Com este relado desejo  falar da doença que não escolhe pólos.
Semana passada eu estava no aeroporto  de Brasília tentando voltar para o Rio. Era véspera da Semana Santa. Todos os  políticos estavam voltando para suas casas.
Alguns me fizeram acenos à  distância. Outros sorriram com aquele ar de quem diz “que bom te  ver”. E houve dois que reagiram de modo  “superior”. 
Com a maioria deles eu já tive  “histórias”. Mas com aqueles dois um pouco mais do que o que  é de praxe. 
Ambos são deputados federias e já estão no terceiro ou quarto  mandatos. 
Ambos existem politicamente em pólos extremos: um é de direita  (aquela direita educada e mais charmosa), o outro é de esquerda (aquela esquerda  light, liberal e festiva). 
Duas coisas, no entanto, parecem aproxima-los  muito: são deputados pelo mesmo estado e tem a mesma inclinação sexual.
Não  fora essas duas identificações não daria para entender a tamanha intimidade que  os unia para além das disputas políticas, que são acirradas no palco de suas  representações.
O de direita me adulara muito, durante anos.
O de esquerda  me achava o máximo.
Ambos visitavam-me e, nos tempos da Vinde TV e da Fábrica  de Esperança, sempre pediam a chance de aparecer nos debates—como  centenas de outros!
Agora, voltemos seis meses no tempo.
Eu estava num  hotel em Brasília aguardando um amigo que me levaria para pregar. Os dois passam  por mim no hall do hotel, olham bem para mim, me reconheceram, e viram a cara.  
Estou acostumado a isso desde que era menino. Constatei e não liguei.
Na  mesma ocasião, no dia seguinte, outro encontro e a mesma atitude. Achei  engraçado, enquanto me lembrava de suas não tão distantes adulações e  incensamentos.
Agora, de volta ao aeroporto de Brasília na véspera da Semana  Santa. 
Depois do ocorrido fiquei pensando em como a carne é erva, o povo é  erva, nós somos ervas. Murcha-se a erva, caem as flores. Mergulhei numa reflexão  no livro do Eclesiastes. Tudo é vaidade!
“Reverendo, que alegria em  reve-lo. Como o senhor faz falta”—ouvi uma voz. Era um  senador que já foi mais que senador da Republica e que, politicamente,  considerando o lado em que ele estava no episódio do Dossiê Cayman, deveria  estar me tratando como os outros dois, e que não tiveram nada a ver com  nada.
Os dois viram a atitude de carinho e alegria do senador. Sua esposa  também me tratava com muita alegria. Rememorou todos os encontros que tivemos.  Falou de como apreciava me ouvir.
Os dois se agitaram. Agora queriam se  aproximar. Fizeram de tudo para que nossos olhares de encontrassem outra vez.  Mas também estou acostumado com isso desde menino.
Aproximou-se de mim um  homem de uns quase sessenta anos, alegre e simpático. Falou comigo como se  fossemos amigos. Eu não sabia quem ele era, mas devolvi-lhe a simpatia.
No  avião vi que o deputado de esquerda correu para o “homem  simpático” e o saudou de modo adulativo. 
Sentei na poltrona 13ª.  
O senador assentou-se três fileiras atrás. 
Os dois deputados  posicionaram-se na 14a e 14b. 
O homem simpático, por coincidencia,  assentou-se ao meu lado e foi logo se apresentando. 
É catedrático em Ciência  Politica em Paris. 
Bom papo. 
Falamos do mundo. 
Analisamos o processo  de colombinianização do Rio.
Enveredamos pelo fenômeno neo-pentecostal.  
Ele sugeriu que eu escrevesse um livro sociológico sobre o processo em  curso. 
Saddam, Bush e a ONU estiveram mais que presentes na conversa.
Os  dois deputados se coçavam atrás de nós. 
Pousamos. 
Tentaram se aproximar.  
Simplesmente passei por eles. 
O senador levantou-se e veio se despedir  com muito carinho. 
Desci as escadas com o catedrático. 
“Os  dois” já estavam ao pé da escada, no chão. 
Seguraram o  “cientista” pelo braço, enquanto falavam alto e olhavam  fixamente para mim. 
Abracei o “novo amigo” e parti para  casa.
No ponto do taxi “os dois” ainda tentaram uma  última olhada caçadora. Não passei recibo. Continuei no meu caminho.
E por  que estou contando essa história? Ora, apenas por algumas simples razões:
1.  Ela revela como esse é um mundo de “aparências e  conveniências”. Os bajuladores de ontem viram os indiferentes de hoje,  e, em havendo alguma conveniência imediata, voltam ao mesmo esquema com a  rapidez de um relâmpago. 
2. Ela revela como de onde você às vezes espera  hostilidade, daí mesmo é que pode aparecer a memória de uma trajetória mais  longa, e que não mede você por um episódio. O senador foi o samaritano ao  contrário. Mas o bem foi o mesmo.
3. Decisões feitas baseadas em  conveniências podem trazer auto-revelação. Assim, os deputados se deram a  conhecer. E os senador se mostrou humano e genuíno tendo todas as razões da  conveniência para ter agido de modo diferente.
4. Ela me dá cada vez mais a  dimensão de plasticidade dos vínculos humanos. O que para mim não é nenhuma  surpresa dentro da “igreja”, mas pode ainda me causar  surpresas quando atinge aqueles que não considerando um  “escândalo” nada do que eu fiz—ambos vivem vidas  que me tornam um freqüentador de creche—, mas que são capazes de  expressar melhor do que ninguém o significado do capital que os anima, seja na  direita, seja na esquerda: a imagem!
Como é bom não ter ilusões à esse  respeito!
Caio Fábio 
  
 
								 
								