…INFELIZMENTE, FELIZMENTE…

     

—–Original Message—–

From: INFELIZMENTE, FELIZMENTE

To: [email protected]

Sent: terça-feira, 4 de novembro de 2003 21:11

Subject: Me ajude!

 

 

 

Querido Caio Fábio,


 

Nem sei direito por onde começar a te contar a minha história, porém me sinto abençoada por ter encontrado o teu site e conforto nas tuas palavras sábias e cheias de amor. Cresci na fé. Conheci Jesus de verdade.

Quando era bem jovem, na igreja, conheci um rapaz. Me diziam que crente tinha que casar com crente. Nosso namoro avançou. Minha família descobriu e me forçaram a casar. O moço era obcecado por mim.

O casamento foi um desastre.

Literalmente não suportei os abusos e fugi para outra cidade.

Morei com uns amigos cristãos. Acabei me envolvendo em estudos teológicos num seminário.

Lá me puseram a pressão de que eu tinha que voltar e restaurar meu casamento.

Caí nessa. Voltei, e foi muito pior. Entrei em desespero. Acabei indo embora outra vez.

Perdi todos os sonhos de romantismo. Achava que não existia isso.

Então apareceu um homem legal, bom, equilibrado, quase frio, ordeiro — e bem mais velho que eu. Carente, aceitei me casar com ele. Aliás, era o melhor que eu achava que poderia existir.

Mas nunca o amei como homem. Tivemos bons momentos como amigos. Mas alguns anos depois eu já vivia em depressão e no tédio.

Ele era tão frio que até mesmo se eu dissesse que estava envolvida emocionalmente com alguém, ele interpretava isso como “sinal de maturidade” de minha parte.

Pra provocar uma mudança na vida eu procurei outro emprego. Fui trabalhar com um homem muito bom, e que sofria do mesmo mal que eu: um casamento fraterno e sem amor conjugal. Ele tem filhos.

Nós nos envolvemos, e pela primeira vez na vida fiquei sabendo o que era o amor pleno entre um homem e uma mulher.

Então veio a CULPA e a DÓ de meu marido. Ele era um homem bom, e eu não queria machucá-lo. Tentei falar muitas vezes, mas ele parecia não querer ouvir.

Acabou que o homem que eu amo se separou mesmo, e ficou me esperando. Há alguns meses decidi sair de casa e fui morar com ele. Mas não tive coragem de falar ao meu marido a razão. Ele parece não querer saber. Dou todas as “dicas”, mas ele ignora. Também diz que não vai me dar o divórcio. Tive que recorrer a um advogado.

De outro lado, a “ex” de meu atual companheiro e meu amor está sendo uma bruxa pra ele. Tenta manipulá-lo. Usa os filhos. Faz todos os jogos.

Assim, nós temos brigado e tido muito ciúmes.

Ele me ama. Posso sentir. E eu o amo loucamente. Mas estou insegura e com medo de prejudicar nosso futuro.

Achei seu site na hora em que estava mais necessitada e aflita. Tenho encontrado alívio aqui.

Mas me ajude, se puder.

Não sei como fazer.

Não quero perdê-lo e nem quero machucar ninguém.

Eu sei que encontrei o homem que amo e que me ama. Não posso deixar que as circunstâncias nos prejudiquem.

Mas sinto tanto que as coisas tenham sido assim. Não quero fazer ninguém infeliz pra eu poder ser feliz.

 

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Resposta:



Minha querida amiga: Graça e Paz!


 

Ninguém, em sã consciência, e que não esteja entupido pelo legalismo, poderia dizer a você — depois de ler não apenas a sua história, mas as suas emoções expressas com tanta clareza — nada que não seja apenas e tão-somente um sonoro e esperançoso “SEJA FELIZ, E QUE DEUS GUARDE E ABENÇOE VOCÊ!

O que dizer, minha irmã?

A vida, infelizmente, nem sempre é feliz.

Nem sempre é possível ver todos aqueles que nós amamos sendo felizes com a nossa felicidade.

Existir é muito perverso!

Somente a Graça de Deus pode nos encaminhar numa trilha de boa consciência e paz quando nosso passado já teve outras marcas.

Muitas vezes conhece-se a felicidade cedo na vida, e tem-se a chance de prová-la como bem para nós mesmos e para aqueles que conosco convivem.

Quando se trata do coração, trata-se de um chão movediço, enganoso, enganado, impressionável, oprimível e manipulável.

Fico feliz, de todo o meu coração, quando vejo um casal bem jovem se encontrar em amor, com liberdade para escolher, sem pressa e sem opressão; sim, se querem mesmo um ao outro.

E, uma vez decidindo que sim, poderem experimentar, de fato, uma boa, gostosa e harmoniosa vida na qual haja de tudo: da mais inebriante paixão ao amor amigo, solidário e parceiro. Sempre que vejo isso acontecendo, digo “Aleluia!”

Infelizmente, muitas vezes, não é assim. E na minha experiência, vi muito poucas vezes pessoas se casando com a vontade de que não desse certo.

Vi, sim, muita gente vendo logo que não dava certo, mas continuando assim mesmo; indo sempre de filho em filho; de casa em casa; de conquista profissional em conquista profissional; de elevações na hierarquia da igreja a exaltações cada vez maiores; mas sem se amarem como homem e mulher.

O que está feito está feito.

E graças a Jesus e à Sua Cruz, também já está Consumado!

Agora é não deixar que aquilo que parece ser se perca dentro do redemoinho das forças antagônicas pelas quais um casal como você e seu companheiro estão atravessando.

Tudo é perverso, mesmo quando está fazendo bem.

É como na guerra. Há um lado que orou e venceu. E um outro lado que orou, mas perdeu.

Neste mundo caído ninguém consegue a fórmula da realização da felicidade de todos aqueles que nos amam e aos quais amamos. Até porque o amor tem qualidades diferentes, mas conjugalmente só dá certo se qualidades afins se ajuntarem para realizar desejos, expectativas e esperanças; muitas deles até inconscientes.

Afinal, quem pode explicar as químicas que fazem tais combustões acontecerem?

Se vocês não quiserem se perder — e vocês correm seriamente o risco —, é hora de pararem com algumas coisas.

1. O seqüestro da culpa: gente boa, numa hora dessas, tende a amarrar-se à culpa a fim de provar a si mesma que não é cínica e indiferente. Então, sem querer, cria um clima de culpa tão grande que o outro — ou mesmo ambos, ao olharem um para outro — passem a ver apenas o reflexo da tragédia que um “fez” o outro viver.

2. Ficar refém dos caprichos dos “ex”: os “ex” têm um poder extraordinário sobre o ex-cônjuge gente boa.

Numa separação como a sua, todos sofrem. Mas aquele que “deixa”, e que o faz amando sem amor erótico, porém com amor fraternal, tende a se deixar manipular pelos sofrimentos daquele que “ficou” ou foi “deixado”. E os esquemas de manipulação são muito fortes. Às vezes até inconscientes, porém não menos objetivamente ex-cruciantes.

3. O clima de insegurança: com dois sofrendo de culpa e expressando tristeza pelas tristezas causadas, o que se instala é a nostalgia.

Depois vem a projeção de culpa um no outro.

Em seguida vem a mudança natural de comportamento — e até algumas mágoas.

Então, começam a crescer os ciúmes, fruto da insegurança que foi gestada no útero desse casamento sendo erguido sobre uma terra que treme.

4. Filhos podem ser habilmente usados pela parte deixada. Às vezes, nem tanto pela certeza de que de fato perdeu, mas pela necessidade inconsciente de fazer um acerto moral de contas.

É tudo muito ambíguo. Os pobres filhos sofrem no meio, sem saber como se posicionar.

Mas será inevitável, depois de um tempo, que uma das partes — sempre a deixada — consiga “vencer a batalha”. Esse ponto é crucial. É justamente aí que o vínculo pode se dissolver. Especialmente se a “parte nova” na relação entrar de qualquer forma na pendenga.

Se vocês quiserem ter a chance verdadeira de serem bem-sucedidos, então se protejam.

Sem que haja um escudo cobrindo vocês, e sem que vocês se protejam um ao outro — inclusive poupando um ao outro quanto aos “ataques e acusações” que cada um recebe de seu lado — fica impossível o convívio.

Assim, duas pessoas que se amam e se querem, podem, circunstancialmente, não conseguirem ficar juntas — até porque nessas horas a alma quer “criar as circunstâncias ideais” para que a vida retome seu curso como se nada tivesse acontecido.

Mas como algo aconteceu, e foi forte e importante, não dá para se conseguir estabelecer as devidas acomodações com rapidez.

Então o coração pode perder a calma, dar o caso como perdido, cansar da dor, e se desesperar… Vindo, depois disso, a inviabilização daquilo que tinha, em si mesmo, tudo para dar certo, mas que não sobreviveu à avalanche das circunstâncias.

Numa hora como essa, as orações são por todos e para todos.

Não há divórcios felizes e nem novas uniões fáceis se se deixou para trás, chorando, gente a quem se ama e quer bem… Sim, gemendo e triste — ainda que muitas vezes essa dor se misture com vingança e até maldade.

Receba minhas orações por todos.

Tenha calma.

Busque Graça, Sabedoria, Misericórdia, Paciência e Bondade.

E faça isto tudo sem deixar Eros morrer de inanição ou de cansaço de tanto esperar as lamúrias passarem.

Mais importante que os documentos, agora, são os papéis que vocês dois vão assumir um para o outro, e na história como um todo.

Um beijão,

 

 

 

 

 

Nele,


 

Caio

 

Novembro de 2003

 

Copacabana

 

RJ