A concubina de Abraão é quase sempre vista de modo ruim nas Escrituras.
Primeiro porque ela era a “outra”—como se uma escrava tivesse outra opção!
Depois, ela é mal vista por ter gerado os irmãos-inimigos de Israel: os árabes e seus parentes.
E, por último, a pobre mulher é mal vista em razão de Paulo ter usado a “figura” de Hagar, a escrava, a fim de “ilustrar” a diferença entre estar na lei e viver na graça (Gl 4).
Assim, Hagar virou definitivamente a “escrava” que foi a causa de tantos problemas para o santo patriarca Abraão.
Mas foi Sara quem mandou…e Abraão “anuiu” ao conselho da esposa para que “tomasse” Hagar como concubina.
Todos os Abraões do mundo aceitariam.
Qual deles ousaria desobedecer à esposa num pedido desses?
A questão é que Hagar também existiu como ser humano.
E há um caminho de Deus para Hagar como individuo.
Primeiro ela é a escrava.
Ela é quem ela foi designada para ser.
Depois ela foge com o filho.
Hagar não queria mais ser “Hagar”.
Deus a faz voltar e lhe diz que ainda haveria mais uma década para ela ficar na casa de Sara.
Somente depois de muito tempo é que Hagar é expulsa.
Chega a hora de sua libertação.
Ela vai com seu filho.
Abraão sofre a ida do menino, mas, conforme o próprio Deus, o patriarca também sofria por causa de “sua serva”.
A história de “Hagar” não terminou até hoje…basta que se veja televisão ou se leia os jornais.
Sara é a dona da terra, os filhos de Israel que o digam.
Hagar é a escrava, os palestinos que falem a esse respeito.
Mas Hagar sabia que tem direitos, e que ela não foi somente “um rio que passou na vida” de Abraão”…e o seu coração se deixou levar”.
Ela sabia que entre eles havia cumplicidade…nada que Sara pudesse ter evitado de acontecer durante tantos anos de convívio.
Isaque e Ismael continuam lutando pelo direito de primogenitura…
Mas a mulher Hagar parou suas lutas.
A história prosseguiu…e nela Hagar ganhou um papel simbólico ruim.
Mas a mulher Hagar foi tratada por Deus e Seus anjos com todo carinho…assim nos conta o Gêneses.
Acabou que ela chegou escrava e foi embora livre.
A história fez dela uma “escrava”.
Mas na história de Deus com Hagar e de Hagar com Deus…ela se transforma numa mulher livre, com identidade própria e capaz de dar continuidade a sua vida em companhia de seu filho.
Hagar está livre para sempre.
Todas elas!
O estranho ao ler a Bíblia com olhos simples e humanos é perceber que mesmo aqueles aos quais se atribui um papel coadjuvante, todos eles tiveram seu “papel principal” aos olhos de Deus.
Assim, a grande Sara é grande na História…
Mas quem terá sido grande na história humana e particular de Abraão?
O que não pode é haver comparação.
Pobre Sara se se comparar a Hagar.
Nos quesitos direito, legalidade e até beleza, provavelmente ganhasse.
Mas havia “algo” em Hagar para além da possibilidade de gerar filhos…
Abraão que o diga, com o próprio testemunho de Deus sobre a dor que o velho sentiu pela serva que partiu.
Mas e Hagar?
Pobre dela se se compara com Sara.
Certamente morreria na marginalidade conjugal…sendo que ela própria sabia o que a baiana tem…
Assim, num mundo que jaz no maligno…não há histórias que não sejam assim…incompletas…e contraditórias.
Graças a Deus que independentemente dos papeis históricos e simbólicos, Deus trata com indivíduos, aos quais Ele ama—mesmo quando a significação histórico-simbólica daquela pessoa não seja a de nenhuma “estrela” da história bíblica.
Assim, Sara é grande…mas Hagar não é menor.
Cada um é cada um…
Basta a cada qual a sua própria história…em Deus.
Caio