—– Original Message —–
From: KARL BARTH, RICHARD SHAULL, RUBEN ALVES, NIETZSCHE E VOCÊ!
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Sent: Monday, November 07, 2005 11:54 AM
Subject: Questões
Querido Pastor Caio!
Creio, como escreveu Karl Barth, que haveria de existir um profeta ,”Nabi”- em hebraico (boca-de-Deus), em cada época, para gritar, proclamar e contextualizar as Escrituras conforme o seu tempo. Segundo Barth, o homem de Deus seria aquele que numa das mãos traria as Escrituras Sagradas, e na outra, os jornais do dia.
Honestamente, tenho enxergado em você, um desses homens, que traduzem o Evangelho para o nosso tempo.
Gostaria de lhe perguntar três coisas:
1. Posto que a Bíblia é um livro, inspirado por Deus, porém um livro, seria a seu ver, correto chamá-la de “a Palavra de Deus”, visto que a Palavra de Deus é Jesus Cristo, o Logos de Deus, o Verbo Encarnado. Não seria mais correto dizer que ela não é a Palavra, porém que ela contém a Palavra?
2.Você conhece alguma coisa a respeito de Richard Shaull, o missionário e professor norte-americano que esteve entre nós nos anos 50 e 60? Deve ter ouvido falar de sua forma diferente de despertar as consciências dos seminaristas daquela época. Sobre ele, escreveu Rubem Alves :”estava à frente de sua época, adiantou-se espantosamente e foi para muitos de nós o” profeta-vidente” de uma época riquíssima que ele enriqueceu mais ainda”.
Certamente os tempos mudaram, mas vejo muita coisa em comum entre o pensamento do Shaull e o seu. O que acha?
3. Rubem Alves foi um de seus discípulos, depois pastor, poeta, escritor, educador, e hoje também psicanalista. Já li quase todos os seus livros. Amo a simplicidade genial como coloca a vida diante da própria vida. Alves não se diz mais cristão, não escreve mais nada a respeito do Evangelho, e não fala mais de Cristo, pelo menos em seus livros. Como você vê a sua posição?
Sei que Rubem Alves admira muito Nieztche, que é considerado um filósofo existencialista não-cristão, porém, e apesar disto, há nele a capacidade de distinção da crítica de Nieztche ao cristianismo em relação a Pessoa do próprio Cristo.
Se puder me responder fico muito agradecida,
Em Jesus, a idéia de Deus encarnada
Jacira Mavignier
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Resposta:
Minha querida Jacira: Graça e Paz!
Obrigado pelo seu carinho. Ainda que objetivamente você me veja para além do que sei que sou. Para a Psicanálise sou apenas um homem surtado pela idéia de que foi visitado por Jesus, vivendo da tresloucada certeza de que “Cristo vive em mim”.
Respondendo suas perguntas, digo o seguinte:
1. Sobre Barth e o Conceito de Palavra de Deus: Sim, eu creio que se Deus está em Cristo, e que se Cristo é o Verbo, a Palavra Eterna, Encarnada entre nós, só Existe um Foco Real e Absoluto da Palavra, que é Jesus; Ele, que é o Evangelho, a Boa Nova de Hoje, de Amanhã e de qualquer Sempre ou Eterno. Mas acho que a questão dos anos 30 a 50, ecoando nos anos 60 — foi mal posta; e posta num contexto ruim. Foi mal posta porque partia de uma lógica teológica, e não da própria simplicidade da revelação, e de sua consumação e plenificação em Jesus, o Cristo; assim como também em Cristo Jesus; ou no Cristo Eterno — todas essas coisas apenas ampliações na percepção apostólica, expressas gradualmente no N. Tesmento. Além disso, era também um tempo de muita arrogância intelectual; na realidade um tempo de muita descrença “teológica”; sim uma época sem fé, sem milagre ou sem expectativa da ação de Deus para o indivíduo — tudo já fruto das produções amargas das Guerras. Assim, ao contrário de serem propositivos, Barth seus discípulos, gastaram muito tempo num esforço intelectual de demonstração da tese, e não do fato simples. Assim, primeiro tiveram que dizer que a “Bíblia não era, mas continha a Palavra de Deus”; ao invés de simplesmente dizerem que Jesus era o cumprimento de todas as Escrituras, e mais do que delas, pois, Ele mesmo era a Encarnação do Verbo Eterno, o qual é maior do que qualquer Escritura. Ora, mas alguém diria: De onde você soube e sabe de Jesus se não das Escrituras? É verdade que eu só soube de Jesus pelas Escrituras, especialmente as do Novo Testamento. No entanto, uma vez que pelas Escrituras soube de Jesus, a revelação de Jesus nos Evangelhos, e nas Cartas Apostólicas, cresceu ante os meus sentidos, e de tal modo, que logo, inexplicavelmente, eu era parte do Evangelho; e já não me sentia como um estrangeiro, que, pelo conhecimento, desejava saber “como era”; porém, muito diferentemente disso, eu me sentia presente, tomando parte, andando com Jesus fora da Bíblia, na rua, onde eu ia; e isso de tal modo que a Palavra de Deus passou a ser o Caminho com Deus, conforme a consciência do Evangelho; e mais que isto: a vivencia de Cristo em mim e eu Nele. Desse modo, só há Palavra de Deus realmente em operação para o homem quando a Palavra se torna viva em sua relação pessoal conosco em Cristo. Portanto, antes de dizer que a Bíblia não é a Palavra de Deus (pois foi por meio dela que eu soube de Jesus, a Palavra Eterna), é muito mais próprio afirmar que Jesus é a Palavra de Deus, e que a Bíblia é o texto que nos dá acesso inicial a uma informação que somente será verdade para nós se for experimentada existencialmente; ou seja: no Espírito Santo; na existencialidade; no íntimo; no ambiente do coração; mediante a fé e a confiança. E mais: que tal percepção faz de Jesus a “Chave Interpretativa” de toda a Escritura; pois, segundo Hebreus, em Cristo, muita coisa da própria Escritura caiu em obsolescência.
2. Sobre Richard Shaull, tive muitos amigos que foram alunos dele; e eu mesmo estive com ele, numa de suas últimas vindas ao Brasil; num encontro no qual falei também. Dele ouvi mais histórias de seminário; e li um ou dois de seus livros; especialmente relacionados aos movimentos sociais de libertação. As histórias que ouvi acerca dele eram quase sempre em relação a ele ter tido uma posição político-teológico de esquerda antes, durante e depois do golpe militar. Para a maior parte dos alunos dele, a sensação que me dá, é a de que o “frizaram” aí nesse tempo da vida dele. E eu não creio que ele tenha ficado “parado” aí nesse formol. Mas se em relação a ele tenho alguma semelhança, saiba: deve ser mera coincidência.
3. O que penso de Ruben Alves? Ora, ele é de uma geração ou duas antes da minha. Sei dele por livros, especialmente os que li no fim da década de 70 e até o meio da década de 80; e também por amigos comuns; pessoas que foram ao seminário com ele; que foram ou ainda são amigas dele; e, também, sei dele por um artigo ou outro dele que me enviam. Portanto, fora os 5 ou 6 livros dele que li no período acima referido, e tudo o mais que mencionei (que é pouco), não sei muita coisa do Ruben. Assim, não conheço o Ruben, mas apenas a sua “persona”. O que penso dessa “persona” que tem cara pública? Pois é somente da “persona” que posso falar! — Se o Ruben fosse um agnóstico que escrevesse artigos no Jornal e fosse também poeta, pedagogo e psicanalista, sinceramente eu acharia o Ruben o máximo. O problema para mim é que não consigo transferir toda essa alegria para um homem que teve toda a chance humana, intelectual, espiritual, relacional, e experiencial de sorver o Evangelho, mas que, ao contrário disso, mostrou não ter provado nada disso para si mesmo, tendo deixado que a “decepção religiosa” o afastasse de qualquer paixão explicita por Jesus e pelo Evangelho! Esta é minha tristeza! Sim, porque se ele fosse apenas um “articulista, poeta, pedagogo e psicanalista”, porém agnóstico por natureza, tudo o que ele dissesse (conforme o Ruben diz), seria um progresso imenso de percepção; e isto conforme a Ordem de Melquizedeque (fora das fronteiras da religião). Mas como o homem é o Ruben, então, para mim, sem juízo a ele, mas vejo tudo como um grande e tolo retrocesso, e incompreensível para alguém que “provou Deus em Cristo”; como gostaria que tivesse acontecido ao Ruben. A menos que ele nunca tenha provado nada disso; tendo ficado, de Deus em sua vida apenas a “saudade”. Quanto à Nieztche, aqui mesmo no site, tanto em Cartas como também em Reflexões, você verá todo meu carinho pela alma, pela psique, e pelo homem alucinado, que era Nieztche; enquanto também verá que olho para ele, como filósofo, com profundo senso crítico; e não é pelo que ele diz acerca do “Cristianismo” (acerca do que ele está quase sempre certo), mas sim em relação à sua doença feita filosofia.
Enfim, o que penso é que qualquer semelhança que você veja entre eu e algumas dessas pessoas — deve ter mais a ver com ecos do passado do que com a realidade. Isto porque eles criam e crêem em coisas nas quais nunca cri; assim como eles não crêem em coisas que habitam a essência de minha razão de ser.
Quanto ao Ruben, meu lamento é que a força perversa da Religião tenha tido, aparentemente, mais força na alma dele do que a alegria do Evangelho. Daí a minha suspeita de que a experiência dele foi mais com a religião do que com aquela “pata do amor de Deus”; e que é segundo a fé; pois, como já disse, acho impossível alguém ser “rasgado” pelo amor de Deus e conseguir ficar em silencio acerca de Jesus e do Evangelho para o resto da vida. Do contrário, estaríamos juntos pregando o Evangelho de Jesus.
Receba todo meu carinho!
Nele, que uma vez Discernido por nós pela fé, nos cativa em amor declarado para sempre,
Caio