HOMENS COMEM PÃO
“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer; fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto.”
Quando Jesus disse isto, falava de si mesmo, e, provavelmente, também estivesse resistindo a sedução dos gregos, que traziam-lhe agradável proposta de vida longa em Edessa.
Grãos vivos estão mortos. Grãos mortos estão vivos. Pois a morte do grão é não morrer. E a vida do grão é morrer, para poder dá vida. Grão vivo está morto pela improdutividade.
Grão morto está vivo pela frutuosidade. Por isso o grão vivo fica só; visto não gerar de si mesmo nenhuma espiga ou sementes, o que lhe poderia garantir a multiplicação da vida.
A vida do grão não é viver, é dar vida! Em se tratando de “grão de trigo”, o caminho de sua morte põe pão em todas as mesas dos humanos. Jesus disse que Sua “sobrevivência” seria a Sua real morte; e que a Sua morte, seria a verdadeira vida para o mundo.
Ele é o Grão de Trigo que morreu para dar o Pão da Vida a todos nós! Jesus também chamou os seus filhos de “trigo”.
Mas, para nós, a “Parábola do Joio e do Trigo” parece só ter nos deixado com medo do joio, mas sem a alegria de ser trigo. Assim, o “joio” virou neurose, medo, angustia, e “suposto” objeto de perverso julgamento para muitos.
Procurar o joio no chão da terra gera neurose e espírito de juízo para fora, e falta de auto-percepção para dentro.
Já o trigo, em nossa pobre percepção, passou a ser apenas o que a gente pensa que é; mas que a maioria não sabe nem o que seja; e tanto faz, desde que não se seja “joio”–é o que se pensa. Assim é que quase todos querem é “achar o joio”, ao invés de viver a vida do trigo.
Quem vive para não ser joio, nunca morrerá para ser trigo; e, assim, ficará só.
A maior solidão do trigo é não morrer, é tentar sobreviver como grão, e não como espiga e novos grãos. Grãos de trigo que não morrem existem em profunda solidão. Apenas uma semente… Todos as sementes de trigos do campo do mundo precisam morrer para encher o mundo de trigo, e não de joio. É a sobrevivência do trigo, quando foge do rito sacrificial da vida, e também quando se evade de sua vocação para a morte-vida, aquilo que faz o joio crescer tanto.
Assim, pela sobrevivência do trigo, cresce o joio… Mas a morte do grão de trigo enche o chão da vida de trigais, de tal sorte que o joio não acha luz para se manter em seu papel de “imitação da imagem do trigo”, seu disfarce de sobrevivência…
Acerca de meu Luk-Luk eu disse o seguinte, na hora que voltamos do momento de plantar a sua semente morta, no chão da terra: “À semelhança de Sansão, mais foram os seus feitos na morte, do que durante toda a vida. É inegável o que a mão de Deus criou de Graça, encontros, reencontros, reconciliações, pedidos de perdão, confissões de amor, quebrantamento pela vida, avaliação acerca da banalidade de causas que ultimamente separavam amigos, e de amor por ele, Lukas, não apenas por seus pais e irmãos—foi algo absolutamente maravilhoso.”
Os frutos que a morte do “grão-luk” gerou e está gerando são de magnitude inconcebível para todos nós. Eu, de minha parte, assisto perplexo os “muito frutos” que estavam presos em sua semente, agora liberados pela sua “morte”.
Lukas nunca se preocupou com o joio do mundo; ele apenas queria ter existência de trigo. Ele só não sabia que, literalmente, seria a sua morte aquilo que liberaria tanta vida para o chão de “nosso mundo”, tanto familiar, quanto relacional, seja na geografia imediata do “campo onde estamos aqui plantados”, seja em “campos de distantes geografias”, de onde me vêm as notícias do “fruto de amor” que sua morte produziu.
O fato é que o Lukas queria fazer algo grande. Ele só não sabia é que seria tão grande assim. Não é à toa que ele tenha partido para a casa do Pai justamente em frente à padaria onde ele e os irmãos compraram pão milhares de vezes. O nome da padaria é “Grão ao Pão”. Que grande significado! O “grãozinho” virou pão!
Afinal, esta é a viagem…do grão ao pão…e, estranhamente, quis a mão de Deus que fosse ali a “porta de passagem”; talvez para que eu tivesse tantas simbolizações hoje acerca de sua existência, tão adubada por tantas emoções, e tão carregada de vida.
Assim foi…do Grão ao Pão! Aquela esquina virou um lugar sacramental para mim. Nela ofereceu-se santa eucaristia de amor.
Que todos comam desse pão do amor!
Caio
2004