DIVINO




A palavra. Que milagre. Ela é a dádiva mais divina que adorna os humanos. Sim, a Palavra criou todas as coisas, e é também pela palavra que o homem cria e descria nos seus próprios limites como criador secundário.

PALAVRA é o que é. E palavra é aquilo do que somos feitos, e somos sendo.

Há belezas indizíveis em muitas coisas. A música, por exemplo, exprime o divino de modo extasiante. Em sua companhia nesse panteão de belezas e inebriamentos divinos vem a capacidade de pintar, de esculpir e de usar o corpo e controlá-lo completamente, de onde procedem todas as expressões atléticas, esportivas e as danças.

Em todas elas, porém, alguma materialidade tem que ser utilizada. O músico, o escultor e o pintor se utilizam de instrumentos; e o atleta, o esportista ou o dançarino precisam do corpo como instrumento, a fim de criar.

A palavra, todavia, vem de dentro e se manifesta, essencialmente, como algo invisível; traz, entretanto, consigo melodia, ritmo, cadência, intensidade, cor, temperatura, números e equações; transcende o tempo e o espaço, transporta para qualquer mundo, viaja para qualquer era; e penetra o impossível, que é impossível para o homem como mídia material, mas não para a palavra do homem, posto que este pode não conseguir realizar algo, mas só sabe que não pode porque pode “palavrear” essa impossibilidade.

Portanto, algo pode ser impossível de ser realizado pelo homem, mas só se saberá disso porque tal impossibilidade não é impossível para a palavra.

Assim, quando se diz  “isto é impossível”, se está dizendo que isto é impossível para nós como criadores, menos para a palavra, posto que foi a palavra que criou aquilo que no mundo não se pode realizar.

Assim, até quando digo que coisas não existem, chamo-as à existência como palavra. O que não existe só não existe se não tiver sido designado como palavra. Daí em diante já existe, pois existe como palavra.

Ora, tudo o que existe como palavra passa a existir, de algum modo, para a mente-alma, mesmo que não exista de modo objetivo aos sentidos e percepções.

A palavra cria como realidade para a mente aquilo que a mente não tem muitas vezes como transformar em possibilidade concreta.

Ora, essa inexistência, por meio da palavra passa a existir, ainda que somente exista como palavra.

A palavra é essencialmente dotada do impossível. Portanto, a palavra é a realidade que precede a realidade possível.

É por isto que a palavra é a mais divina de todas as dádivas. Pois por ela tudo é possível, mesmo aquilo que aos homens é impossível.

A palavra cria mundos, esculpi realidades, pinta cenários, enche de música a imaginação, chama odores à existência, se transporta, e a si mesma se carrega a qualquer dimensão.

Céu e inferno habitam a palavra. O caminho do homem é o caminho de suas palavras, para o bem e o mal.

A palavra possui todas as pedras, todos os paus, todas as águas, todos os ares, todas as possibilidades, todos os tempos, e todos os não-tempos, todas as eternidades, e todos os vazios, e até a inexistência.

Sim, os possui, embora eles sejam nela apenas as coisas que não são no mundo material, posto que existem tão somente como palavra.

Na palavra, todavia, não há coisas, embora ela possua todas as coisas e até as não-coisas. Nela se vê aquilo que não se pode enxergar, posto que ela não é pau, nem pedra, nem instrumento, nem cenário, nem coisa alguma que não seja pensamento em constatação, criação e construção.

A palavra é irmã do vento. E ambas são da mesma natureza e são realidades semelhantes, posto que tanto ela quanto o vento se confundem com o espírito.

É interessante que quando Deus quis diminuir o poder destrutivo da humanidade quanto a construir suas torres de arrogância, Ele confundiu as linguagens. Isto porque a linguagem é palavra confinada ao meio. Por isto, toda escritura, por mais maravilhosa que seja, sempre será infinitamente menor que a palavra, pois está presa ao meio como linguagem. A palavra, todavia, é levada pelo vento e pelo espírito.

As palavras carregam sempre profecias, pois é pela palavra que os homens salvam ou destroem, criam ou caotizam a existência, sendo que tais profecias não se cumprirão como certeza contra ou a favor de ninguém, exceto contra ou a favor daquele que as proferiu.

Daí a forte ênfase de Jesus no significado da palavra do homem. O homem dará conta de todas as suas palavras.

Paulo diz que a fé vem pelo ouvir a Palavra mediante palavras, e ouvir as palavras como Palavra.

Tiago disse que é na língua, sede física da palavra no corpo, que louvor e maldição residem de modo latente e paradoxal.

A palavra carregada da Palavra leva o homem ao inferno e ao céu sem que ele precise sair do lugar.

“Está aí, bem perto de ti, em tua boca, e em teu coração…a palavra da fé”.

A Palavra é antes de todas as coisas. Por meio da Palavra todas as coisas foram criadas. Ora, a Palavra se fez carne. No entanto, é através de palavras que se crê na Palavra.

“Pois se com tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para a justiça, e com a boca se confessa a respeito da salvação”.

Crer é a Palavra feita fé!

Confissão é a fé criada pela Palavra!

Ora, assim como todas as coisas foram criadas pela Palavra, é também pela Palavra que todas as coisas são apropriadas como herança. E essa herança nada mais é que a Palavra feita promessa, e que é mais concreta que todos os mundos já criados, posto que ela está liberta como fé para ver aquilo que olhos não viram, ouvidos não ouviram e nem corações jamais conceberam, mas, pela Palavra, tais mundos são criados como esperança e certeza, e passam a existir no ambiente da palavra, que é o impossível; ou seja: o coração.

No coração tudo é possível!

A fé vem pela palavra que é ouvida no coração como Palavra. E é tão verdadeiro que seja assim, posto que a Palavra é espírito, e a herança da Palavra é feita de material que somente a palavra da fé pode visitar como espírito.

“As palavras que vos tenho dito são espírito e são vida.”

No entanto, para receber o benefício dessa Palavra que é Vida, é necessário que a Palavra se torne palavra-pensamento em nós. Quando isto acontece, o resultado é que o entendimento vira consciência e a consciência se torna entendimento, pela Palavra.

Ou seja: o eu e a Palavra se fundem, e crescem nessa fusão.

Receber a Palavra não significa aprender versículos da Bíblia. E confessar a Palavra com a boca é muito mais do que repetir palavras da Escritura ou credos.

O lugar da Palavra não é em Tábuas de Pedra, mas na Consciência; isto é: no coração!

É somente quando a Palavra se torna consciência em nós, é que se experimenta a solidez da Palavra. Ou seja: quanto menos material for a relação com a Palavra, tanto mais sólida ela se tornará no ser.

A manifestação histórica da Palavra aconteceu mediante a existência de homens que não andavam carregando palavras presas ao livro sagrado. A maioria viveu em dias anteriores à escrita. Outros posteriormente tiveram acesso à Escritura, mas não a carregaram como objeto e nem se jactaram dela como livro.

Estranhamente os anos e eras mais profundos da experiência de Deus aconteceram muito antes do tempo no qual palavras viraram letras e livros disponíveis para serem objeto de exame e exumação.

O lugar da Palavra é o coração, pois é só no coração que a Palavra pode estar.

O código de decifração da Palavra é puro mistério no coração. É o Espírito Santo.

A Palavra não cresce quando muitas pessoas entram para a igreja, mas sim quando ela cresce na consciência das pessoas.

A Palavra não existe para encher a igreja, mas sim a igreja para se encher da Palavra.

Palavra! Que milagre? Não! A Palavra é milagre!

Só conhecemos milagres quando estamos cheios da Palavra. É pela Palavra da fé que milagres acontecem, posto que é pela fé que a Palavra cria o que é necessário à vida como milagre.

Alguns perguntam: Como posso ser cheio da Palavra?

Veja o Evangelho. Sim, digo ‘veja’ porque o Evangelho não tem que ser lido, mas visto.

Quem lê o Evangelho, apenas lê palavras. Quem vê o Evangelho, vê Jesus em palavra, ação, e modo de ser. O Evangelho é a Palavra encarnada. E a Palavra encarnada é Jesus. Ser cheio da Palavra é ser cheio de Jesus. E ser cheio de Jesus é ser cheio da Palavra.

A Palavra é vista com os olhos do coração!

O processo existencial do Evangelho é este: ficar tão cheio da Palavra que nossas palavras sejam vida, vida e vida, para nós e para o mundo.

A Palavra é o que é. Nós somos e estamos sendo por meio dela.

Quem nela crê por ela viverá!


Caio