De Pastor Para Pastor, Sem Pasta e Com Amor
Aqui vai, com a devida discrição, uma troca adulta de e-mails. O remetente é um homem bom, cheio de graça e misericórdia. Amei-o de saída!
Caro Caio
Tudo bem?
Bom, refletindo um pouco sobre a atitude de alguns pastores com você, eu queria expressar algumas impressões:
1. Senti uma saudade enorme do Caio mais ingênuo, mais apaixonado e mais idealista – que era a sensação que eu tinha quando aos 19, 20, 23… anos, quando tive a felicidade de ouvi-lo.
Claro que essa é uma avaliação absolutamente pessoal que não tem a pretensão de corresponder a realidade. Mas é a minha impressão: é como eu recebia antes, e recebi agora. E, sinceramente, nem acho que tem como ser diferente: após tantos “atentados terroristas” que você sofreu do povo que o endeusava no passado e que, após
“o ocorrido”, o colocou abaixo do subsolo eclesiástico…Acho que realmente não dá para manter a mesma ingenuidade, paixão e idealismo que antes.
Mas me senti motivado a uma coisa: orar para que parte daquele Caio de outrora volte a sentir-se livre para vir à tona de novo, quer no meio deste ou de qualquer outro povo, nem que seja diante dos outros 150 milhões—fora dos 30 milhões de evangélicos— que não têm a balança ingrata do julgamento apontada para aquele em quem projetam suas próprias mazelas não admitidas, mas igualmente ocorridas em qualquer sombra da alma que negam veementemente, inclusive de si mesmos.
2. Consegui compreender um pouco mais do que significa ser um homem público, famoso, ainda que servo. Só que o povo evangélico não quer servos… quer papas, quer arquétipos, quer ídolos para os quais possam transferir suas responsabilidades, expectativas e paixões. Acho que você catalisou isso mas fez muito mais. Você abriu caminhos, meu irmão.
Fez escola.
Abençoou vidas.
Despertou gente do sono.
Resgatou gente das trevas.
E aquietou corações culpados por serem tão humanos quanto quaisquer outros quando o inesperado o atingiu.
Entendi o que significa cansaço, enfado, falta de individualidade, de pessoalidade, de tranqüilidade para ser quem realmente é. Somos – e você era, em muito maior medida – laranjas que o povo chupa: arranca a casca, mete os dentes, chupa todo sumo e quando percebe que também tem caroço e bagaço, joga fora e se esquece de quão doce a laranja foi.
Bendita laranja, que quando jogada fora, absorvida pela terra que a fez, transforma bagaço em adubo e semente em nova laranja, tão boa quanto sempre foi. Creio que cada vez que nos jogam fora, invariavelmente caímos nas mãos de Quem nos fez.
O povo é assim mesmo!
“Faz parte…” como diz o “sábio” Bambam!
3 – Senti vergonha. Profunda vergonha. Vergonha de ver a curiosidade mórbida de alguns irmãos cuja incapacidade de se calar, os expõe ao ridículo de fazerem perguntas que revelam suas próprias doenças. Caio, não julgo a ingrata limitação existencial e espiritual desses manos, mas me envergonhei profundamente e sinceramente por fazer parte de um povo que pensa assim. Claro que não são todos, mas esses irmãozinhos, que influenciam vidas desde seus púlpitos, evidenciam parte do pensamento evangélico do país. E isso me assombra. Parece que os caras conseguem até trocar a roupa, substituir o terno pela camisa, dizer “beleza, cara” em vez de “a paz do Senhor, irmão”, mas interiormente se mantém exatamente iguais:farisaicos, em primeiro lugar consigo mesmos; e, consequentemente, com os demais. Especialmente com aqueles que cometem os pecados “proibidos e imperdoáveis”: os que eles não fazem, ou porque não são machos o suficiente para fazer o desejam, ou porque nunca foram enredados – até agora!
Quem dera todo crente pecasse bem feio um dia!
Acho que a noção do que significa “não julgueis”, “ninguém pense acerca de si mesmo mais do que convém”, e “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos”— faria
bem mais sentido e seria um tema bem mais presente nos púlpitos, nos conselhos e nas conversas – especialmente nas que travamos secretamente com Deus!
Houve momentos eu me senti num tribunal quando o assunto era você!
É como se a graça de Deus não fosse suficiente para restaurar, redimir, refazer, renovar.
É preciso mais: é preciso purgar, a cada encontro, a cada reunião, o pecado já lavado, já cravado, já lançado no mar!
É muita impiedade!
E não é porque isso é com o “Caio Fábio”. O fato é que a coisa, na cabeça de alguns, é assim mesmo: pecou, tem que se ferrar!
Não é isso que eu leio na minha Bíblia!
Mas a conseqüência desse pensamento condenatório tem gerado um monte de gente ferida e amargurada com o “deus da igreja”. Gente que nem sempre tem discernimento e coragem de continuar ali, buscando o “Deus do Reino”, que é bem maior que o “deus da igreja”, humanamente constituída, que apresenta, muitas vezes, a caricatura e não a cara de Deus para o mundo.
Sei que não sou dono da verdade, nem de coisa nenhuma. Sei que também aponto o erro dos outros e que não é privilégio só dos outros cultivarem “toras” nos próprios olhos e desenvolverem técnicas cirúrgicas de remoção de “ciscos” do olho alheio. Mas tenho vergonha, muitas vezes, de fazer parte do povo dito “crente”.
Profunda vergonha!
Por outro lado, sinto alegria, profunda alegria e paz, por saber – e ter certeza – que a graça de Deus supera tudo isso: a vergonha, os irmãozinhos, os meus pecados e os seus também –
bem como os deles.
E também fico alegre em saber que tanto eu, quanto eles, quanto você, quanto Davi, Abraão e tantos outros, tinham a aprovação, misericórdia e graça de Deus, não pelo quanto não pecavam, mas pelo quanto amavam, buscavam e conheciam do coração do Pai.
O povo é sempre igual!
E sempre será!
Mas Deus também é. Sempre igual!
E sempre será!
Um grande abraço e uma semana cheia da graça acolhedora de Cristo e da doçura do amor envolvente do Pai.
Resposta:
Que bom saber de sua percepção das coisas!
De fato, para mim, não há mais nada novo nessa questão!
Antes de ser comigo, eu lidei milhares de vezes com essas situações com outros que foram “amassados” por pastores e lideres inseguros, infelizes e amedrontados!
Não há ninguém que possa dizer que não recebeu de mim um gesto de graça nessas horas, mesmo quando um pastor “estuprou a sobrinha”.
Não é figura de linguagem!
Já tive que lidar com quase tudo nesta vida pastoral. A lista seria interminável!
Já havia praticado graça com outros muitas vezes antes. Eu sabia de onde estava vindo! e também sabia quem e como eram e são os “irmãos”.
Hoje meu banco de dados é muito mais farto de informações e emoções!
Afinal, aconteceu comigo também!
E as conseqüências são do tamanho do significado que eu tinha para muitos!
Exatamente do tamanho!
Só que no meio pastoral a coisa é muito pior!
O povo é muito mais misericordioso!
O povo não faz concorrência!
Pastores fazem!
O Povo sente o vácuo!
Pastores querem o espaço!
Sobre a ingenuidade e doçura, não me sinto com tais obrigações!
Sinceramente acho que estou um poço de doçura se considerar que não foi outro quem viveu tudo, mas eu!
E não me refiro ao que me aconteceu apenas, mas ao que via antes, durante e depois de tudo!
A ingenuidade nunca houve!
Sempre vi o que vejo!
Só não sentia como sinto!
E o que hoje sinto é brincadeira perto do que já senti!
Não creio que ingenuidade seja recuperável!
Quando eu era menino eu sentia como menino…
Mas Agora…!
Sim, agora há um Agora..!
Desisti das coisas de menino!
O que busco não é uma renovação da ingenuidade, mas do amor e da paciência–esta última anda muito curta!
No mais, é deixar tudo nas mãos de Quem cuida!
Ele é que sabe de onde venho e para onde vou…
O Espírito é dele!
Quanto aos irmãozinhos, nada me fizeram!
Até o ridículo já não me diz nada!
Fico muito mais triste é quando o que vejo é a “polida educação” dos “teólogos e dos psicólogos”. Ou ainda dos “pastores mais sofisticados”, mas que são profundamente doentes em sua quase-consciência.
Há também aqueles que dei de mamar durante anos e hoje me tratam como se o leite que os fez crescer tivesse sido veneno!
Esses— e há alguns— é que me machucam o coração. Afinal, não se pode nem mesmo recorrer à ignorância como álibe para eles. O revelam é outra coisa!
Quanto aos Bin Ladens, esses se entenderão com o Leão de Judá!
Bem, se eu contasse o que sei seria uma tragédia!
Minha “gloria humana” é guardar para mim o que sei deles enquanto os vejo julgarem-me!
No mais, não há mais!
Há somente tudo!
É desse Tudo que vivo!
Esse é meu Bem!
Tem sido muito bem receber seus e-mails e saber que você está aí!
Um grande e carinhoso beijo,
Caio