O BOTO E O DIABO NA BEIRADA DO RIO
No interior do Amazonas, até o dia de hoje, ainda há pais que crêem que suas filhas virgens ficaram grávidas do boto do rio; e que vira homem, o qual se mostra irresistível à qualquer mulher sobre a qual ponha os olhos. O boto-homem entra nas festas, escolhe a virgem que deseja possuir, a toma e a leva para a beira do rio. Então a possui com paixão. Após o quê ele se levanta e entra no rio já virando boto. Essa lenda real e real lenda do boto, é maravilhosa. É impressionante como algo tão aparentemente tolo é um acordo do inconsciente coletivo a cerca da necessidade de que haja sempre algum tipo de ser que vem de fora, e que justifica o injustificável, em razão de que a própria sociedade não consegue ter que punir sempre, e sempre conforme as morais estabelecidas, as quais não contemplam perdão. Então, o inconsciente inventa o boto. Um ente do rio, que não é homem, mas que tem o poder de virar homem, e seduzir as meninas que todos os homens da aldeia desejam também seduzir. Assim, algum homem ‘pega’ a menina, mas o acordo inconsciente é o de que se deve conceder esse “santuário” ao afortunado; posto que todos queriam, mas um só pôde ter. O boto faz um filho sem pai. E uma menina travessa escapa à condenação moral do “defloramento”. Uma família simples assim garante o seu direito de continuar respeitada na comunidade. E, em alguns casos, até mesmo sendo louvada pela ‘visitação’ de ter tido uma menina da casa visitada pelo poder misterioso do rio. Todo país tem seus botos, bem como todas as cidades, bairros, ruas, prédios, vilas, aldeias, favelas, casas, famílias e relacionamentos. O boto dos cristãos, muitas vezes, é o diabo. O diabo irresistível. O diabo por-pouco-todo-poderoso. O diabo que deixa sempre a vidinha continuar sem que as pessoas precisem se enxergar. Mas quando alguma menina diz que não foi o boto, e sim o João, então, as leis morais precisam ser evocadas e praticadas, e não se tem direito a perdão algum. Assim, para muitos, é melhor ser justificado pelo boto-diabo, do que assumir sua própria condição e realidade, e viver com as conseqüências. As conseqüências da realidade têm paternidade. E ter paternidade é fundamental para que se não abra o caminho psicológico para a esquizofrenia. Assim, quando se fica sempre usando o boto-diabo como escape, evade-se da realidade; e se começa a perder a auto-percepção; posto que você mesmo transferiu a responsabilidade para fora de você; o que gera irrealidade e fantasia. E muitas pessoas acabam por apenas saber viver nessa bolha de coisa nenhuma. Quanto mais diabo, menos auto-percepção! Melhor se vê quem não se mira no diabo nem para que ele leve a culpa. Nele, Caio