COMO SERIA A LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS?—Eduardo Souza

—–Original Message—– From: Eduardo Souza Sent: terça-feira, 22 de junho de 2004 10:18 To: Caio Fabio Subject: COMO SERIA A LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS?—Eduardo Souza Querido pastor Caio Fabio, A Graça e a Paz de Deus! Estou sempre lendo seu site, todos os dias, e tenho sido muito alimentado por suas palavras. Hoje, após vinte e cinco anos de caminhada com Jesus Cristo, consegui entender o que é a Graça de Deus, e entendi a diferença entre uma vida presa ao legalismo e a vida liberta em Cristo. A Palavra está se cumprindo em minha vida – …“e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, conforme você tem pregado …desde sempre. Dou graças a Deus por sua vida, pastor Caio, e estou orando para que seu ministério cresça cada vez mais, na Graça de Deus. Sou um dependente químico, em recuperação e abstinência, há vinte e cinco anos. Coordeno há treze anos um grupo de mútua-ajuda para dependentes de drogas e famílias co-dependentes, chamado Projeto Vida Urgente, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Há dois anos faço parte do Conselho Municipal Anti-drogas de Duque de Caxias. Tenho, como deve ter notado, um grande interesse por este assunto, e gostei muito da opinião do pastor sobre a liberação das drogas em sua carta, respondendo a um leitor, chamada “Liberação das drogas: sim? não? talvez?” Concordo com o pastor quando diz que cada um deve ter o direito de escolher o que deseja usar, mesmo que isto leve a morte. É claro, sem agredir ou prejudicar outros a sua volta. Penso que o tráfico, a corrupção da polícia, dos poderosos em Geral, e a violência gerada pelo comércio de drogas ilícitas, seriam quebrados na raiz a partir do momento em que a comercialização fosse totalmente legal. Coisa parecida aconteceu nos Estados Unidos (1920-1933) durante a chamada “Lei Seca”. A violência, o tráfico e a corrupção tomaram conta da sociedade de então, durante a proibição da venda de bebida alcoólica. Com a liberação, foi quebrada toda uma rede criminosa. Porém, meu querido pastor, minha preocupação é com o outro lado da questão: o aumento do consumo, e a falta de estrutura de saúde pública reinante no Brasil. Volto a recordar o período da “Lei Seca” nos EUA. Durante aquele tempo, o da proibição, os hospitais e instituições norte- americanas que se dedicavam ao tratamento de alcoolismo, quase desapareceram. A abolição da “Lei Seca” contribuiu, junto com outros fatores, para uma epidemia de alcoolismo, sem que houvesse qualquer previsão para tratamento institucional, a não ser o encaminhamento para manicômios. O sistema de saúde mental estava sobrecarregado, sem pessoal e verba. Oitenta por cento dos internos do manicômio estadual em Minnesota, foram diagnosticados como alcoólatras ou ébrios, como eram denominados naquela época. Hoje, segundo levantamentos especializados, a dependência de álcool acomete de dez por cento a 12% da população mundial e 11% dos brasileiros que vivem nas 117 maiores cidades do país. Tomando como referência estas experiências, penso que da maneira como hoje o sistema de saúde pública funciona, tão precariamente em relação a ajuda de alcoólatras no Brasil, imagino como seria uma tragédia o atendimento aos demais dependentes de maconha, álcool, cocaína, etc, com a liberação, e o conseqüente aumento do consumo dessas drogas. Não podemos negar que a facilidade de adquirir estas substâncias após sua legalização (assim como o tabaco e o álcool, seriam vendidas em qualquer esquina e birosca), e o poder de dependência que elas possuem, aumentariam em muito o seu consumo. Você mesmo afirmou, em seu testemunho sobre a doença de seu filho, que teve que vender uma casa para pagar o tratamento em uma clínica particular, penso que por causa das poucas clínicas públicas de qualidade disponíveis na época. Eu mesmo enfrento dificuldades quando preciso encaminhar dependentes químicos para tratamento em comunidades terapêuticas públicas devido a falta de vagas. Concordo com o amado pastor quando defende que devemos buscar dos males o menor. Pelo fato de seu próprio filho ter sido um dependente químico, admiro muito a sua coragem e dignidade por defender a legalização das drogas e o direito de escolha de cada indivíduo. Penso que muitos pais não tem esta coragem e preferem viver a hipocrisia de nossa sociedade. Mas sinceramente, diante de tal quadro, não consigo definir qual seria o mal menor. Liberar, e acabar com o crime e a violência do tráfico, e assistir o crescimento de um exército de doentes sem atendimento público digno; ou continuar com a política de repressão e assistir o crescimento de um outro exército de corruptos e assassinos. A solução, acredito eu, seria a legalização e liberação do comércio de drogas, acompanhado, sim, de um programa sério de prevenção e conscientização em todos os níveis da sociedade (famílias, escolas, igrejas, associações de moradores, empresas, etc) sobre os males da dependência química (doença incurável, mas tratável). Junto a isso, a criação de um sistema de saúde pública com toda uma estrutura de atendimento e tratamento, com clínicas especializadas em dependência química, em todos o país, facilitando o acesso de pessoas sem condições financeiras. Penso que sem essa estrutura (prevenção séria e acesso a tratamento públicos) a liberação seria um grande desastre. Gostaria de saber a sua a opinião sobre esta questão. Sei que preciso aprender muito mais sobre dependência química e vejo em você uma bagagem importantíssima de experiência e conhecimento. Gostaria de compartilhar tudo isso com você. Um grande abraço e que a Graça de Deus cresça em sua vida e ministério. Eduardo Souza. ____________________________________________________________ Resposta: Amado amigo Eduardo: Toda verdade liberta! Como você disse, eu teria todas as razões do mundo para ser um pai neurótico com a questão. No entanto, a experiência de meu filho, serviu ainda mais para firmar a minha convicção de que a proibição, seguida de criminalização e punição, é um MAL MAIOR. Você disse que não sabia o que escolher como MAL MAIOR e MAL MENOR: “Mas sinceramente, diante de tal quadro, não consigo definir qual seria o mal menor. Liberar, e acabar com o crime e a violência do tráfico, e assistir o crescimento de um exército de doentes sem atendimento público digno; ou continuar com a política de repressão e assistir o crescimento de um outro exército de corruptos e assassinos.” Eu, meu amigo amado, não tenho dúvida, pois ainda que não creia na tal legião de drogados zumbis, ainda que fosse assim, os preferiria a esta LEGIÃO DO MAL que existe entre nós, e que você bem definiu como sendo feita de “um exército de corruptos e assassinos.” Se eu tiver que escolher, prefiro quem se mata, do que quem mata os outros! De fato, foi meu amigo Nilo Batista, que se dedica ao estudo da criminalidade, e das conseqüências dela na sociedade, a pessoa que mais me forneceu informações e dados estatísticos sobre a questão, ainda em 1993. De lá para cá a situação só piorou, e minhas certezas só aumentaram. À época o Nilo era, pela segunda vez, secretário de justiça e de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Nos dados que me apresentou—e que conformei com outras fontes igualmente habilitadas—foi que percebi que a questão tem várias nuances, tais como: os gastos do Estado com o combate—que é astronômico—, a corrupção da polícia, dos políticos e do judiciário; a criação de uma rede de trafico de armas, e outros derivados igualmente malignos—a criminalização das drogas anda sempre junto com o tráfico de armas—, a superpopulação das cadeias—o que gera o fomento ainda maior da criminalidade em geral—, a morte de milhares de pessoas em decorrência disso—a maioria apenas vítimas da guerra que acontece em razão do tal “combate”—, a criação de um “estado” dentro do Estado—e que vulnerabiliza o Estado de Direito—, a drenagem de energia propositiva a fim de se criar esforços em outras direções na sociedade—visto que a maior parte dos esforços são concentrados na “reação”; ou seja: ao combate policialêsco, enquanto outros setores de necessidade de toda a população são negligenciados— e, também, a criação de “uma barato criminal”, e que apenas aumenta a “onda” da própria utilização das drogas, pois o proibido, em-si, já entorpece antes de se usar a própria droga. Ora, esta guerra já sabemos que não poderemos ganhar por força ou por violência. E a inssitência nesse “métodos” apenas nos abismará em tragédia muito maior. Quem não crê, espere e veja! De fato, mesmo que admitíssemos que haveria aumento no consumo—o que sinceramente duvido muito que chegasse a níveis estratosféricos, podendo haver apenas uma “euforia inicial”, mas que logo perderia seu “barato”, pois o que não é proibido perde muito de seu encanto—, ainda assim, o mal seria menor para a sociedade COMO UM TODO. COMO UM TODO é a expressão. Digo isto porque quando se pensa no tema das drogas, em geral, pensasse apenas na questão em-si; e a questão é muito mais que em-si-mesma, pois atinge a muitas outras pessoas, fazendo com que inocentes fiquem numa linha de fogo e violência que mata infinitamente mais que as drogas em-si. Veja quantas pessoas morrem todos os dias, inocentemente, em razão do “combate armado e belicoso”, e compare com os números dos que morrem como usuários de drogas, e você verá que a situação é semelhante à daqueles filmes ridículos nos quais vinte pessoas morrem para salvar uma. E tudo isto em nome de um dever “moral”, e que se tornou algo maior que a própria vida. É O SÁBADO SE TORNANDO MAIOR QUE O HOMEM! Com 20% do que se gasta no combate, se poderia construir uma quantidade enorme de clínica para ajudar os dependentes, e ainda sobraria dinheiro para se fazer uma ampla campanha de prevenção, envolvendo a mídia e as entidades do chamado TERCEIRO SETOR, nelas podendo e devendo ser incluídas as igrejas e associações do gênero. Além disso, assim como nos Estados Unidos, na época da Lei Seca, se estaria, na pior das hipóteses, tendo que lidar apenas com a primeira geração de “eufóricos”, após a liberação, mas se estaria salvando muitas gerações por vir. Você sabe que em toda farmácia há inúmeros remédios—drogas—que dão onda poderosa, se associadas ao álcool, por exemplo. E por que não são tão utilizadas por aqueles que buscam algum “barato”? Ora, é porque, como você sabe, boa parte da onda vem do barato de se estar fazendo o que é proibido. E, aqui, não podemos fugir de Paulo. O que ele disse sobre a Lei Avultar o Pecado, serve para tudo o mais na vida! O argumento de alguns de que nos países islâmicos—onde a punição pelo uso pode ser a morte—não existe esse problema nos níveis em que há no Ocidente, sendo isto, para tais argumentadores, prova incontestável de que o que se necessita é de mais rigor nas punições, não é verdadeiro por duas razões: 1) Porque lá não há o ambiente cultural do Ocidente, e que trata-se de um ambiente irreversível sem sua “constituição”. O Ocidente não é o Oriente, e temos que saber disto. Nem mesmo se tomássemos as mesmas medidas teríamos, aqui, os mesmos resultados. O mundo Islâmico é um mundo antigo, e não há como pretender que o Ocidente se torne assim. Simplesmente, não há tal possibilidade, à menos que o Ocidente acabasse, e nele houvesse um povoação islâmica tomando conta do região, e que ainda assim, teria que ser constituída de pessoas do mundo oriental. E como isto não é possível, o argumento não tem valia. 2) A droga do Oriente Islâmico é a Religião Fanática, e dela já temos suficiente conhecimento para não enxergar que a droga de lá é muito mais poderosa, e que prescinde do uso de agentes químicos pelo simples fato de que a droga é a CRENÇA. Somente pessoas completamente drogadas e embriagadas podem ter a coragem de cometer atos da natureza que ali são praticados em nome da Religião. O fanatismo religioso que ali se vê é mais poderoso que qualquer coquetel alucinógeno. E se é para sermos bem pragmáticos no que tange à questão, eu lhe diria que prefiro ver milhares de médicos e profissionais de saúde sendo empregados para ajudar os “dependentes” e suas famílias, que ver a construção gradual de forças de guerra armada que hoje estão presentes no país, e que haverão de nos destruir. Com relação a “como” seriam tais procedimentos em relação aos usuários no que diz respeito ao “lugar” onde deveriam obter tais coisas, creio que não deveria ser em biroscas na esquina, mas em farmácias e lugares relacionados à saúde, e com supervisão profissional. De fato, eu creio que o velho argumento de que a maconha leva ao uso das demais drogas—o que não creio que seja uma verdade absoluta, opinião já expressa aqui no site—, serve apenas para provar outra coisa, e, esta sim, de natureza absoluta dentro da relatividade que o uso dessa palavra pode ter entre os humanos. Ou seja: esse tipo de combate às drogas leva sim, à criação de grupos armados, e que acabam sempre caminhando na direção da prática de outros crimes muito mais graves, e de crimes hediondos, como o seqüestro e outros do gênero. Sem falar que não é possível pagar os salários de fome que a polícia ganha, e não desejar que ela, a polícia, no contato com um Mega Negócio Informal e Criminoso como o tráfico de drogas, não se corrompa até o talo da alma. O mais, meu querido, é essa “ladeira abaixo”, e que a gente assiste todos os dias…e que chega às mais altas esferas do poder constituído. Esta é minha opinião como alguém que já provou muitas drogas na juventude; é minha opinião como pai um dia aflito, e que teve a benção de ver o filho se livrar daquela horrenda morte; é minha opinião como cidadão preocupado com a busca de males menores, numa sociedade de grandes e terríveis males; e é minha opinião como cristão que sabe que o uso de drogas só é tratado na dimensão existencial, onde as pulsões iniciam. Receba meu beijo, meu carinho, e meu estímulo, para que continue a lutar o bom combate. Nele, a Quem se ofereceu uma dose de anestésico na Cruz, mas Ele não quis beber, Caio