E O QUE MAIS SENÃO “IGREJA”? (I e II)
—–Original Message—–
From: E O QUE MAIS SENÃO “IGREJA”?
Sent: domingo, 18 de abril de 2004 16:01
To: [email protected]
Subject: e o que mais senão a “igreja”?
Amado irmão Caio Fábio,
Digo amado, porque és mesmo muito amado, seja por mim, por muitos outros, e acima de tudo e todos, pelo nosso Senhor. E digo irmão, pois é o mesmo o nosso Pai. Assim, melhor que chamá-lo pastor ou reverendo, alegro-me em chamá-lo irmão.
Converti-me ao evangelho por volta dos 12 anos de idade, hoje tenho 25 e continuo amando e buscando Jesus. Fui criada ao lado de pessoas maduras que desde cedo me introduziram à literatura cristã onde Tozer e Caio Fábio faziam parte do repertório quase que obrigatório das minhas leituras e estudos. Aprendi a amar mais Jesus e buscar o evangelho puro e simples da Bíblia.
Ao longo dos anos não pude deixar de participar da “igreja”, sempre almejando participar da Igreja… e não pude também deixar de ver coisas que preferia não ter visto e lágrimas que preferia não ter derramado. Nos últimos 10 anos, quanto maior minha aproximação do ministério eclesiástico, maiores também são as dores. E não falo de dificuldades devido a retaliações inimigas, devido a choque de interesses ou coisas parecidas. Isso a gente acaba superando. Por maior que tenha sido meu afastamento em relação a essas coisas, ainda amo o Senhor. Mas não consigo mais acreditar na obra da “igreja”.
Na verdade, o que tem me preocupado mesmo, é minha mãe. Uma grande mulher de Deus que há alguns anos experimentou algo no corpo de Cristo que a marcou para sempre. Desde então ela nunca mais foi a mesma. A mulher que antes era cheia de vida de Deus, passa hoje por alguns poucos períodos de contentamento, seguidos de grande frustração.
Meu pai não se converteu ainda a Cristo. E isso passou a ser o grande “trunfo” de minha mãe para justificar seu afastamento da obra. Um afastamento de alma, não de corpo, pois ela sempre está presente nos cultos e atividades. Mas não se entrega a nada. Teme tudo e todos. Não se compromete. Desculpa-se e esconde-se com medo de uma nova decepção. Meu pai acaba sendo o motivo aceito pela congregação para justificar esse “afastamento”. E todos entendem e respeitam as dificuldades da mulher cujo marido não é crente.
Mas meu pai não a proíbe de nada, não critica, não se opõe. Meu pai nunca havia sido motivo de nenhuma desistência dela antes. Mas agora, é.
O que me parece é que agora ela condicionou todo o resto de sua vida e felicidade à conversão de meu pai. Tudo que ela começa e não consegue terminar, acaba culpando a não conversão dele. Minha mãe atrelou sua saúde espiritual à conversão de meu pai, e isso é recente. Não foi sempre assim. Não sei o que fazer, pois temo ofendê-la ao expor o que penso.
Resumindo: ela não quer mais caminhar em direção a lugar algum.
E me pergunto, por que estou escrevendo isso? Talvez porque eu me identifique com ela. Não atribuo qualquer culpa à não conversão de meu pai…mas ainda assim não quero em comprometer com mais nada. Vendo-a assim, acho que me vejo também, e isso me incomoda. Quero que ela dê as respostas que hoje não sou capaz de dar. Quero que ela produza os frutos que não tenho. Pareço mais mãe do que ela!
Está tudo tão difícil e escuro nos últimos anos. E não vejo perspectivas. Quero ajudá-la, mas não sei como…não sei nem como me ajudar. Eu amo o Senhor, e quero correr após Ele…mas a vida tornou-se enfado e canseira.
Sei que não fui nada clara, mas algum comentário que seja, já ajudaria.
No amor de Cristo, o nosso sustento e sossego.
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Resposta:
Minha amada amiga e irmã em Cristo:
…suba com asas como águas; corra, e não se canse; caminhe, e não se fatigue!
Sei como você se sente, pois já me senti assim. Aliás, foi esse “sentir assim”—como quem malha em ferro frio!—o que me tirou completamente o romance pela instituição “igreja” e seu papel “histórico”; ironicamente quando eu era o “presidente” da Associação Evangélica Brasileira.
Isto porque a gente corre mesmo o risco, por mais experiente que seja, de confundir uma coisa com a outra. E no que tange a Igreja, normalmente, os que a “representam” são justamente aqueles que não fazem parte dela; mas apenas de seu ídolo: a “igreja-fim-em-si-mesma”.
Desse modo, a caricatura da “igreja” anula a visão da Igreja; visto que a primeira é um fenômeno humano, social, político, econômico, e religioso; tendo também visibilidade e endereço. Já a segunda—a Igreja sem aspas—não está disponível as sentidos como manifestação obvia, mas só pode ser discernida como encontro em comunhão humana.
Assim, a “igreja” é vista; mas a Igreja só é percebida se for experimentada como comunhão real, humana, e sincera. E é certo que aquilo que se vê impressiona muito mais do que o que se não vê.
No entanto, minha querida, o reino de Deus não é obvio; pois não vem com visível aparência. Ele está em nós!
Se você desejar ajudar a sua mãe, ajude-se a si mesma; e já.
Os caminhos são muitos. Você terá que encontrar o seu próprio. Aqui, todavia, lhe envio algumas sugestões:
1. Não confunda disponibilidade de “serviço” na “igreja” com trabalho para Deus. Uma coisa não tem necessariamente nada a ver uma com a outra.
2. Vi que você se misturou o tempo todo enquanto “diagnosticava” a sua mãe—ainda que admitindo o fato—; pois, você ilustrou o desencanto de sua mãe justamente com aquilo que deve desencantar mesmo: a falta de vida e comunhão dentro da “igreja”.
3. Portanto, não cobre de sua mãe que goste daquilo que você mesma detesta. O que você tem que fazer é iniciar a sua comunhão, a sua Igreja, e que começa aí onde você está; com sua mãe, seu pai e sua família.
4. A “igreja” precisa se reunir formalmente. A Igreja, no entanto, não. Isto porque a primeira é fixa. Já a segunda é móvel…acontece no caminho. Ora, sabendo disto, comece a se desneurotizar do “culto da igreja” como se fora um “Deus”; e passe a se pacificar em Deus, vivendo o culto racional e pessoal; sempre renovando a sua mente; e sempre se oferecendo a Ele em razão de estar in-ternurada pela Graça que você recebeu.
5. Quando a sua mãe vir seu amor; ela amará também. É interessante, mas os filhos não sabem o quanto eles afetam a vida dos pais, para o bem ou para o mal. Ora, sabendo disso, ajude a sua mãe como amiga em Cristo; não se abra com ela para “analisá-la”—se não, como você mesma disse, você estaria julgando a si mesma!—, mas para ter comunhão com ela. Por que você não canta louvores com ela? Por que não lêem a Palavra juntas? Por que não se tratam como quem tem que edificar uma à outra? Eu e minha mãe às vezes cantamos juntos; e nossa vida em família, quando estamos juntos, sempre me é culto; sempre me é pura manifestação da Igreja.
6. Enquanto isto vá à sua “igreja”. Lá há muito povo da Igreja. Encontre esse povo lá. E mais: abra os olhos, pois Deus também tem muito povo que não está na “igreja”. Ora, se você andar “destraida”, sem um olhar investigativo; mas, ao contrário, desarmado; não tenho dúvida de que você encontrará a Igreja dentro e fora da “igreja”.
7. E, por último, tenha comunhão com quem você tem comunhão. Não dá para falsificar comunhão. Assim, não se culpe por não gostar daquilo com o que você não comunga. Porém, se você se desarmar, encontrará muitos irmãos de verdade, e com eles terá verdadeira comunhão.
Quanto ao mais, lembre: nosso chamado é para ir ao encontro de Jesus fora do portão.
Ou seja: sirva a Jesus fora do arraial; pois é do lado de fora—no mundo—onde Jesus tem que ser encontrado; visto que Hebreus 13 nos diz que nosso “altar está fora dos portões”.
Voltando a mim mesmo, eu lhe diria que tenho todas as razões humanas do céu e da terra para não gostar da “igreja”. Mas por amor à Igreja de Deus, eu continuo a ter disposição de me oferecer à “igreja”, na esperança de que isto seja também culto a Deus.
Quem é mais maduro tem que tolerar as fragilidades dos mais fracos—ainda que os mais “fracos” na Igreja, em geral, na “igreja”, sejam os mais “fortes”; os dominadores de rebanhos; e que dizem se escandalizar de tudo; sem saber que eles mesmos é que são o grande escândalo para as ovelhas.
Quem é da Igreja não se escandaliza de mais nada, pois, nesse Caminho, o que primeiro se aprende é a olhar para dentro de si mesmo. E quem há que posso atirar alguma pedra em alguém se um dia se enxergou? Ou quem se escandalizará de um outro se já percebeu que ele próprio é um escândalo?
Assim, os da Igreja são os que foram salvos pelo escândalo da Cruz; onde o grande escândalo somos todos nós; aqueles por quem Ele deu a vida, num total absurdo, numa decisão inexplicável; e ainda se acrescenta que Ele ficará satisfeito com os frutos dos penosos trabalhos de Sua alma.
O “despojo da Cruz” é a Igreja. E esse despojo é rico para Deus; mas na terra é feito de gente simples; sem nobre nascimento; e que nem sempre são agradáveis aos olhos!
Ande na luz, viva sob o sangue de Jesus, e você não tropeçará nos homens. E mesmo que você venha a tropeçar em alguma coisa, saiba: Nele até as quedas nos remetem para um andar acima; isto se você não procurar cair, mas apenas andar em fé.
Assim, escandalize a “igreja” sendo Igreja no meio dela.
Quem crê, nunca será confundido para sempre!
Nele, em quem somos Igreja de Deus,
Caio
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(SEGUNDA CARTA)
Amado irmão Caio Fábio,
Escrevo para agradecer sua tão pronta resposta à minha recente carta. Não faz idéia de como me ajudou. Cooperou para assentar algumas coisas em meu corãção, que o Senhor já vinha querendo me fazer entender, mas que era tão difícil pra mim. Essa nova visão tem me trazido maior leveza de viver e caminhar. O peso da instituição pode podar muita da alegria de nossa salvação. Aprender a lidar com isso de uma forma equilibrada e verdadeira tem sido uma libertação.
Amar…não poderia ser outro o caminho para chegar até outra pessoa e mesmo até nós mesmo. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”…a verdade liberta.
Li e reli sua carta-resposta algumas dezenas de vezes e tem sido para mim um alento. Deixar de buscar diagnósticos e encontrar o outro na sua essência de ser humano…é o que preciso para minha saúde e saúde de quem amo.
Não poderia deixar de aproveitar a ocasião para dizer o quanto fui edificada com o comportamento do irmão frente à perda recente de seu filho. Lembrei-me dos grandes homens de Deus sobre os quais já li…nenhuma atitude forçada de aceitação do fato…mas a simples e verdadeira compreensão do fim de todas as coisas que vivemos: Cristo. A compreensão de Cristo. Acho que foi isso que me edificou.
Quero seguir esse Jesus, irmão querido. Esse Jesus, que é “o mais fascinante projeto de vida”. Vê-lo assim, real, governando vidas e sentimentos, faz-me desejá-lo ainda mais. É bom ver Cristo em ti.
Obrigada mais uma vez, amado irmão.
Que o Cristo em quem somos a Igreja nos faça sempre voar com asas, como águias…acima das coisas dessa terra e perto dos pensamentos Dele.
No amor de nosso Senhor e Mestre.
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Minha querida,
Nào esqueça que estamos sempre aqui, como irmãos de caminhada; e ajudando-nos uns aos outros.
Nele,
Caio