NÃO GOSTO DE EXISTIR: NADA TEM GRAÇA
—–Original Message—–
From: NÃO GOSTO DE EXISTIR
To: [email protected]
Subject: NADA TEM GRAÇA
Olá!
Há muito tempo não consigo mais rir, nem gosto de mais nada na vida.
Estou me envolvendo com alguém que já tem um outro compromisso, e não consigo me livrar, nem sei ser feliz sem ele.
Me sinto escrava de um sentimento, que a cada dia parece me matar…
Não sinto forças…
Me escondo em mim mesma, não quero ninguém perto de mim.
Tenho vontade de desistir.
Meu coração chega a doer…
Não consigo mais falar com Deus.
Estou morrendo…
Hoje me sinto péssima, sabe?
Há mais ou menos quatro anos tomei veneno para morrer, e nem isso consegui…
Quando fiz isso ainda não tinha os problemas que tenho hoje.
Sei que deve ter um monte de gente que te escreve coisas desse tipo, mais minhas “feridas”, são muito profundas…
Tudo em mim dói tanto que não sinto ânimo, nem vontade de sair, nem de dar risada, nem de ficar perto de quem gosto. Não agüento mais ficar perto de ninguém nem 10 minutos…
Vivo de chorar todos os dias.
Quero me livrar, quero correr, quero gritar, queria não existir.
Nunca gostei de existir. Em alguns momentos, “poucos” momentos me senti bem…
Mas sempre me perguntei: melhor não seria não existir? E a resposta sempre foi a mesma: Não existir!
Não estou com vontade de me destruir, de me matar, sinceramente não.
Só queria não mais acordar.
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Resposta:
Minha amada amiga: Graça e Paz!
Li sua carta hoje cedo, mas não consegui responder na hora.
Senti que precisava orar por você.
De fato, minha neta estava aqui comigo, e desde ontem que ando mexido pelo oposto: assistir a pureza da alegria de existir, que transborda em minha netinha.
Eu sei do que você está falando.
Durante algum tempo existir me foi penoso demais. Nada é mais radical do que existir. E também nada é mais definitivo do que existir.
A questão, minha querida, é que inexistir não é mais uma possibilidade para quem está vivo.
Não existe uma tecla de DELETE na existência.
Mesmo que você se suicidasse, isto não faria você cessar de existir, apenas remeteria você para outra existência, mas nunca para a inexistência.
Há três coisas simples que desejo dizer a você antes de qualquer coisa.
1. Para viver a gente tem que ter um significado maior que a presente existência. Se nossa esperança se limita apenas a essa vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens. Ninguém que seja sensível consegue sacar da própria existência toda a razão para viver. O livro de Eclesiastes confirma o que estou dizendo. Se olharmos a vida apenas com olhos “existenciais” não nos será possível encontrar significado para a existência. Tudo se torna absurdo. Tudo é vaidade e correr atrás do vento. Nada faz sentido. A sabedoria de Eclesiastes pergunta: “Separado de Deus, quem pode comer, beber ou se alegrar?” Sem Deus enchendo a nossa existência pela fé, jamais haverá vida em nós. Nesta terra de agonias só é possível viver pela fé. Sem fé é impossível agradar a Deus, e é também impossível agradar a nossa própria alma com satisfação. Sem entrega em fé nenhuma existência conhecerá a vida, e jamais conseguirá por conta própria encontrar o seu próprio significado.
2. Para viver a gente também tem que aprender que o significado da vida passa pelas pequeninas coisas da existência. O Eclesiastes nos diz que a “paga” pela dor e pela contemplação do absurdo na história que nos cerca, é a benção de poder comer o pão, beber o vinho, e amar e ser amado.
3. O segredo disso tudo, humanamente falando, é viver entre a visão de que a existência é uma bobagem, e ao mesmo tempo é sublime. A gente existe aí, entre o bobo e o sublime; entre a vaidade e o que permanece; entre o que perece e o que é eterno. Assim, a gente tem que viver os dois pólos da vida, do contrário, o mergulhar numa banda apenas dessas perspectivas, pode tornar o existir muito penoso na terra. Quem vive só das aparências desta vida e de suas vaidades, haverá de se cansar e mergulhar na total falta de sentido para ser. Já quem vive apenas de ponderar o dês-significado de todas as coisas, e, em razão disso, mergulha num mundo de buscas interiores da verdade sublime, também corre o risco de passar a ser uma pessoa muito blazé, e permanentemente enfadada acerca da bobagem de todos os que conseguem sacar algum ânimo daquilo que emana da simplicidade da vida.
Lendo sua carta desejei também dizer o seguinte a você:
1. Há necessidade de que você também procure ajuda médica imediatamente. Sugiro a você que comece com um clínico geral, que poderá encaminhar você para um psiquiatra e um neurologista; e, posteriormente, em se constatando a necessidade, para um psico-terapeuta. Considere também a possibilidade de fazer uma pesquisa séria sobre a química de seu corpo a fim de verificar se seus elementos minerais e hormonais estão em ordem. Há muita gente sofrendo de depressões horríveis que têm uma natureza essencialmente orgânica. Recuperando-se o equilíbrio do sistema orgânico, a mente começa a se sentir capacitada a se expressar por um corpo que lhe seja útil e responsivo. Seu corpo existe também. Seu cérebro existe também. Você tem nervos e uma infinidade de alquimias acontecendo em seu organismo. Isso tem que ser também levado muito a sério.
2. O episódio da desilusão amorosa acompanhada pela incapacidade de desistir do amor, está acontecendo numa hora muito imprópria. Afinal, você não sabe se ama ou se depende desse “amor” para suportar a existência; e também não sabe se não suporta a existência porque não se sente amada na plenitude daquilo que seu sonho de mulher impôs a você. No fim, você descobrirá que não é nenhuma das duas coisas. Por outro lado, se você estivesse sendo correspondida num amor possível, e estivesse amando muito, talvez vivesse um tempo de euforia e depois mergulhasse em depressão; isso no caso de sua depressão ter componentes de natureza orgânica. A emoção maquiaria o mal estar um tempo, mas depois você teria que enfrentar, mais uma vez, a depressão. Talvez até atribuísse a depressão à falência do relacionamento (usando o relacionamento de um modo oposto ao que você usa hoje).
3. Viver não é especialmente difícil apenas para você. É duro mesmo. No entanto, não tenho duvida de que o peso que você carrega tem dois componentes bem básicos: um orgânico, e um outro psicológico. No fim, as duas coisas sempre se retro-alimentam. Ora, se já é duro viver para quem está razoavelmente estável nessas duas áreas, não há dúvida de que pode beirar à insuportabilidade para quem carrega mais peso ainda. No entanto, a pior angustia é a que não tem causa. Essa angustia essencial é uma desgraça para o existir. E, estranhamente, às vezes, as pessoas atribuem essa agonia a alguma crise existencial profunda, seguida de depressão e de reflexão filosófica pessimista, e então abisma-se naquela angustia que gostaria de poder apertar o botão DELETE. No entanto, quando você descobre que toda angustia tem uma causa—seja ela qual for—, a verdade dessa descoberta liberta você. Você pode até não deixar de sentir algumas agonias, mas já não a chamará de essenciais—inominável—, mas pelo seu próprio nome; e isto faz toda a diferença. A verdade, até quando é um diagnóstico, liberta a gente!
4. Eu já tive depressão de morte. Durante um ano e meio inteiro—abril de 98 até mais ou menos setembro de 99—eu pedia todos os dias que Deus me levasse. As dores emergiam de todos os meus poros. Doía de dentro para fora e de fora pra dentro. E não era nada subjetivo. Tudo tinha nome. Portanto, o volume das aflições era enorme, mas suas causas não eram desconhecidas. Com certeza isso me ajudou. Todavia, entre as coisas que muito me ajudaram, uma das mais importantes foi a natureza. Eu descobri que se ficasse em casa, num quarto escuro, gemendo e chorando, eu morreria de pena de mim mesmo, tristeza, e impotência. Então, saí. Acordava e ia para o mar. Tinha que ficar ao ar livre. Sei que Deus usou o ar livre para também me salvar. Depressão ao ar livre é diferente de depressão em quarto escuro. Deixar-se expor ao impacto da sensorialidade natural—água fria, sol quente, mergulho refrescante, uma nadada aflita, uma oração em baixo dágua, mergulhando, etc…são Graças divinas numa hora em que a alma quer entrar numa cova e pedir para si a morte. Eu preferi o sol, a terra, a água e o ar.
Por fim, gostaria de pedir a você que pegasse sua Bíblia, abrisse os salmos, e os lesse todos os dias, várias vezes por dia. Leia em voz alta. Faça deles a sua oração a Deus. Além disso, gostaria de pedir a você que forçasse uma barra e saísse com seus amigos, e que também se deixasse tocar. Digo: abraçar, estar presente, perguntar coisas da vida dos outros que não fossem “profundas”, e que se abri-se para amizades.
Sei que você deve estar dizendo que essas duas últimas coisas você tem tentado fazer. No entanto, peço a você que as pratique com fé, e que as faça em associação com tudo o mais que recomendei antes.
Saia de você; saia de casa; saia de casca!
Em breve eu espero ter notícias de que a crisálida se abriu e que você voou com alegria, gostando de ser, e amando ter sido criada.
Que Deus abençoe você!
Nele, que nos fez para a Vida,
Caio