NA COMPANHIA DE PAPAGAIOS!
Quando eu era menino, e, com meus pais e irmãos, mudei para o Rio de Janeiro, vindo do Amazonas, em 1964, os meninos e meninas me perguntavam na cidade grande, se, por acaso, eu brincava com índios e se havia muita cobra e jacaré nas ruas de Manaus.
Ora, eles perguntavam na gozação, como ofensa que criança, especialmente em grupo, adora realizar contra outra criança, preferencialmente o estrangeiro, o pobre, o de outra raça, ou, no passado, até mesmo o aleijado ou deficiente.
Eu achava todos uns idiotas…
Quando eram meninas a me perguntar, tinham a minha resposta sincera e verdadeira, a qual as chocava ainda mais:
“Na cidade não tem nada disso, mas lá em casa tem jacaré, cobra jibóia, macaco, cavalo, ovelhas, galinhas, e muitos periquitos, e muitos passarinhos. Mas no nosso sítio tem muito bicho. Lá em casa só os de estimação. Meu pai outro dia atropelou uma onça!…”
As meninas diziam: “Ai meu Deus! Você está brincando, não é?”
Eu respondia que não. Manaus era como o Rio, mas a minha casa era como a do Tarzan, e o nosso sítio como uma África sem leões, etc., mas com outros bichos.
Quando era menino que perguntava, em geral eu mandava a mão no meio da cara. Plaff! E dizia: “Olha o bicho aqui!”
Nunca mais me perguntavam nada.
Hoje, quase cinqüenta anos depois, ninguém acharia mais que se houvessem animais na cidade e vida de floresta ao nosso redor, esse seria “um programa de índio”.
Estou aqui em casa, nos fundos, no jardim, desde cedo.
Mais ou menos uns trezentos passarinhos de muitas espécies diferentes, entre eles maritacas, e outros tipos de periquitos, comem nas casinhas, cheias com a ração que sirvo a eles duas vezes ao dia; enquanto isso, outros estão ensopados da água que acabei de abrir, e que chove do alto das arvores, através de mangueiras de borracha com sprinklers nas extremidades.
Daqui de onde sento e escrevo tenho uma visão ampla das atividades deles; bem como dos demais pássaros que temos: um “pássaro do amor”, um canário parisiense, dois periquitinhos australianos mansinhos [presente do Habib]; e quatro papagaios [que me foram dados], sendo que dois deles ainda “mamam”, pois, dou a eles, em injeções de papinha [estão ficando lindos!], a comidinha da manhã — depois deixo os dois tentarem aprender a comer grãos sozinhos, e estão conseguindo.
Cinqüenta anos apenas, e… programa de e com índio virou ecologicamente cult, e ter bichos em casa passou a ser um luxo.
Sim! Pois, de fato, nos orgulhávamos da sofisticação de nosso mecanismo de execução coletiva: a grande cidade e suas necessidades energéticas.
Sim! Consumo era status! Cidade grande era orgulho! Mais gente do espaço era a glória!
Sim! Nossa idiotice era como a de um homem no corredor da morte que se orgulha de que houve melhorias tecnológicas na cadeira elétrica!
Esses bichos que me cercam, no entanto, não comem nada duro se puderem comer mole.
Assim, não dão murro em ponta de faca, e, naturalmente, sabem o que é bom para a vida!
Acabei de dar uma semente dura para um dos papagaios adultos. Ele a jogou na água e ficou amolecendo-a. Testava a consistência e, então, amolecia a semente um pouco mais. Quando sentiu que dava para comer, bicou-a e foi para um dos poleiros a fim de comer tranqüilo.
Mateuszinho, nosso netinho, não conseguia falar papagaio, e dizia “cacagagio”. Assim, a fêmea virou “Caca” e o macho “Gaio”.
Ora, a Caca é mais falante, e acabou de iniciar um hino pentecostal da antiga, que lhe foi ensinado pela Adriana, e que é repetido por mim à exaustão para eles: “Então eu gritei, gritei, vem me ajudar!”
Adriana ensinou-lhe esse hino porque a musica soa a musica de papagaio: musica esganiçada. Rsrsrs.
É muito engraçado!
Nesse dias em que o ser humano vira toupeira, boa é a amizade de papagaios!
Caio
26 de outubro de 2008
Lago Norte
Brasília
DF