caio