DEUS, NÓS E A NOSSA FAMÍLIA



Freud mostrou como boa parte do “nó” humano se ata à sexualidade. Ora, isto já inclui a família.

Sexualidade, sexo, convívio, procriação, criação, ensino, aprendizado, manifestações de vida e personalidade, crises pessoais, angustias existênciais, competições, invejas, desvios de curso na vida, medo de amar, compulsão de amores…etc…tudo isto passa pela família.

O problema é a família e a solução é em família!

A Bíblia trata a família sem romantismo. A família é lugar de vida, esperança e alegria…

A família é lugar de angustia, engano, disputas e alterações dramáticas de destinos…

Tudo começa com a mulher que seduz o homem…e o homem que deseja ser seduzido pela mulher: Adão e Eva.

Caim e Abel—família pode gerar invejas e ódios homicidas.
Noé sobrevive ao Dilúvio, mas não sobrevive a curiosidade sexual de seu filho Cão.

Abraão anda com Deus…mas não consegue andar com o sobrinho Ló: interesses econômicos determinam roteiros diferentes para eles.

Abraão, Sara e Hagar—um triângulo de interesses procriativos (barriga de aluguel) e que se transforma num “caso” para o qual nenhuns dos três implicados estavam preparados.

A barriga alugada se sentiu dona (Hagar), a proprietária (Sara) logo viu que ela era a dona legal, mas já não era a dona real. Abraão achou fácil “anuir” ao pedido de Sara para que engravidasse Hagar…mas sofreu quando a decisão de Sara mudou…e Hagar teve que partir.

Os filhos de Abraão—Ismael e Isaque—nunca se deram bem…e suas descendências não se entendem até hoje.
Raquel e Lia…que desgraça!…duas irmãs amando e disputando o mesmo homem a vida toda…

Jacó e Esaú…que tragédia!

José e seus irmãos: que providencial maldade!

Moisés, Miriam e Arão: que invejas ridículas!

Hofni e Finéias, filhos de Eli…quanta dor para o pai…Icabode: foi-se a Glória de Israel!

Samuel, o homem que denunciou os filhos de Eli e que ungiu Davi…Sim!…ele não deu sorte com os próprios filhos.

Elcana, pai de Samuel já soubera antes do filho que em família nem sempre se tem só o que se quer…e que freqüentemente, tem-se que carregar o que não se deseja.

Davi é interpretado como os irmãos como um presunçoso, arrogante…e cuja valentia era apenas um “show de supremacia” sobre os demais.

Davi e Saul… a pior história de genro e sogro de toda a Bíblia.
Davi e Mical…um casamento político e acaba em política de casamento.

Saul e Jonatas…separadamente juntos até a morte…

Davi e Jonatas: separadamente unidos até a morte.

Assim, o mais verdadeiro dos amores não podia aparecer e nem se expressar…amam-se separados para sempre.
Davi e seus filhos…

Amnom ama a irmã Tamar: incesto. Absalão vinga a irmã: fratricídio. Absalão se insurge contra o Pai, Davi…subversão…morte.

Absalão, Absalão…meu filho Absalão!—é o eco eterno da voz do pai Davi ante o filho morto.

Davi, Urias e Bateseba: desejo, paixão, prazer…e, então, engano, morte, perdas, tristezas, luto, e…a vida continua.

Oséias, o profeta padeiro, teve que conhecer o casamento, por ordem divina, como vergonha: casou-se com Gomer…a mulher dele e de todos.

Mateus nos faz viajar pela genealogia de Jesus—que tem toda essa moçada e suas angustias familiares como cenário—para nos dizer que a família é o problema, mas que a solução vem em família. Jesus é a solução que emerge das des-soluções familiares e de suas próprias dis-soluções.

A pergunta é: o que Jesus ensina sobre família?

Interessante, mas Ele fala pouco do tema.

Outros temas, como dinheiro, por exemplo, aparecem muito mais.

Há duas coisas que Jesus ensina sem falar acerca de família.

A primeira é que a família é sempre a última a enxergar a gente. O evangelho de Marcos nos fala disso (Cap. três). Seus familiares foram “prendê-lo” porque diziam que Ele “estava fora de si”.

A segunda fala vem de um ato da Cruz. “Mulher, eis aí o teu filho”—diz ele a Maria, mostrando-lhe o jovem apóstolo João. “Eis aí a tua mãe…”—conclui Ele. João a levou para casa.
A família biológica e cultural freqüentemente não nos enxerga. Assim, é na Cruz que as pessoas podem se fazer família e se perceberem umas às outras.

Jesus não tem muito a dizer sobre família apenas porque tudo o que Ele diz passa pelo coração da família.

O Evangelho é boa nova para todo o povo. É para todas as famílias da terra.

Portanto, o Evangelho é a mensagem de Deus para a família…e não apenas aqueles textos—que acabaram virando lei morta—que falam de e em família.

Os princípios para a vida em família são os mesmos para a vida.

O que quereis que os homens vos façam…fazei isto mesmo vós também a eles!

Assim, quem quer…dá!

Quantas vezes devo perdoar?

Sete vezes?

Em verdade eu vos digo…até 70X7: 490…por dia…se ele vier…o teu irmão…ou quem quer que viva assim, ao seu lado…e reconhecer a atitude patética…perdoa-o—diz insuportavelmente Jesus.

Mas não se precisa ficar na relação adoecida.

Pode-se perdoar e se separar perdoadamente.
Perdão não é prisão…é libertação.

Em família Jesus sabe que há invejas e mágoas.

Um filho aventureiro pode produzir um sentimento de amargura num outro filho neuroticamente responsável: o pródigo e seu irmão mais velho que nos contem a história.

Mas ao começar Seu ministério numa festa de casamento e ao fazer isso melhorando o vinho…Jesus apontava para a possibilidade de uma qualidade humana e relacional melhor no vinculo e na celebração do casamento.

Casamento tem que ser acasalamento de corpo, alma e espírito—não um papel com firma reconhecida ou um convite para uma liturgia religiosa, apenas!

Casamento que não é acasalamento…é casulo…e nesse casulo lagartas não viram borboletas, mas cascavéis.

No N.T. o casamento não quer ser regido por leis, mas por amor.

Eu nunca aconselhei nenhuma mulher que tenha me dito:
Pastor, fale ao meu marido que cumpra o mandamento do amor conjugal, conforme Efésios Cinco!

Qual a mulher que gostaria de ouvir o seu marido dizer:
Ó vem, amada minha…eis que agora amar-te-ei como Cristo amou a Igreja…ofereço-me a ti em sacrifício—e apontar para a cama…?

O que vejo são homens demandando que suas mulheres os obedeçam, sem que as amem.

Assim, a mulher quer amor…e não o mandamento do amor. E os homens querem o mandamento da submissão, e não o amor que seduz e gera submissão e fidelidade na mulher pela via da conquista e da admiração.

Portanto, até mesmo os textos neotestamentários sobre casamento podem virar letra que mata, deixando de ser espírito que vivifica.

O desejo de Paulo era que o casamento fosse algo leve.
As circunstancias da vida eram difíceis (ICo Sete).

Assim, diz ele, “os casados sejam como se não fossem”.
Desse modo, o casamento passa a ser uma experiência-vivencia-existencial.

Aliás, é nessa direção que o sonho messiânico do V.T.—expresso por Malaquias—e que se cumpre no N.T. no nascimento de João Batista, nos aponta. O sonho é que os corações dos pais se convertessem aos seus filhos e vice-versa.

Desse modo, somos outra vez trazidos para a essência do Evangelho: ver a vida com os olhos do outro (pai ou filho), amar não para fazer o que outro acha bom, mas para realizar aquilo que a consciência chama de Bem!

Em família, não há formulas.

Em família a única formula é aquilo que não nos dá forma nenhuma, pois, em si mesmo, já é a antiforma, que é a Graça…que sendo favor imerecido, acaba cabendo em todas as formas e ganhando todas as caras…isso se houver coração de um convertido ao coração do outro.

Esse é o resumo preguiçoso e insosso do que eu falei hoje de manhã na Catedral do Rio.

Lá, com gás, graça e alegria.

Aqui, confessadamente, escrevi com um pouco de dor nas costas.

Dor nas costas tira a inspiração.

Mas Deus não sofre de dor nas costas e pode usar esse meu cansado textinho para tirar, quem sabe, um peso pior de suas costas.



Caio


Dom. 29/06/03