EU E MINHAS LEIS



Deus deu a Lei a Moisés. Mas todo homem tem suas próprias leis. Paulo diz que a Lei é, em si, boa. Sendo preocupante apenas para os transgressores. No entanto, ele mesmo diz que todos somos transgressores da Lei de Deus, ainda que alguns de nós sejamos irrepreensíveis perante a lei dos homens. As leis do homem são as piores leis, mas são cheias de justiça própria. E aqui não me refiro aos Códigos Penais, mas sim às leis interiores que todos temos. Tais leis se manifestam sob os mantos de afirmações como “eu sou assim”; ou, mais sofisticadamente, “esta é minha constituição”. Assim guerreia o homem contra Deus, e diz que a Lei de Deus é ruim, enquanto pratica suas próprias leis. Deus diz: “Eu sou o Senhor teu Deus…” O homem diz: “Eu existo!” Deus diz: “Não farás para ti imagens de escultura”. O homem diz: “Eu sou a minha imagem!” Deus diz: “Descansa no sétimo dia”. O homem diz: “Meu descanso é meu!” Deus diz: “Não tomes meu nome em vão!” O homem diz: “Meu nome é tudo o que tenho!” Deus diz: “Honra teu pai e mãe!” O homem diz: “Sou honrado!” Deus diz: “Não matarás!” O homem diz: “Pelo meu nome e honra, eu mato!” Deus diz: “Não darás falso testemunho!” O homem diz: “Eu digo o que eu quero!” Deus diz: “Não adulterarás!” O homem diz: “Eu me apaixonei!” Deus diz: “Não cobiçarás!” O homem diz: “Eu tenho o direito de ter!” Sim, no curso de minha existência fui percebendo que as piores leis eram e são as minhas. De súbito, um dia meus olhos se abriram, e eu vi o quão cheio de leis eu era e sou. Só que tais leis minhas, não são leis de vida, mas de morte. Eu as chamo de coragem, de dignidade, de altivez, de honra, de autenticidade, de intrepidez, de transparência, de vergonha na cara, de direitos pessoais, de “sangue nas veias”, de “não tenho sangue de barata”, ou de “sou filho do meu pai”. Ora, é por tais leis que eu já briguei, já ataquei, já encarei, já me fiz homem, já me mostrei macho, já fiz o que quis, já exerci meu direito de ser eu mesmo; sempre provando que existo, mas sempre também trabalhando contra a minha própria vida, no ato de ser fiel às minhas próprias leis. Assim, se ainda não fomos capazes de deixar para trás a Lei de Moisés, a qual já não é Lei para a vida, mas apenas para a morte, para a culpa, e ou para a hipocrisia das aparências — tendo sido abolida como meio e tentativa de salvação, na Cruz —; como seremos capazes de abdicar de nossas próprias leis? Chamamos essas leis de “minha personalidade”, de “meu temperamento”, de “meu jeito de ser”, de “meu caráter”, de “minha verdade”, ou, ainda, de “minhas virtudes”. Porém, todas elas, na maioria das vezes, são apenas as fortalezas de nossa inconversibilidade. Nossas leis, na melhor versão delas, contém sempre o famoso “olho por olho e dente por dente”. É por essa razão que, emocional, psicológica e espiritualmente, estamos quase todos cegos e banguelas. Sim, geralmente são essas nossas leis que nos impedem de experimentar a conversão de nosso ser como transformação cotidiana de nosso entendimento à razão de Deus, que é o Evangelho. “Negar a si mesmo” é abdicar dessas leis. “Tomar a sua cruz” é render-se ao entendimento do Evangelho. E “siga-me” é apenas “siga-me” mesmo. O caminho do discípulo não começa jamais antes dessa persuasão tomar conta de seu coração. Nele, Caio 07/10/04