MEU GRANDE PRAZER DE APENAS CONFIAR

 

 

 

 

MEU GRANDE PRAZER DE APENAS CONFIAR

 

 

 

Leia o texto a seguir. Ele foi escrito 5 dias antes de meu filho Lukas partir deste mundo. Dia 27 de março de 2004, menos de uma semana depois, eu olharia para o escrito a seguir, e pensaria:

 

Meu Deus! E eu que pensava que pensava! E eu que pensava que sabia! E eu que pensava que sofrera! E eu que pensara que entendera!”

 

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Hoje eu tenho menos do que jamais tive como homem adulto, e mais do que jamais tive enquanto era homem muito ouvido e percebido. Não tenho muito do que se pode ter… Tenho muito do que posso ser… Mas ainda estou longe… Ah! Eu sei que ainda estou longe…

 

Entretanto, já vi muitos mundos… Conheci milhares de pessoas… Fui conhecido por milhões… Senti muitos sentimentos… Mais do que se imagina.

 

Já senti como é morrer de várias formas: morte súbita, morte consciente, morte inconsciente, morte lenta, morte viva.

 

Já me vi visto com faces que não eram eu. Já vi reverências se tornarem indiferenças, e admiração se converter em raiva.

 

Já vi muitos ódios converterem-se em amor, e muitos confessados amores, em ódio.

 

Já vi muitas coisas nascerem. Já dei a luz de muitas formas, tanto de parto normal, como de cesariana ou por trauma.

 

Já construí e já derrubei. Já subi aos Pináculos, e de lá pulei. Já fui visitado por muitas emoções. Todas avassaladoras.

 

Isto desde o tempo em que eu “soltava papagaio” o dia inteiro, com a linha na mão, o olho na pipa e no sol — isso enquanto “chamava o vento” com assobios.

 

Conheço lugares onde não se consegue respirar; e palácios onde se respira o ar das artes e da graça estética de todas as coisas… Sem falar nos cheiros dos jardins e no vigor intenso dos aromas da floresta.

 

Minha existência tem sido intensa e farta. Preços altos têm sido pagos. Culpa. Dores. Angustias. Tristezas. Raiva. Perplexidade. Amor entendido por uns e não entendido por outros. Juízos. Condenações.

 

Muita coisa.

 

Todo tipo de sentimentos… Com muita intensidade… Porém, eles sempre vão… Sem deixar rastros de amargura ou ódio. Só fica o que é bom.

 

Fui muito mimado a vida toda. Mimado até quando era exposto a desafios sempre maiores que minha realidade, pois, papai só me deixava brigar com gente maior do que eu.

 

E ele assistia a tudo. E me fazia sentir vencedor mesmo quando eu perdia. E sempre me provava que eu podia me superar; assim como ele, que sempre tendo andado de muletas, nunca me deixou sentir tal “presença de madeira” como deficiência, mas sempre como um “instrumento a mais”.

 

Papai me ensinou a ver como a fraqueza pode ser cheia de poder.

 

Fui mimado por milhões também. Todos sabem. Todos lembram.

 

Mas Deus tinha outros planos.

 

Salvou-me de mimos e me mergulhou na experiência de Seu amor; isto com muita dor.

 

Hoje eu estou aqui. Venho de uma longa jornada, e continuo no caminho no qual o Caminho me leva. Carrego comigo a alegria da Boa Nova, e celebro a cada dia mais a liberdade que tenho em Cristo, deixando-me ficar cada vez mais à vontade com meu próprio ser.

 

Já houve tempo em que eu sentia Deus dentro, mas, o via acima de minha cabeça. Já vi Deus de muitos modos. Mas hoje eu o vejo não dentro, nem acima, nem fora…

 

Simplesmente é. A fé explica em mistério. O coração sabe. Os olhos vêem o invisível. Ninguém vê. Mas você está habitado por um tesouro. Você vê o invisível. Você vê sem medo. Você se sabe amado.

 

Os vasos de barro salvam o tesouro de saques… A aparência do vaso é desprezada. Assim mesmo, não daria pra ser visto de qualquer forma!

 

Não dá pra explicar. Mas é a confiança em Cristo e em Sua Graça radical, o que mergulha você nessa…

 

Não dá pra contar… Excede a todo entendimento.

 

Só sei uma coisa: muito pouco é necessário (e olhe que eu ainda vivo em luxúria, se comparado com o que sei poder ainda ser simplificado em minha vida).

 

 

 

Caio

 

 

ESCRITO EM 22/03/2004

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Continuando:

 

 

De fato, apesar de muitas coisas que eu sabia precisam de uma mexida de Deus em minha vida, como meus vínculos não resolvidos com dores do passado e com algumas amarguras, os quais, veladamente se manifestavam em mim auto-enganadamente como direito e dignidade — estava feliz no dia e na hora em que escrevi tudo aquilo. E escrevi (como em todas as coisas que faça) crendo de todo o coração. Só não sabia que não sabia.

 

Lukas estava bem. Os irmãos dele também. Adriana me dava todo amor e descanso que ela podia, tinha e sabia. Eu não poderia estar-ser mais amado e apoiado. Ela se deu a mim. À volta já havia sinais de chuva… Boa chuva! Meu olfato espiritual sentia que algo estava para acontecer. Algo bom.

 

Já fazia uns meses que eu havia pedido a Deus algumas intervenções em minha vida, me livrando do que eu já identificava como terreno doente em mim.

 

De fato, sentimentos de culpa que eu, especialmente de 1998 pra frente, se me haviam tornado em laço, em verdadeiras gambiarras de vício emocional e psicológico.

 

Eu nutria uma sutil relação de devoção para com certas dores. Elas eram, em meu inconsciente, como auto-justificação ante ao que eu jamais me perdoara ter entrado em minha existência.

 

Só que o modo pelo qual inconscientemente eu tratava aquilo era pelo acolhimento à dor; e não pela suplantação que vem da Graça e do perdão de Deus, internalizados como gratidão, sem justiça própria alguma, nem mesmo a da dor.

 

Conforme disse, eu sentia naquele dia 22 de março de 2004 que algo novo estava para acontecer. E aconteceu no dia 27, às 04: 30 da madrugada, na Estrada de Itaipu, em frente à Padaria “Do Grão ao Pão”.

 

Então, aconteceram mais coisas…

 

Em 10 de janeiro de 2005 eu quase morri, sendo salvo pela intervenção da Adriana e, logo depois, dos filhos, que em tempo, com ela, me levaram ao Hospital.

 

Fiquei entubado. Morre ou não morre… Dois dias assim… Adriana e os filhos segurando-me vivo mediante o amor e a oração. Saí daquilo com seqüelas pulmonares e respiratórias. Mas saí como se tivesse tido meus olhos mudados, meus sentimentos operados, meus pensamentos clareados.

 

E eu que pensava… Nada sabia!

 

Fraqueza e poder; amor e fraqueza; poder e amor; fraqueza, poder e amor!

 

Esses são os elementos das combinações da Vida num mundo caído!

 

Sim! Neste mundo caído a gente só cresce em torno deles, pois, fora deles e de suas alternâncias, tudo o mais é caminho de engano e fantasia.

 

Desse modo, vendo como aquilo que hoje é um conhecimento da dor e das lutas desta vida, amanhã pode se tornar em quase nada (quando comparado ao que em lutas e dor a vida ainda estiver inventando diante de você) — é que digo que o que sei é apenas até aqui; pois, Graças a Deus, eu não sei nada; e peço a Ele para saber muito pouco.

 

Quero apenas amá-Lo com o amor de Hoje!

 

Quero apenas servi-Lo com a alegria de Hoje!

  

Quero apenas a simplicidade do Pão nosso de cada dia.

 

O mais, Ele sabe por mim; e eu creio e me basta!

 

 

Nele; e basta,

 

 

 

Caio

 

23/06/07

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