DEUS E AQUELES A QUEM ELE ABENÇOA SEM PEDIR PERMISSÃO



Ontem um amigo me dizia o quão cansada ele está com tanta falta de romance na experiência da fé. Isto porque nossa conversa se reportava há dias nos quais era fácil encontrar cristãos simples e apaixonados entre os pastores. Lembrávamos do tempo em que os pastores eram perseguidos por algumas denominações em razão de serem piedosos e fervorosos na fé. Naquele tempo o mercado ainda não havia, famigeradamente, engolido a pureza da fé. O que era comum naqueles dias era você ter que aconselhar um pastor a não se entristecer frente aqueles que pareciam estar satisfeitos com a mera repetição da “sã doutrina”, mas que não carregavam na alma qualquer avidez por qualquer “coisa mais” da alma ou que expressasse a paixão por Deus como devoção. —Hoje eu ando pra lá e pra cá e não encontro mais ninguém assim. Tá todo mundo preocupado com números, estatísticas, poder, influência e com o estabelecimento de alvos de crescimento—isso entre os mais nobres—, mas a maioria já nem carrega tais preocupação de ordem matemática (o que já é uma pobreza). A maioria quer mesmo é se dar bem, e não importam os meios—desabafou o meu amigo. Entre nós havia uma pessoa que havia trabalhado numa organização “cristã” que até lavagem de dinheiro para os carteis colombianos havia feito. O próprio rapaz havia ido mais de uma vez buscar dinheiro na porta de jatinhos que vinham da Colombia e que eram destinadas à “lavanderia religiosa” na qual ele trabalhava, e que era devolvido num certo percentual para os “donos”, enquanto uma outra parte ficava no Brasil para que com tal grana de realizasse a “obra do reino de Deus”. Eu vi o desalento deles, desalento que já foi meu também, especialmente no início da década de 90, quando, invadido por tais terríveis e esmagadoras notícias, meu coração desfaleceu e perdeu o romance. Na noite anterior eu havia ouvido o testemunho de uma moça, esposa de um amigo, estilista e mãe, e que sem nenhuma participação de qualquer igreja, nos ambientes da fábrica onde trabalha, acabou por passar, na hora do almoço, por uma sala onde umas poucas mulheres oravam. —Eu vi, achei diferente, e me deixei ficar aberta para a possibilidade de receber um convite. Me convidaram e eu fui. As mulheres me receberam com muito carinho. Cada uma falava de si e todas oravam umas pelas outras. Eu também estava passando por um periodo difícil e contei o que estava acontecendo. Elas me acolheram e oravam. Eu fui amando aquilo, embora não soubesse nem o que era. Até que um dia, deram-me o evangelho para ler na reunião. Eu comecei a ler e falei em outras línguas. Eu mesma não sabia o que era aquilo. Mas me enchia o coração. Eu apenas chorava sem parar e perguntava a elas: O que é isso? O que está me acontecendo?—foi o que ela me contou, até concluir que isto aconteceu há mais de dez anos, que ela depois saiu daquela fábrica, e que a vida continuou, mas que ela jmais deixou de poder orar com aquela graça e se beneficiar com aquele dom. Tudo isto sem nem saber bem o que a ela havia acontecido. Foi somente agora, anos depois, que após conhecer um grande amigo meu, com quem veio a casar, que ela foi informada e instruída acerca da Graça que a alcançara, sem nenhuma mediação humana. Ora, eu contei esta história para os meus amigos pastores e concluí: —Por que que ao invés de nós ficarmos colocando nossa esperanças nesses esquemas adoecidos e falidos a gente não vê aquilo que o Espírito de Deus está fazendo de modo livre entre aqueles que em simplicidade de fé o buscam? Então concluí com o texto de Joel 2 e que foi citado por Pedro em sua mensagem no dia de Pentecoste, e que dizia que nos últimos dias Deus derramaria de seu Espírito sobre toda a carne—jovens, velhos, homens e mulheres—e “até sobre os meus servos e as minhas servas”, disse o Senhor. —Notem que os “meus servos e as minhas servas” acontecem na prespectiva do “até sobre”; ou seja: até a eles isso aconteceria. Uma medida “extrema”. Ora, o significado disso é chocante: os que se dizem os “servos” ou os que “trabalham” para Deus figuarm entre aqueles sobre os quais o Espírito poderia também se derramar… “até sobre eles”. Nada é mais perigoso do que se assumir, presunçosamente, que nós somos “os servos”, os representantes de Deus. Afinal, toda carne pode receber essa Graça antes de “nós”. A presunção de servir a Deus em geral cria um estado de familiriaridade com o sublime que acaba por entorpecer o coração. Ouvir a singeleza do encontro daquela, agora, querida amiga, com Deus; e que aconteceu livre de todos os esquemas religiosos, encheu meu coração de alegria pela liberdade de Deus de se revelar a quem quer e como quer. E é por essa soberania de Deus e por Seu amor tão livre e simples, que meu coração encontra sempre prazer em anunciar a Palavra, especialmente para aqueles que não carregam os vícios e as doenças da religião. Um beijão. Nele, Caio Escrito na manhã de quinta-feira, dia 4 de desembro de 2003.