Hebreu: o chamado de todo aquele que crê
Rm 9
Digo a verdade em Cristo. Não minto. Minha consciência, no Espírito Santo, dá testemunho de que tenho grande tristeza e incessante dor no meu coração. Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne. Eles são israelitas.
Deles vem tanta coisa boa! Deles vem a adoção, a glória, os pactos, a promulgação da lei, o culto e as promessas. De quem são os patriarcas?
De quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente?
_______________________________________________________
A resposta a tudo é um simples: Dos Israelitas, Paulo!
Era isso que ele queria ouvir.
Mas o que espanta é o sentimento dele em relação ao seu povo.
O texto expressa o sentimento de Paulo acerca de sua própria história. Um judeu não pensa da mesma maneira histórica que os brasileiros, por exemplo.
Os brasileiros pensam em si e em sua família imediata; e na melhor das hipóteses pensam na História como aquilo que com eles está acontecendo, ou mesmo em sua geração.
Já os judeus pensam linearmente na História.
Para um judeu o “meu povo” e os meus “compatriotas” ou “parentes”, não era algo que retrava os seus vínculos generacionais imediatos.
Prova disso é que Paulo, ao falar dos Judeus, nos remete direto para os patriarcas, lá atrás no tempo.
Aliás, é somente assim que se pode entender a Paulo, na absurda declaração de ficar “separado de Cristo”, se isso salvasse os judeus.
Deus prometeu a Abraão uma terra; e o enviou para ser um hebreu…
Hebreu é sempre um ser hebreu…
Hebreu vem da raiz semítica da palavra que designa “cruzamento”, “passagem de fronteira’, “travessia”, etc.
Um hebreu é um ser a caminho, desinstalado, livre, andarilho, aberto, circunstancializado em liberdade, adaptado circunstancialmente, sempre em progresso, inacabado, vivendo em estado permanente de acampamento, e almejando uma pátria superior.
Abraão e seus descendentes peregrinaram.
Depois estiveram sob cativeiro, no Egito, por 430 anos.
Peregrinaram pelo deserto 40 anos.
Tomaram a terra de Canaã, mas não completamente.
Os filisteus e C&A os salvaram de acomodarem-se muito antes do que vieram a fazê-lo.
Não tinham reis, mas juízes.
Iniciou-se o processo de des-hebraificação.
Queriam ser “como as outras nações da terra”.
Pediram um rei.
Deus era contra.
Samuel também.
Deus concedeu-lhes o que queriam, mas fez definhar-lhes a alma.
Deu-lhes Saul…
E mais filisteus.
Enviou-lhes Golias.
Davi o vence com uma pedrada.
Davi é ungido e não toma “posse oficial” do função de rei.
E por quê?
Porque Deus queria mostrar que Davi foi maior enquanto fugia, cruzava vaus, dormia em grutas, andava com os amargurados de espírito, transformava bandidos em um exército, alugava serviços para o inimigo, mas não cumpria os tratos; babava como louco, se necessário fosse; comia pães sagrados sem permissão oficial, pois, a vida vinha antes do “oficial”.
Além disso, como hebreu ele praticava suas devoções no caminho; seus altares eram sempre novos—erguidos para o dia; suas esposas tinham que andar com ele; seus filhos nasciam no caminho; seus pais tinham que ser por ele protegidos; seu melhor amigo tinha que ser amado à distancia; sua primeira esposa não o amava mais que aos confortos da corte; nunca tinha trégua quanto a guerrear; e Deus freqüentemente o expunha a perigos, fazendo-o saber muito amiúde o gosto da morte.
Quando Davi assume o reino e vai para Jerusalém, ele começa e decair.
A raiz da palavra hebreu descreve, no texto hebraico, a maior parte das ações de Davi antes de ser definitivamente “empossado” rei—talvez seja: empoçado rei?
Depois de “tomar posse” e se “assentar”, Davi não é mais hebreu…
Volta outra vez a ser hebreu—no texto hebraico—, quando fugia de Absalão, seu filho.
Salomão sucede a Davi.
Constrói o Templo.
A Capital trás a pena capital para os hebreus.
Acomodaram-se.
Havia “paz” por todos os lados.
Honrarias se sucederam.
A sabedoria de Salomão seduzia reis, príncipes e princesas.
Os antes hebreus agora são Israelitas quase judeus.
Deus divide a nação.
Instabilidade…
Conflitos.
Judá cresce.
Israel, que são os demais, enfraquece. Acabam indo para o cativeiro.
Judá resiste.
Sucumbe.
Nabucodonozor os salva de si mesmos.
Ele fora escolhido por Deus para ser “uma navalha alugada”.
Cativeiro de 70 anos.
Ciro os libertou.
Mas trata-se de uma libertação viagiada.
Daí em diante sua auto-determinação nunca mais foi completa.
Sempre existiam em razão de liberdades politicamente negociadas.
Os persas, os gregos, os seleucidas, os ptolomeus, os romanos…
No tempo dos romanos “os judeus” atingiram o auge de glória na era das Liberdades Viagiadas.
Herodes era o mediador daquela aliança maligna com Roma.
O Templo outra vez tinha “Glória”.
Era maior que o Primeiro.
Jesus visita esse Templo Maior.
Diz que não ficará pedra sobre pedra.
O povo a quem havia sido dada uma terra, teria que ter vivido naquela terra sem fazer dela a sua pátria definitiva.
Mas como essa caminhada permanente se lhes tornara insuportável, Deus os faz hebreus à força.
No 70 D.C.
Tito destrói tudo.
Vem a dispersão.
Peregrinam pela terra.
Os judeus terão que aprender a ser hebreus de qualquer modo.
Vão acomodando-se ao poder adquirido pela arte de andar…
O judeu errante…
Continuam judeus, mas já não são hebreus.
Lançam raízes nas terras onde estão.
E ficam.
Então…
Vem o Holocausto!
Seis milhões deles morrem em poucos anos.
Tornam-se o maior espetáculo de terror que a História Moderna tem para contar.
Entram de vez para o cenário arquetípico do Inconsciente Coletivo da Humanidade—secular e religioso.
Retornam a sua terra depois de quase dois anos.
Mas era ainda uma terra como aquela dos dias dos juízes: lá não há filisteus; lá há palestinos.
A palavra palestina vem de filistia; ou philistia; ou philistin; e muitas outras mutações—até chegar a palestina.
Filisteus palestinos!
Outro povo, porém a mesma história arquetípica!
Assim, Israel vive hoje aquilo que viveu nos dias dos juízes.
Israel vai ter que aprender a ser o povo hebreu.
A Carta aos Hebreus chama os Judeus a se tornarem Hebreus em Cristo.
O povo que anda para frente.
Um povo que exista em permanente estado de arrependimento, de metanóia, de transformação da mente, de não conformação com este século.
Mas os Judeus cultuam a sua própria História.
Daí não conseguirem ser hebreus.
Hebreus sabem que foi do passado que saíram; mas não sabem para onde estão indo; mesmo quando possuem terra firme pra pisar.
Se esse espírito se desmancha, acaba-se o hebreu; nasce o judeu.
É assim com todos os que foram chamados a viver nas pisadas de Abraão—que andava pela fé—mas acomodam-se a qualquer chão que não seja o da fé que nos põe a caminho.
Quando Jesus disse Eu Sou o Caminho—Ele também nos chamava para esse existir hebreu.
Estar no Caminho, significa almejar uma pátria, cujo Arquiteto e Edificador é Deus; é saber que lá há muitas moradas; mas não parar jamais pelo caminho; se puser a mão no arado e olhar pra trás, deixa de ser do Caminho.
Ou seja: não é digno do reino de Deus.
O reino de Deus é assim: como a vida de um hebreu. Por isso ele não tem visível aparência.
Tudo aquilo que tem visível aparência acabará matando o espírito hebreu da fé.
Pode ser o Templo Maior.
Pode ser Maior Rei.
Pode ser o Mais Valente.
Pode ser o Mais Sábio.
Pode ser o Mais Seguro.
Pode Ser o Invencível.
Se trouxer a arrogância da Permanência, demole os espírito hebreu.
Por isso, os Judeus estão sob cativeiro até hoje; e só deixarão de estar quando se tornarem outra vez hebreus—ou seja: no coração.
E quando isto acontecer todo Israel será salvo, pois, nesse dia, cairá sobre eles espírito de arrependimento—coisa que acontece com hebreu que esqueceu por um tempo o caminho—; e, então, eles reconhecerão Aquele acerca de quem Abraão “viu os dias, e regozijou-se”: Jesus!
Mas o que a História dos Judeus nos ensina?
Que os judeus são o povo escolhido?
Sim e não!
Os judeus tiveram, têm e terão sempre um papel mais que importante em qualquer história da Humanidade, em todos os tempos.
Mas o Holocausto, por exemplo, nos ensina não tanto sobre os “judeus”, mas sobretudo acerca do que a Humanidade é capaz de fazer.
Portanto, o Holocausto não me inspira a cultuar a história do sofrimento do povo Judeu, mas a enxergar o que os humanos são capazes de fazer Hoje, com qualquer ser humano e tem todos os povos.
Mas e os Judeus, pergunta você, não são especiais?
Como gente entre os humanos, não!
Como nação entre os povos, sim!
Os judeus são os depositários históricos da mais extraordinária experiência de continuidade consciente e andarilha que um povo já experimentou como Própria História na Terra.
Eles são os hebreus que estão aprendendo a ser filhos de Abraão.
E, nós, cristãos, deveríamos aprender com eles.
Os judeus são os nossos mestres, não para o nosso bem se os imitarmos; mas para o nosso total beneficio, se os não imitarmos; e não fizermos da “igreja” uma falsa terra prometida.
Nosso chamado é para sermos Igreja—Os chamados para fora—; e também para reconhecermos, conforme Hebreus 13, que nosso lugar de encontro com Cristo é “Fora do Portão”.
Caio
Escrito em 27/09/03