MAIS UMA TENTAÇÃO DE CRISTO

João 12 A ressurreição de Lázaro, aquele que fora tirado da sepultura depois de apodrecido, se tornara um fato irretorquível. Então os fariseus disseram entre si: “Vejam o proveito que nos dá a vida deste homem! Sim, de nada ele nos aproveita, visto que o mundo inteiro vai após ele!” Acontecia uma festa na cidade de Jerusalém. Ora, entre os que tinham subido a adorar na festa havia alguns gregos. Eles estavam observando tudo e de tudo se inteirando. Identificaram quem era quem. Então, dirigiram-se a Felipe, que era de Betsaida da Galiléia, e pediram-lhe a chance de terem uma entrevista com Jesus. De fato, disseram: “Senhor Felipe, nós muito gostaríamos de conversar com Jesus.” Ora, Felipe chamou a André e contou a ele; e então ambos foram juntos falar com Jesus a fim de pedirem essa audiência para os gregos. André e Felipe foram dizer isto a Jesus com a alegria de discípulos que vêem o seu Mestre sendo objeto do interesse dos seres humanos mais refinados da terra. Os gregos eram o “mundo” que dava cultura até mesmo aos dominadores da terra, os Romanos. Jesus ouviu a notícia. Dizem que era uma proposta para que Ele se mudasse para Edessa, na Grécia Cultural; pois lá as mentes eram abertas, e Ele teria a chance de espalhar a Sua mensagem por toda a terra; sem as hostilidades e invejas que sofria entre os judeus religiosos. Além disso, ninguém deve esquecer que os próprios líderes religiosos reconheciam que a ressurreição de Lázaro era inequívoca, e que o mundo inteiro estava vindo “após Ele”. A decisão, portanto, já estava tomada: matá-Lo era a saída. Até os passarinhos de Jerusalém sentiam tal vibração. De outro lado, a visita dos gregos significava que o Caminho para a Glória dos Homens estava aberto. Jesus não havia transformado pedras em pães, nem pulado do pináculo do templo, e nem adorado ao diabo a fim de herdar o mundo. Era o mundo que vinha após Ele! O caminho estava aberto pelas vias legitimas. Todo o mundo ouviria a Sua Palavra, e não haveria a Cruz. Aqui estava a maior tentação! Eis o dilema: entrar para a História como o mais maravilhoso de todos os humanos já existentes, ou morrer na Cruz, e dar muito fruto, porém, sem vida física na História. Era a maior tentação porque significava que o Seu fascínio poderia seduzir toda a Terra, sem sangue, sem morte, e sem Cruz. Por outro lado, seria o Cordeiro imolado na Eternidade se negando a morrer no Tempo. Seria a vitória definitiva do Tempo sobre a Eternidade; e, por conseguinte, seria a vitória da morte como selo de todas as existências. O mundo seria ganho na mesma medida em que a eternidade acabaria. Posto assim, parece impossível ter sido, de fato, uma tentação; afinal, quem trocaria a eternidade pelo tempo? Ora, todos nós trocamos, de muitos modos e de muitas maneiras; e o fazemos todos os dias. Nossa maneira de viver privilegia o Tempo todo o tempo… O tempo é eternamente privilegiado por nós, contra nós mesmos; e como fuga da eternidade. Portanto, não era “tentação”, era pior que isto; era “pulsão essencial-instintual”; era puro e justo instinto de sobrevivência; ou seja: um inalienável direito de todo ser humano. Seria sadio e humano aceitar a oferta dos gregos. Desumano era ficar, e ter que enfrentar as hienas comedoras de corpos de profetas. A tentação aqui se “posiciona” entre o instinto mais essencial presente no tempo, a vida; e o mais elevado e distante nível de percepção da vida: a consciência. É na consciência que a voz da eternidade se faz ouvir e se faz presente. Ou, no “coração”, se preferirem o termo. E será que porventura em Jesus tais “termos-de-relação-existencial-psicológicos” não estavam completamente harmonizados, visto não ter Ele a psicose básica, a rachadura essencial, o pecado, o fosso mais fundo que possa existir? Aqui há puro mistério, pois Aquele que não teve pecado, Deus o fez pecado por nós. Mas Ele mesmo não pecou, enquanto experimentou todas as nossas tentações; porém, sem pecado. Ou seja, a formulação acima é mais irreconciliável que qualquer lógica filosófica ou psicológica possa conceber como irreconciliável. De fato, éloucura para gregos e escândalo para os judeus. Quando me perguntam como é isto, eu respondo com uma das “pérolas” da fala de um nordestino tentando explicar o impossível: “Eu num sei cumé qui foi num sinhô; mas só sei que foi assim”. A fala do nordestino contador de histórias é minha melhor e mais inteligente resposta “teológica” aos mistérios nos quais creio. O fato é um só: foi assim o existir terreno de Jesus; e foi assim com todas as implicações do sentido de sobrevivência e de liberdade. Prova disso é que na hora de decidir acerca da proposta sua alma mergulhou em “angustia”. A Cruz tinha que vencer o Mundo! A Cruz tinha que vencer o Tempo! A Cruz tinha que vencer o direito à Sobrevivência! A Cruz tinha que vencer a Razão! A Cruz tinha que vencer a Glória do Homem! A Cruz tinha que ser a Glória de Deus! Por esta razão, respondeu-lhes Jesus: “É chegada a hora de ser glorificado o Filho do homem.” A Glória do Filho do Homem era dizer Não à glória do mundo, por amor ao sacrifício do Cordeiro pela criação, antes de haver Tempo. Somente aqui neste ponto a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal poderia ser, enfim, derrotada como sedução essencial. Morreriam aqui a Razão e Lógica como deusas da salvação da vida; a vida longa deixaria de ser a grande recompensa na Terra como galardão. Aceitar aquele convite, significaria que Aquele que viera nos salvar, havia Ele mesmo estendido a mão não só à Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, como escolha fruto da sedução; mas pior que isto: significava comer também do fruto da Árvore da Vida, e congelar o Universo inteiro no ciclo interminável morte da morte. Jesus decidiu pelo curso da vida. Por isto, Ele disse: “Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á; e quem neste mundo deia a sua vida, guarda-la-á para a vida eterna.” Coisa estranha. O amor à vida nos manda fazer o impensável: morrer; e mais: nos manda odiar a vida neste mundo. Como? Quem assim procede está louco! O fato é que é assim que é. E sabe por que? Eu não sei! Apenas desconfio que seja porque o caminho para a vida é Graça, e a Graça é favor imerecido; e não há maior Graça que dar-se pela vida de outros; especialmente quando o objeto da entrega é um inimigo. Ora, sendo assim, como o próprio ato de Criar foi Graça–o Cordeiro foi imolado antes da criança acontecer–, o ato se dar pela criação, é Graça; e Graça seria também o ato de frutificar…conforme a semente, que morta, dá muito fruto. Afinal, é dando que se recebe. De tal modo que até para Deus, feito homem, a fim de vencer a morte, à semelhança do grão, Ele teria que morrer… Assim, a morte haveriia de ter tragada pela vida, e seria obrigada a “dar” de volta à vida Aquele que ela achava que havia tragado para sempre. Aqui é torcido o braço da morte, e ela abre suas mãos e suas as garras, e Ele sai livre e vitorioso, e sem usar de nenhum expediente, senão da própria lei essencial da vida, que é dar-se, como a semente. A morte estava tão inocente quanto a baleia que engoliu Jonas! O caminho da Graça só sabe voltar para ele mesmo. Assim, é dando que se recebe… O grão de trigo tem que morrer a fim de poder dar muito fruto…e assim vai…de dar em dar…dando para sempre…sempre recebendo…e sempre voltando dar-receber-receber-dar… O nome disto é Vida! Ora, o que Ele fez por nós, nos é dito que deve ser um princípio para nós também, para todos aqueles que têm convicção de serem sementes de trigo plantadas por Deus no chão do mundo. Ele disse: “Se alguém me quiser servir, siga-me; e onde eu estiver, ali estará também o meu servo; se alguém me servir, o Pai o honrará.” Para Jesus essa de-cisão implicou em Angustia de alma. O ser se contorce todo para conseguir se dar. É pela morte que se chega a vida. O problema é que ninguém quer morrer… O caminho para a solidão é a auto-preservação egoísta. Se o grão não morrer…fica só. Esse morrer também é motivado por odiar a vida neste mundo. O que é isto? Ora, esta é uma afirmação estranha na boca de quem iniciou o ministério num casamento, transformando água em vinho; e sendo freqüente em jantares, banquetes, e fazendo amigos entre gente festeira. Além disso, não combina também com a ênfase Dele no festejar… Para Ele até os anjos dançam quando alguém ganha consciência na terra. Ora, sendo Ele como era, como pode Ele nos mandar odiar a nossa vida neste mundo? Logo Ele? Sim, não é Ele aquele que mandou olhar lírios, observar a chegada das estações, aprender a ler as pinturas profético-meteriológicas nas nuvens, ou pelo calor do dia? e não foi Ele quem sempre que quis falar do propósito maior de Deus para com os homens, ilustrou tal certeza com metáforas relacionadas a banquetes, mesas fartas, galardões, bodas e lua de mel? Não é Ele também Aquele que abraçava crianças e as ouvia? E também quem dizia que des bocas infatis procedia o perfeito louvor? Sim! como poderia Ele nos mandar odiar a nossa vida neste mundo, se Ele celebrou a vida no mundo? Não! Ele não manda o odiar a Vida. Ele manda odiar a “nossa vida neste mundo”. E com isto ele se refere apenas a carregar em si a fome e sede de justiça, o espírito de pacificação, a capacidade de manter posições de justiça, de chorar, de limpar o coração, e ser humilde—pois esta foi a vida dos inconformados que “odiaram as suas vidas neste mundo”, os profetas. O odiar a “nossa vida neste mundo” é não aceitar o curso deste mundo como Destino. Significa manter a mente em estado de inconformação para com a tirania estabelecida como lei e ordem. Significa discernir que há um espírito de engano e escravidão nos dizendo que vida é aquilo que Deus chama morte. Este é o “bom-ódio”; a mais absoluta inconformação, e o imorredouro compromisso com o sonho, e com o ideal de Deus; isto sem amargura. Mas assim como foi para Jesus, tal decisão é pura angustia para nós também. Pegar “sementes” de amor, vida, desejos, vontades, “direitos”, “certezas”, morais, seguranças, preconceitos; e toda sorte de “semens” existentes em nossas almas, e jogá-los ao pó da terra, ao caminho, ao “acaso”, abrindo mão…é tarefa suicida para a razão da sobrevivência. Mas é por tal tarefa em fé—fé Naquele que dá vida a semente—, é que se entra na vida verdadeira; e, assim, dá-se assim muito fruto. Esta hora é para ser vivida com humanidade e sinceridade. Por isto, Jesus disse: “Agora está angustiada a minha alma; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas para isto vim ao mundo; vim para esta hora! Eis o que digo: Pai, glorifica o teu nome!” Então veio do céu esta voz: “Já o tenho glorificado, e ainda mais o glorificarei.” Não é preciso dizer que se Ele nos chama também para deixarmos nossas sementes morrerem é porque Ele nos chama para a mais inconcebível frutuosidade também. Mas só o trigo tem essa coragem…de morrer; visto que somente a loucura da fé nos faz ver que a vida está na morte da semente. Caio