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From:NÃO SEI SE SAIO OU SE FICO CASADA…
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Sent: Thursday, February 09, 2006 1:20 PM
Subject: Decepção (de novo)
Querido Caio:
Em uma de suas pregações (Os Monstros da Alma) ouvi a afirmativa – lógica – de que quando a gente renuncia algo que seja muito importante para nós, ergue-se em nossa alma um ressentimento horrível contra a pessoa motivadora dessa “amputação”. É como se um clone maldito fosse criado imediatamente em seu lugar. Pelo menos foi o que eu entendi.
Acho que toda a grande renúncia é uma violência não apenas contra o renunciante; é uma violência contra qualquer relação. Ela inquestionavelmente apodrece a relação, ainda que a longo prazo. Impossível é fugir do resultado maléfico disso.
Eu tentei fugir sempre. Pra não pensar na raiva, no ódio, no ressentimento, na frustração, busquei e rebusquei “brechas da lei” de meu casamento; coisas às quais eu poderia me dedicar prazerosamente sem que com isso estivesse quebrando alguma regra ou sem que fosse necessário meu marido viabilizar o projeto com sua graciosa presença. Busquei coisas que me distraíssem, que ocupassem meu tempo e mente. Só que o monstro estava apenas escondido debaixo do tapete. Eu não explodiria se o tivesse encarado na hora certa, mas esse “momento certo” veio e foi inúmeras vezes e não fiz nada. Explodi agora quando, parece-me, não tem mais jeito e é tarde demais pra tudo.
Voltando: quando entendi que não poderia passar toda a minha vida alimentando raiva do meu marido por estar amarrada às vontades e gostos dele (totalmente diferentes dos meus) para preservar meu casamento e minha sanidade emocional, depois de uns tempo saí a cata de compensações mas a impressão que tenho é de que passei a vida “cavando cisternas rotas”.
Minha profissão, a qual abracei empolgada, não se prestou como fuga por muito tempo. Longa é a história… não vale a pena repetir tudo.
Aconteceu coisa semelhante na igreja. Embora eu ame a igreja e meus irmãos, desgostei-me com muitas coisas lá, de forma que hoje ela não me serve como válvula de escape. Outro castelo caído.
De certa forma aconteceu o mesmo com sexo. Apostei todas as minhas fichas nessa área. Seria meu último refúgio, meu único momento verdadeiro como gente, de liberdade, de ferocidade, de ser quem sou sem ninguém me regulando. Mas não. Eis que aí também a imagem onipresente de meu dono limitava tudo e apresentava impossibilidades insuperáveis. Esse tema exige um longo capítulo a parte. Não vou tratar dele agora. Mas sofri.
Por que não mergulhar em Deus? – você pergunta. Porque não fazer dele o meu refúgio e fortaleza? Porque não ser ele o meu esconderijo? Por um tempo foi assim mas não consegui sublimar todos os meus vulcões indefinidamente. Além do mais, em momentos de angústia, sentindo-me culpada e fútil em minhas ânsias, deixei de ler a Bíblia. Em algumas buscas me senti culpada e em pecado…. então foi-se o refúgio. Hoje vejo e penso diferente, mas na época em que iniciou o vendaval, foi assim que me portei.
Desde jovem eu amava a noite, as musicas, o folclore, o mato, as trilhas, as cachoeiras, aventura, tênis sujo de barro, mochila, suor, sol. Meu corpo sempre pediu ação, movimento. Só que me apaixonei, casei, tive filho e com isso vivi uma vida muito diferente dos meus anseios. Culpei meu marido por muito tempo porque quando saí do domínio de minha mãe achei que um marido seria a feliz companhia para tudo aquilo que eu não podia fazer sozinha sendo solteira-crente. Mas descobri que marido era alguém que me dizia o que fazer, onde ir, como me portar, o que ler, que programas assistir, quais filmes apreciar, quais as diversões razoáveis, como gozar, que não me levaria a um motel nunca e que sempre diria, em qualquer reclamação, que se não estivesse gostando deveria pedir o divórcio.
Passei anos sentindo raiva até que aos poucos fui encontrando meu caminho. Primeiro: desisti de esperar que ele me proporcionasse momentos felizes. Foi quando desisti completamente da companhia dele. Hoje ainda saímos juntos mas não faço mais questão nenhuma disso. Na verdade, em qualquer local que vamos, sempre em minha mente eu preferia poder estar indo sozinha ou com outras pessoas. Não me sinto livre nem leve ao lado dele nunca. Não o acuso de nada.
Esse bloqueio eu mesma devo ter criado em algum momento fatídico mas o fato é que a coisa é assim e não consigo mudar. Passei ha muito da fase de culpa-lo por tudo. Hoje entendo que só mesmo minha covardia e imobilidade me maltrataram.
Com o tempo ele foi preferindo não me acompanhar nos programas mais “chatos” e liberou-me para algumas saídas sozinha. Foi quando descobri que isso era mesmo muito bom. Finalmente descobri que não preciso de ninguém e me alegrei sobremaneira com esse sentimento de bastar-me a mim mesma. Vi que todo o ressentimento contra ele poderia ser aplacado dessa forma: quando eu finalmente podia sair sozinha (coisa simples: tomar cerveja com uma amiga, um cinema… Nada relacionado com boates ou coisas assim). As vezes ele ia. O prazer não era o mesmo. O motivo é que nossos gostos não coincidem em quase nada então, estando ao meu lado, eu sentia o peso de sua presença. Sabia que ele estava se sentindo enfadado com o programa. Muitas vezes ele comentava depois que achava aquilo chato.
Nesses momentos de liberdade todo o passado de frustrações era perdoado e eu me sentia feliz e compensada. Eu havia encontrado, finalmente, a pacificação total para as nossas incompatibilidades. E eu achava que merecia, que já era tempo!!! Eu pensava: fiz tudo o que me exigiram: casei virgem, assumi esse casamento com todas as suas implicações, fui extremamente obediente ao marido, abri mão da gestão de toda a minha vida e também de todo o meu salário. Não estaria na hora de eu deliciar-me com uma pequena fatia da mais dessa doce torta chamada VIDA?
Finalmente ele me deixava sobre sair sozinha as vezes. Aconteceu, em umas poucas situações, de eu chegar, felicíssima, muito tarde em casa e ele estar dormindo. No outro dia não me dizia nada. Eu não estava em boates ou em adultério. As vezes um aniversário, um evento cultural folclórico… Ia geralmente com alguém da família, sempre avisava antes e dizia onde e com quem estava. Isso nunca foi um ato de rebeldia.
Fortaleci cada vez mais minha já existente tendência ao silêncio, recolhimento, a estar só. Ele não me cobrava nada. Se eu cumpria as regras, tudo bem.
Eu supus, erroneamente, que ele estava tentando compensar-me pelos nosso problemas na área sexual. Quando minhas emoções pareciam “domesticadas” ele começou a “puxar a corda”. Preferi não reclamar. Só que da última vez impôs que eu retornasse em um horário ridículo, que inviabilizaria qualquer programação interessante. Foi o momento crucial, que está me levando a escrever agora para tentar entender tudo, toda a minha vida, todas as minhas emoções civilizadas ou não, todos os meus anseios, razoáveis ou não. TODOS OS MONSTROS SAÍRAM DEBAIXO DO TAPETE e eu explodi. Ele estava me roubando minha última compensação, aquilo que mantinha o delicado equilíbrio entre nós dois.
Por várias vezes, durante a discussão, o argumento dele era: “vai ser assim como eu quero e pronto. Se não aceitar, peça o divórcio!… Não interessa! Eu estou mandando! Ou então acabou-se, a gente se separa!!!” Antigamente todas as vezes que ele me dizia coisas assim eu entrava em pânico. Mas dessa vez não, respondi um sonoro “dane-se!”
Passados uns dias escrevi um bilhete no qual dizia que me submeteria a todas as suas exigências. Fui intencionalmente humilde para ver até onde ele iria em seu imperialismo. Falei (com outras palavras e com todas as letras) que estava infeliz e que iria tentar lidar com essa infelicidade de forma a não incomodá-lo. Falei também que ainda o amava e que queria, naquela noite, fazer sexo e que jamais eu iria me separar dele. Ele leu e me abraçou muito em silêncio. Fez carinho. Não disse nada, absolutamente nada. Toda a angústia que eu expressei ficou no vazio, era um detalhe irrelevante. Foi quando eu entendi que o que mais tocou em seu coração, de tudo o que eu disse, foi a disposição manifesta de obedecer. Naquele momento, tudo se quebrou dentro de mim. Algo morreu. Fiquei decepcionada com a atitude. Nem uma palavra, nem um protesto, nenhum diálogo. Um abraço como que dizendo “tudo bem! Vou cuidar de você. Essa dor vai passar. Seja uma boa menina, comporte-se e eu serei seu papai. Apenas se comporte. Perdôo tudo, desconsidero tudo. Perdôo sua “ malcriação” e sua declaração de infelicidade. Nem vou pensar mais nisso! Agora que você deu o braço a torcer serei bonzinho e seremos felizes para sempre. Vou comprar uns doces e te levar pra passear. Você é minha princesa!!!” Senti ódio e vontade de vomitar. Nunca me senti tão humilhada. Mergulhei mais ainda em amargura, numa depressão, uma prostração física também. Foi quando me toquei: não sou criança. Eu preciso passar por isso??? Para o resto de minha vida?
Agora, pela primeira vez em toda a minha vida, desejei ardentemente me separar. Uma uma vontade de correr, correr muito de tudo aquilo, de todos aqueles anos! Difícil explicar essa sensação de que “acabou, não quero mais, pelo amor de Deus me deixe em paz, deixe-me ir! Chega! Chega! Chega!” Nunca pensei que eu pudesse simplesmente decidir que não quero mais, que acabaram-se os remendos, que somos diferentes, não dá, não dá, não quero.
Dias depois aconteceu algo impensável tempos atrás: ele propôs um diálogo. Foi quando falei tudo o que passei anos insinuando, balbuciando. Falei como uma cachoeira que cai, como chuva de pedra. Por vários momentos ele tentou me fazer crer que não desconfiava de todos aqueles sentimentos, mágoas, dor. Não é verdade. Ele sempre soube e sempre ignorou. Nunca me respeitou. Eu disse isso também. O grande milagre foi eu dizer tudo, passar por tudo se um pingo de culpa.
Ele quis muito saber se o que falei sobre separação era sério. Ele estava visivelmente triste. E eu sempre quis que ele fosse feliz! Mas sinto que não tenho como dar a ele essa felicidade que ele quer se eu não continuar estuprando minha própria alma! Ele quis saber o que eu queria fazer. Então repeti que realmente desejava a separação mas que no momento eu estava com a alma muito ferida, cheia de turbulências interiores e que não era um bom momento para tomar essa decisão. Disse que estava resolvida a me tratar com uma terapeuta, organizar meus sentimentos e só então ver o que fazer. Disse que iria orar, fazer de tudo para não agir mal.
Ele disse que faria tudo para salvar nosso casamento, só não tinha estrutura para aceitar eu chegar a noite em casa tarde. Quanto a isso tenho a dizer que:
1 – Sei que realmente poucos maridos admitem isso;
2 – Atualmente a questão deixou de ser se isso é certo ou errado. Passou a ser uma questão de limitação minha.
3 – Porque duas pessoas não podem viver juntas sem uma ter que oprimir ou podar a outra? Porque nosso casamento não pode ser construído por nós, por nossas necessidades particulares? Porque tem que seguir um modelo pronto de casamento convencional no qual o que “não fica bem” é muitíssimo mais importante do que o que faz bem?
4 – Eu não pensaria em terminar o casamento por um motivo desse. A questão gravíssima não é poder ou ou não fazer isso ou aquilo. A questão é eu precisar tanto de uma válvula de escape.
5 – Não tenho mais estômago nem disposição para ficar procurando outras “brechas na lei”.
Ele me disse que está disposto a abrir mão de muitas coisas por mim, para me agradar, que reconhecia que esteve envolvido demais em outras coisas, que não me dava a devida atenção etc. Eu disse NÃO!!!!!!!!! Não quero que ele abra mão de nada por mim! Não quero impor isso a ninguém, Deus me livre! Esse cálice é amargo e não quero que ele beba nem ninguém no mundo se for por minha causa! Eu disse “não!!! Quero que você seja feliz, que faça as coisas que gosta! Mas quero isso pra mim também! Não quero te encher o saco e não quero que você encha o meu! Só isso! Não quero te tirar nada! Nem te obrigar a pagar mico me acompanhando em programas que não te interessam!” Quero que ele continue fazendo as coisas que o agradam – inclusive tomando cerveja com os amigos (coisa que nunca me incomodou). Eu quero que ele seja feliz, não quero roubar-lhe nenhum de seus momentos. E NÃO CONSIGO ENTENDER COMO ELE CONSEGUE SE SENTIR BEM SABENDO QUE ESTÁ TIRANDO DE MIM TANTA COISA E POR TANTOS ANOS! Como ele consegue? Nesses momentos desentendo totalmente o tal amor que ele diz me dedicar.
Não quero que ele renuncie ou se sacrifique por mim! Só quero o seguinte: eu não o incomodo e ele não me incomoda. Só. Por que não pode ser assim?
Antigamente eu achava que ele era o vilão. Depois tomei para mim toda a culpa, achando que eu é que era a desajustada, a fútil, a infantil, carnal. Eu sofria querendo ser outra pessoa. Hoje vejo que não tem nada disso. Somos apenas dois filhos de Deus. Não há monstro aqui, apenas duas pessoas incompatíveis.
Continuar casada? Sim, considero essa possibilidade. Mas para mim hoje isso tem o significado de um funeral.
Porque não posso tentar ser mais feliz? Será que separada, em momentos de alguma carência, eu vá me sentir pior do que me sinto agora? Será que a eventual solidão seria pior que a sufocação do meu eu? E se for, não valeria a pena pagar pra ver? A imobilidade me trará algo de gratificante? Em nome de que deverei me contentar em continuar me sentindo mal? EM NOME DE QUE?
Vou esperar. Vou arrumar minhas emoções, vou orar.
Deus me ajude.
Um grande abraço pra você.
Ps: quando abrir o Caminho em Sampa quero freqüentar.
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Querida Sofia: Graça e Paz e Sabedoria!
“Continuar casada? Sim, considero essa possibilidade. Mas para mim hoje isso tem o significado de um funeral”— Sofia
Já conversamos sobre o tema de seu casamento outras vezes; a última vez foi quando ele passou a reclamar de sua expressões de prazer, na cama; por exemplo, como quando tendo prazer você chegava a gritar; e ela parava tudo e repreendia você; ou chamava você de “exagerada”, e outras coisas piores.
Na verdade, desde a primeira vez que falamos, vi o seguinte, e também já disse isto a você, mas vou repetir; pois, quem sabe, o que eu disse “ontem”, só tenha seu dia “hoje”.
Da história que me lembro, você quase que já nasceu querendo um marido. Mil problemas em casa. E, ainda menina para os padrões de hoje, quase uma criança, casaram você, e você casou; com um homem muito mais velho que a criança.
No início, por estar deixando aquela casa da qual você naquele tempo também fugia (a sua casa), e, também ante o fato de que aquela figura masculina, adulta, paterna, diretiva, machista, e gulosa, sexualmente falando —, naquele tempo inundava a sua vida de menina.
Assim, o que hoje para você é insuportável, lembre que um dia foi seu sonho de consumo. Tanto é que, se bem me lembro, você foi apaixonada por ele anos, e se deu a ele com prazer por muito tempo. Portanto, você não “assumiu” nenhum casamento. Você o quis. E se amou ser mãe, não deve ter reclamações a fazer.
Entretanto, o tempo, a vida, a idade, os mundos novos, e, sobretudo, as pulsões deste tempo de angustias latentes para a alma da maioria, com uma existencialidade de cio solta no ar da Terra, mudaram sua alma. Isto sem falar que o dia a dia de qualquer casamento, mesmo o mais sádio, tem os seus próprios desgastes…
Então… filhos, trabalhos, desgastes da existência, amadurecimento, conhecimento de novas pessoas, comparações, percepções, necessidades novas, anseios mais ajustados à nova situação e idade (sua), o novo trabalho, os filhos já praticamente criados, etc…; e, além de tudo, duas novas coisas: o envelhecimento dele ante os seus olhos; o seu rejuvenescimento ante os seus próprios olhos — jogaram você naquela ansiedade de quem diz: “O que eu fiz de minha vida na adolescência, casando-me com um senhor; o qual hoje já nem serve para ser meu pai, e, menos ainda para ser meu marido?!”
Ele provavelmente não tenha mudado em quase nada. Você é que mudou em quase tudo. E não digo que a mudança seja ruim, e menos ainda que a imutabilidade dele seja boa. Ao contrário, casamentos que começam como seu: a menina e o senhor — só têm alguma chance de sobrevida a médio e longo prazos, se ambos fizerem sua parte muito bem: a menina-mulher tem que amadurecer sem perder a vontade de ser mulher de um marido cada vez mais idoso; o marido ficando idoso, por seu turno, precisa buscar energias para acompanhar a esposa ainda jovem; do contrário, acontecem toda sorte de coisas, de profundos desencontros (conforme você reporta) à traições; e que são fruto da insatisfação, da raiva, e de uma estranha e compulsiva “vontade de viver”.
O melhor a fazer é admitir que houve uma mudança de paradigma psicológico em você: o antes “pai-marido” (que tinha idade para tal), mas que, como marido, tinha saúde para atender à uma menina que sempre gostou de sexo, como você antes disse, em outra carta, já agora não atende mais às demandas que surgiram em você. Entretanto, admita que durante anos esse padrão satisfez você!
O que mudou é que ninguém pode ficar casado com o “pai” para sempre; visto que a alma demanda uma independência também do pai a fim de que a pessoa cresça. Foi na hora de cortar e matar o pai, tarefa psicológica saudável, que o “marido” foi junto, como quase sempre acontece nesses casos.
Há maridos e há pais. Esse é o normal. Assim, rompe-se com pai e mãe para poder ser um com um outro, que não é pai, mas tão somente homem, e, depois, marido. Mas também há o tipo “pai-marido”, assim como há também o “marido-pai”. Este último, tem melhores chances do que o anterior. Isto porque quando o que vem antes, psicologicamente, é o homem-marido, e o “pai” só vem depois, como apóio, quando a ruptura do “pai” acontece, nada muda tanto, exceto para melhor, pois, ainda há o que há: o homem-marido; e isso é tudo!
Porém, quando a situação é do “pai-marido”, então, quando há a “ruptura” psicológica com o “pai”, a figura do marido, emgeral, vai junto com ele; posto que o vínculo primordial não era com o marido, mas antes com o “pai” no marido. Este me parece ser o seu caso.
Foi-se o “pai”, e não ficou ninguém; exceto, agora, o “pai de seus filhos”, o qual, você não consegue mais ver como marido, por todas as razões já expostas nesta carta e em outras.
O que fazer?
Pela experiência e observação durante anos, o que posso lhe dizer é que, em tais casos, uma vez que menina virou mulher, e, também uma vez que o vínculo era mais com o “pai” do que com o “marido”, dificilmente se consegue retomar o “equilíbrio”. Aliás, muitas vezes, surge uma espécie de asco incestuoso na relação entre ambos. Boa parte dessa “raiva”, no seu caso, por tudo o que já falamos antes, é repúdio de natureza incestuosa. Ora, esse é o lado sutil da questão, mas está longe de ser a questão toda.
Na realidade, quando você foi passando dos 35 anos, tendo já quase que completamente criado os filhos, começou a se ver como mulher, a se perceber como bela, jovem e atraente; e com a saída de casa para trabalhar, as comparações inevitávelmente aconteceram; e, tais comparações, aceleraram o seu processo de incestualização de seu casamento; em virtude de sua percepção de estar, agora, casada com um homem que não é seu homem, mas seu “pai”. Então, numa hora dessa, a alma começa a criar novos mundos, a pintar novos cenérios, a inventar novos roteiros para a vida, a abrir uma exitência de infindas possibilidades…; e, então, a pessoa se pergunta: “O que estive fazendo aqui todos esses anos?”
Todas as questões que você colocou ao final, desejando saber “por quê” os casados não podem viver como se não fossem, nem mesmo questões seriam se você se sentisse, de fato, casada com ele; e se o visse como seu marido; e não como seu “dono”, seu “guardião”, seu “protetor”; e como não poderia deixar de ser: o pai que diz a que horas a menina tem que voltar da night; ou que promete comprar uns docinhos e trazer para casa, conforme agradava você em sua infância conjugal.
De fato, caso você o amasse como marido, mesmo; e caso também o admirasse, saiba: não haveria desejo de night sem ele; e nem tampouco haveria qualquer lugar completamente bom sem a presença dele!
Tampouco a diferença de idade conversado por nós na primeira carta seria um problema. Os mais de 20 anos que separam você nada seriam se ele nunca tivesse sido o seu “pai”. É o fato dele ter sido e gostar de ser essa figura “pai-de-menino”, que apenas dá ordens e não convence, o que hoje inviabiliza o seu olhar na direção dele; pois, do contrário, apesar da diferença de idade, você ainda o veria como um gatão de sessenta e alguns anos — e bem conservado, segundo você me disse na outra carta.
O que tenho a dizer a você é que, eu, de mim mesmo, jamais ficaria casado um dia com uma mulher que eu sentisse que ficasse aliviada com minha ausência; e que se regozijasse em sua distância de mim; bem como considerasse melhor sair com outros que comigo. Sim, digo-lhe que, de minha parte, seria ainda pior: se ela ao menos admitisse que seria uma alternativa legal sair e ir para night sem mim (e poderia ser para qualquer outro lugar), saiba que ela voltaria da night e não me encontraria para ela em mais nenhuma outra noite de sua vida; não como homem; e nem tampouco a desejando!
Portanto, o que estou dizendo é que há homens muito “legais” e que não dão a mínima. Eu, todavia, sou um homem que crê que a alma nunca é “pós-moderna”, e que no máximo disfarça essa tal “pós-modernidade” comportamental na forma de ações livres, do tipo: cada um é cada um. Porém, um dia, isso tudo sempre volta como mágoa, ressentimento, desamor e indiferença.
Quando “os casados são como se não o fossem” (conforme Paulo), aí mesmo é que eles querem estar juntos; posto que tal sentir os remete para uma situação de namoro, e não de des-casamento.
Você é jovem ainda. Os filhos estão criados. O marido está frustrado e zangado. Sente que não dá conta de você; de suas carências e demandas. Vê sua vontade de viver longe dele. Percebe que sua alegria está na ausência dele. E, também, deve perceber que seu sonho de consumo, caso você pudesse, seria ser apenas a “filha” dele, estranhamente também compartilhando com ele os filhos; porém, sem qualquer outro vínculo que não seja filial ou de uma gratidão fraterna por tantos anos de convívio e proteção.
Na realidade, conforme você disse, não é justo que ele sofra porque você mudou; e nem tampouco é humano pedir a uma menina que casou aos 14 anos, que, aos 39, se sinta exatamente do mesmo modo em relação a algo que já iniciou de modo anômalo: como “projeção”, como “idealização”, e como “substituição”.
O que fazer?
Penso que caso seus filhos já sejam maduros o suficiente para conversar, ou, se pelo menos alguns deles já o são, você deveria chamá-los e conversar com eles acerca de seu drama. Ouça-os. Depois, chame seu marido e converse com ele. Diga tudo. Ele, certamente, por mais que venha a sentir dor hoje, não sofrerá amanhã; e se você for sábia, e não fizer de sua vida um escândalo, certamente sempre terá o respeito dele.
Ora, como vejo que esse é um tema que se arrasta faz tempo; e que em razão dele você mesma já buscou carinho em outros braços; creio que não havendo um solução pacifica hoje, mesmo que seja a separação, o que aguarda vocês, em contrário, é uma catástrofe; pois, eu sei, você não vai se “segurar” para sempre; e, por tal razão, o que hoje ainda é uma angustia, passará a ser um tormento.
Quanto a como você se sentirá no caso de um divórcio, o que lhe digo é o seguinte: vai depender de como ele se processe; se for na paz, haverá chance de que você não sinta um buraco insuportável na alma. Mas se for no contexto de traíções, você provará o inferno; tanto pela visão que os filhos terão de você, bem como em razão de que você será sempre um ser com tendência a culpar-se por todas as infelicidades futuras ( e elas virão; pois nunca deixam de aparecer de vez em quando), sempre atribuindo tais dores ao fim de seu casamento.
O problema é que não havendo a realidade-decisão da pacificação (com o conseqüente amadurecimento quanto a não se sentir como uma adolescente tentando viver o tempo perdido), nem tampouco a decisão da separação, o que sobra é apenas a certeza da dor e o risco da catástrofe.
Qualquer divórcio, mesmo os mais calmos, produzem muita dor; e, as necessidades posteriores de ajuste são de natureza profunda. Portanto, saiba: até o melhor divórcio, o mais brando de todos, ainda assim não é “bolinho”.
O que você tem que fazer é olhar para as suas motivações. Todas elas. E se perguntar a razão de você hoje desejar tanto não ser mais casada. Qualquer que seja razão, é melhor viver com ela, de modo claro, do que com uma mentira.
A questão, entre outras, é essa também: Caso seu marido não se importasse, e deixasse você fazer o quem bem entendesse, e fizesse vista grossa para a possibilidade de você ter um caso sexual com alguém de seu agrado, você, ainda assim, desejaria de separar?
Ou seja: Seu problema é sexo e vontade de ter um parceiro jovem para se divertir com você? Ou alguém de uma cabeça mais jovem a fim de lhe fazer companhia?
Além disso, ponho para você, em nome de seu marido, a sua própria questão acerca dele: “E NÃO CONSIGO ENTENDER COMO ELA CONSEGUE SE SENTIR BEM SABENDO QUE ESTÁ TIRANDO DE MIM TANTA COISA E POR TANTOS ANOS!”
Ou seja: se você pensa que é ele quem apenas “tira” de você; saiba: você tirou e tira muito dele também.
Ora, o simples fato de que você não gosta de estar com ele, e que desejaria apenas estar sob o mesmo teto a fim de não correr riscos numa eventual separação, já é, em si, uma traição; e isto mesmo que você não esteja indo para a cama com ninguém.
É covardia sua sentir e dizer isto tudo; e, ainda assim, crer que o mundo deve se adaptar a você; que seu velho-pai-marido tem que fazer uma “plástica” interior a fim de agradar você, etc… Portanto, não faça a ele o que você acha que ele fez a você!
Pela simples leitura de sua carta, e considerando que você é financeiramente autônoma e tem os filhos criados, sendo que o pai deles também um homem responsável —, a única coisa objetiva a aconselhar seria a separação; pois, do contrário, esse se tornará um caso de masturbação divorcio-existencial infindável. Ou seja: você falará nisso e disso para sempre; desabafar-se-á sem qualquer resultado; e apenas sossegará quando a libido diminuir, a alma cansar, e velhice chegar. De outro modo, você apenas infernizará a velhice dele e a sua ainda juventude.
É melhor assumir que você sente por ele gratidão e amor filial, ao invés de perturbar sua existência e a dele com a busca de explicações que não fazem a vida ficar melhor apenas porque se falou no assunto.
Re-leia a sua carta com calma e veja os zigue-zagues dela. Ela vai de ódio a um amor indefinido… Ou seja: seus sentimentos estão todos misturados; e, você mesma não tem coragem de assumir o que, neles, é sadio, e o que é doença sua.
É seu direito, não suportando a conjugalidade, separar-se. O que você não pode é pedir a um cabra-macho, à antiga, que viva o tipo de casamento “aberto” que seria o seu confortável sonho de consumo.
Isto sim, seria muito egoísmo de sua parte!
Ou seja: tudo o que vale de sua avaliação acerca dele; saiba: vale dele em relação a você. Portanto, ponha-se no lugar dele e me responda: Como você se sentiria se fosse homem e casado com uma mulher como você, e que sente e declara as coisas que você declara?
Se ele me contasse a sua história, do jeito que você me contou, eu recomendaria a ele que se separasse de você. Você recomendaria o quê? Sim, no caso de ser o inverso? Você agüentaria? Como você reagiria?
Você teme deixá-lo. Ele também teme deixar você. E as razões não são muito diferentes, pois, conquanto haja variação temática em ambos os casos, o que habita a base de tudo é apenas INSEGURANÇA. A sua é em relação à sua adaptabilidade à “nova vida”. A dele tem a ver com a velhice e o futuro. E lembre: se há alguém preocupado com o futuro nesta história, muito mais que você, até pela idade, é ele; e não você. Ele se preocupa com o futuro. Você sente as necessidade e desejos do presente.
Desse modo, meu conselho seria um só, conforme o Evangelho: Faça por ele o que você gostaria que ele fizesse por você se a situação fosse invertida!
Por último, sobre a “válvula de escape”, pense, sem brincadeira, se a questão não é o “escape da vulva”. Sim, porque é obvio que sua sexualidade está em estado de explosão faz tempo. E sexo não resolve o problema da sexualidade; posto que pode haver e deve haver (no tempo certo da vida) sexo em toda sexualidade; porém, como disse, sexo em si não resolve a sexualidade; a qual é bem mais ampla em suas demandas; e pede de nós muito mais do que apenas sexo. Sim, exige de nós também carinho, troca, afeto, identidade, cumplicidade, amizade, diálogo, perceria, e um vínculo insofismável.
Deus é o Refugio e Fortaleza, não a “válvula de escape” e nem tampouco é Ele o “escape da vulva”. O Deus “válvula de escape” é apenas um ídolo e jamais foi conhecido como o Deus de nossa vida. Além disso, nem Deus mesmo, antes da Queda, no Paraíso, quis ser a “válvula de escape” de Adão; mas, antes disso, fez para ele uma companheira, dizendo: “Não é bom que o homem (gênero humano) esteja só”.
Assim, dê a Deus o que é de Deus; e dê a você mesma ou à realidade de sua existência, o que é real. Porém, não creia que Deus irá lhe satisfazer desejos femininos que só são resolvidos no encontro humano.
Você disse: “Hoje entendo que só mesmo minha covardia e imobilidade me maltrataram.” Ora, eu concordo inteiramente com você!
Enfim, é com você agora!
Pense e me responda!
Nele, em Quem somente a verdade une, mesmo quando separa,
Caio