O CAMINHO DA GRAÇA PARA TODOS – PARTE I
ÍNDICE
– APRESENTAÇÃO
– INTRODUÇÃO: O CAMINHO DA GRAÇA PARA TODOS
– A GRAÇA É A LEI DO CAMINHO
– A LIBERDADE DE ‘SER’ NO CAMINHO
– A LOUCURA DA CRUZ E O ESCÂNDALO DA GRAÇA … PARA OS CRISTÃOS
– O CAMINHO DA EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA, SEGUNDO JESUS
– O MODELO DO ‘CAMINHO’
– O CAMINHO NÃO É UMA REFORMA!
– A DOCE REVOLUÇÃO DO EVANGELHO: UMA DESCONTRUÇÃO!
– O ENCONTRO NO CAMINHO
– PARA ONDE CAMINHA O CAMINHO DA GRAÇA?
– O CAMINHO X A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA
– CONCLUSÃO: A ESPERANÇA COMO CAMINHO
– APÊNDICE: O Evangelho nas Escrituras e as Escrituras no Evangelho
Agradecimento e Afirmação de Propósitos Deste Material
Este material é parte de textos de meu site – www.caiofabio.com – e foi organizado pelo meu companheiro de Caminho, Marcelo Quintela, que é o mentor espiritual da Estação do Caminho em Santos / SP, e visa dar às pessoas uma clara idéia do que significa andar em comunidade com “os do Caminho”..
Portanto, acima de tudo, quero agradecer ao Marcelo por ter organizado este trabalho, facilitando a todos o acesso àquilo que já existe no site. O que espero é que ele venha a servir de base de consciência para todos os que desejam caminhar junto com aqueles que entenderam o Evangelho como Comunidade no Caminho.
Nele,
Caio Fábio
Apresentação
Antes de qualquer coisa quero dizer, em nome de Jesus, que sendo um pecador dentre todos os pecadores da Terra, nem por isso posso negar que Deus habita em mim, e que Dele recebo a Luz.
Dou a conhecer aos meus amados irmãos que encontrei e conheço a nosso Senhor Jesus Cristo—Deus Conosco—, a Quem o Pai constituiu como meu Salvador por Sua exclusiva Graça, hoje e para todo o sempre.
O conteúdo a seguir é uma espécie de “apresentação” aos que chegam nas Estação do Caminho da Graça. É fruto da necessidade de dar a conhecer em que se fundamenta nossa experiência de fé pessoal e comunitária na Terra, na expectativa de confrontar mentalidades distorcidas e gerar alegria e força no coração de quem ganhou a convicção interior da Boa Nova em Cristo.
Boa Leitura!
INTRODUÇÃO: O CAMINHO DA GRAÇA PARA TODOS
“Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é , do seu corpo.” (Hebreus 10.20)
A Graça de Deus em Cristo não se resume a uma doutrina, não é uma teologia, não é um fundamento bíblico para ser assimilado intelectualmente, não é mera aglutinação de conhecimento teórico. Não. Pensar a Graça com essas categorias nada traduz acerca do Evangelho. Podemos até conceituar o Amor Incondicional de Deus, mas esse amor só será “aprendido” se for experimentado!
Portanto, a Graça é dom de Deus, recebido pela fé (que também é Graça, pois é fruto do trabalho do Espírito Santo na consciência humana), pela revelação da Verdade, que é Cristo Jesus: o Cordeiro sacrificado na eternidade pela culpa de toda criação, antes mesmo que houvesse mundo. Ele se manifestou através da Sua encarnação, morte, ressurreição e ascensão acima de todas as coisas; e, foi Ele quem estabeleceu que por Sua Graça se pode ter Vida, tanto nessa existência como na Eternidade!
Desse modo, saiba-se que a Graça é tudo e tudo é Graça!
Nenhum passo rumo a qualquer maturidade espiritual pode ser dado senão no caminho dessa Graça.
Já está evidente que a vida dita “cristã” que acontece fora do chão da Graça de Deus só gera doenças espirituais, psicológicas e existenciais. Gera religião, mas não sedimenta a paz de Deus. Gera mudanças comportamentais, mas não renova o homem interior. Pode gerar novos hábitos, mas não assegura um novo coração.
Paulo é o grande apóstolo da Graça. Das 155 referências do Novo Testamento à graça, 133 são dele. A Graça abre as suas epístolas, a Graça as conclui, e a Graça é a nota principal de tudo entre o começo e o fim. O termo “graça” provém do latim “gratia”, que é tradução de “charis”, em grego, que significa graciosidade, benevolência, favor ou bondade.
Paulo coloca charis com o significado de favor livremente concedido, empregando o termo especialmente para se referir ao que Deus fez por nós em Jesus Cristo e por meio dele.
Poderíamos dizer que graça é o amor de Deus agindo em nosso favor, dando-nos livremente o seu perdão e a sua aceitação, de uma vez por todas.
“Onde abundou o pecado, superabundou a graça” Romanos 5:20
A GRAÇA É A LEI DO CAMINHO
“… Pela Graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é Dom de Deus, não vem de obras, para que ninguém se glorie!” (Efésios 2:8-9):
A Graça e somente a Graça É e sempre será a base do nosso relacionamento com Deus.
Todavia, os cristãos se convertem a Jesus num dia, e no dia seguinte bancam sozinhos as transformações que julgam serem decorrentes dessa conversão. Chamam isso de Santidade pessoal.
Porém, santidade pessoal é fruto da entrega ao Amor Incondicional do Pai, e não uma nova base. Se há Graça, então, também há santidade, que é o fruto do Espírito em nós: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne.”
Não há qualquer nova base de crescimento sobre a qual se constrói uma vida espiritual vitoriosa, pois tal esforço produz a obsessão de vencer por conta própria “o pecado que habita em mim”, segundo Paulo. E então a certeza da culpa nos deita nos braços do pecado. E não podendo sair desse ciclo infeliz, o cristão opta pela hipocrisia para aceitação no meio ‘santo’, opta pela performance para se destacar nesse meio, e prefere obedecer uma lista de regulamentos comportamentais para que fique ‘quite’ com sua consciência religiosa, que é pagã, ameninada, orgulhosa e meritória, por ser toda fundamentada em Justiça Própria.
A Lei da Graça inverte os pólos da Ética Religiosa: é o Descanso da Fé que desemboca na Obediência Amorosa, e não a obediência que gera o descanso. Tal obediência a Deus se expressa como resposta de gratidão daquele que recebeu consciência do amor de Deus: “Quem me ama, guarda os meus mandamentos; assim como eu amo o Pai e guardo os Seus mandamentos. E os mandamentos, são um: que vos amais uns aos outros, assim como eu vos amei.”
Uma vez interiorizada, a Conversão remove uma montanha infindável de culpas que foram abolidas em Cristo; não só as culpas decorrentes das ações praticadas, mas a culpa própria da minha essencialidade, porque eu sou pecador por natureza. Sendo assim, o Pecado que está abolido é o que eu sou, e não só o que eu faço, e até aquelas coisas que eu faço quanto mais culpa delas carrego, diminuem seu potencial destrutivo sobre mim, até findarem-se! Porém, essa inclinação do espírito só se inicia quando a pessoa se encontra em paz! Sem o peso da condenação, as compulsões começam a mudar de inclinação, surgindo – pela confiança, que vem da certeza em fé, de que está tudo pago – um outro pendor. Mas só se alcança isto quando se crê que a condenação acabou para sempre, na Cruz de Cristo.
Assim, santidade vem de sentir-se em paz na Graça, quando entendo pela FÉ que o que sou em Cristo, é o que vale; isto para que eu posso ir sendo…à medida em que cresço. Portanto, santificação é o apelido do crescimento da consciência na Graça dentro de nós.
Por que isso parece diferente do que chamamos santidade no meio cristão?
Porque nossa visão de santificação não é bíblica, é pagã e cheia de justiça própria. Sim, o que chamamos de santificação é exatamente aquilo que os fariseus ensinavam: ser zeloso da lei ou da lista, baseada em aparências e esforços próprios. “Santo”, para Jesus, é aquele que não julga o próximo; que anda mais de uma milha com o inimigo; que dá a capa para cobrir o frio do adversário; que não passa ao largo quando vê um homem caído na estrada; que dá água com amor aos irmãos… como se fosse o próprio Jesus quem bebesse; que veste o nu, abriga o órfão, acolhe o desamparado, abre a alma ao faminto, e não se esconde seu semelhante.
Sim, para ele, o santo é quem crê; é quem busca a verdade e a humildade.
Santidade, para Jesus, é simplicidade e gratidão. E, conforme Jesus, o santo é alguém livre para amar… Quanto mais santo se é, mais voltado se fica para o próximo e menos egoísta se torna o Ser. Por quê? Ora, porque aumentando a consciência na Graça, aumenta naquele que recebeu de Graça, a vontade de doar Graça.
E assim, a Graça opera a Lei do Amor: quem recebeu perdão, perdoa, quem recebeu graça, derrama graça, quem não foi julgado, porque Jesus foi julgado em seu lugar, esse tal não julga: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos as nossos devedores.
A LIBERDADE DE ‘SER’ NO CAMINHO
“Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. Aprendei de mim, que Sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas.”
A Graça é o convite de Deus a crescermos como gente ainda nesta vida. Veja: Quando meus filhos eram meninos, eu os tratava com lei, embora a graça do amor fosse a razão das regras. Mas à medida em que foram crescendo, e ia chegando o tempo dos ritos de passagem acontecerem – quando para cada um deles ficava implícito que o tempo da “tutela paterna” estava cessando – fui deixando-os mais livres, visto que a estação da “consciência própria” estava pronta para se abrir em frutos de auto-compreensão.
Paulo diz que a Lei foi um tutor, um escravo à serviço da infantilidade da consciência.
Quando porém veio a “plenitude dos tempos”— a idade para se ficar adulto —, Deus enviou o Seu Filho, e nos deu a Nova Aliança, a do Evangelho da Graça; a fim de que deixássemos de ser crianças em estado debilóide de tutela permanente, e nos tornássemos homens, com consciência própria. Essa é a Vontade de Deus: “nos tornar conforme Seu Filho Jesus Cristo!”
Em sendo assim, o grande ‘problema’ da Graça é a liberdade que ela gera. E liberdade é apavorante, nos deixa sem chão, dá vertigens na alma. Ninguém quer liberdade, porque ela nos obriga a andar com as próprias pernas, concede-nos a benção de pensar, sentir, discernir e nos julgar, nos fazendo profundamente auto-conscientes.
Consciência pressupõe a pré-existência de liberdade, e, esta só se manifesta em plenitude quando debaixo da Graça, pois somente nela que se perde o medo de ser, já que seja-lá-o-que-eu-for, “nenhuma condenação há”!
O problema é que a maioria das pessoas pensa que liberdade induz ao erro. Nenhum erro poderia ser maior! A Graça não é compatível com a entrega da vida à prática do pecado e da iniqüidade! Liberdade e Santidade não são antagônicas entre si:
“Continuaremos nós a pecar para que a Graça aumente?”
Santidade é saber viver todas as coisas lícitas, tendo o discernimento de saber o que convém e o que edifica. O santo viverá pela fé. Ou seja: em confiança não em si, mas na Graça. E toda conquista interior que lhe aconteça, não é mérito, mas Graça de Deus sobre ele; e sobre tais conquistas ele não fica alardeando com a boca, visto que, se são verdadeiras, elas serão percebidas pelo fruto da vida, em amor e misericórdia.
Portanto, o caminho da Graça não cria o espaço da libertinagem, mas tão somente o da liberdade de ser, sem os medos que decorrem das neuroses provocadas pela Lei ou pelas listas religiosas de-podes-e-não-podes.
O que os cristãos precisam saber é que Não há melhor lugar para conhecer nossa própria verdade, senão no solo seguro da Graça de Deus, onde não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus! Há somente aceitação e renovação! Primeiro se percebe tal qual se é; depois o Espírito promove seus frutos em nós, enchendo a vida de paz, alegria e amor.
Mas, paradoxalmente, os crentes têm medo de se enxergar como gente. Desse ponto em diante, a maioria dos cristãos confunde descanso e pacificação com vagabundagem existencial. Crescer em entendimento e experiência da Graça de Deus na presente existência, demanda de nós esforço, compromisso, e busca disciplinada de desenvolvimento interior, e que é fruto de auto-exame, e de auto-discernimento, tarefa que seria insuportável sem um coração pacificado pela Graça.
Então, para corresponder o quanto antes à norma massificada, as pessoas artificializam o agir de Deus, operando em si mesmas uma ‘transformação de ocasião’, uma conversão para fins eclesiásticos, uma supressão de tudo que choca a religião, uma espiritualidade ‘de fachada’, mas compatível com a média comunitária.
Essa falsificação do lavar regenerador e renovador do Espírito dá conta de instituir mudanças para fora do ser, exclusivamente comportamentalista, baseadas no fazer e mensuradas pelo desempenho, sem seu correspondente interior de crescimento na Graça e na Verdade. É a figueira sem frutos, mas adornada de folhagens, que camuflam a nudez própria do outono da vida.
No entanto, quando o cidadão se percebe assim, tendo Deus – em Sua misericórdia – permitido que ele caísse em si e, finalmente, olhasse para dentro, então o que acontece é que ele não se reconhece, e se assusta, se escandaliza, se choca, se culpa, se penitencia! Não sabe porque “depois de tanto tempo de evangelho” o que habita seu interior são as mesmas raivas, angústias e escravidões de outrora, mas agora travestidas de ‘santidade exterior’; existem os mesmos bichos vociferando rancores e preconceitos, só que agora legitimados pela interpretação adaptada da Bíblia, que nos dá a entender que somos seres superiores, triunfalistas, uma raça cheia de méritos em ser santa, um povo que se “acha!” por ser designado de propriedade exclusiva de Deus, sem qualquer compreensão que, em havendo tal eleição, ela é fruto de pura Graça, é anterior a nós mesmos, sendo anterior a qualquer coisa que tenhamos feito ou deixado de fazer, é anterior, inclusive, ao nosso próprio nascimento. Aliás, essa coisa toda é desígnio de Deus desde antes da fundação do mundo, quando o Cordeiro foi imolado para redenção de todo ser criado.
Portanto, no Caminho da Graça, não carregamos ilusões… não estamos esperando ninguém virar anjo, ninguém levitar a 10 cm do chão, ninguém ser levado pela carruagem de fogo da santidade que já não consegue viver no mundo. Ao contrário, posso afirmar que meu esforço pessoal é na tentativa de não me chocar com mais nada, posto que não há nada que você tenha feito que, ao menos em potencial, não exista em mim também. Não lidamos com robôs, nem com super-crentes ufanistas, nem nos interessamos por comportamentos performáticos só para dar a sensação de que tudo está sob controle na comunidade “vigiada”.
Diante disso, fica aqui declarado: Está suspenso o meu direito de me escandalizar com o que quer que seja verdade sobre você. Prefiro caminhar com você a partir de suas lutas e temores do que fingirmos que não trazemos essas coisas embutidas no cerne de nossas tribulações e dramas de vida.
O Caminho, portanto, está aberto a todos: Somos ‘devedores’ a homens, mulheres, adolescentes e jovens de todas as tribos; prostitutas, homossexuais, bissexuais e transexuais; fiscais de tributos, empresários, estudantes, políticos e donas de casa, ateus, católicos, espíritas e esotéricos, ricos e pobres, intelectuais e broncos, casados, descasados, solteiros, amasiados, juntados, separados, divorciados, viúvos… E a todos quantos se encontram carecidos da Glória de Deus porque não conhecem em seus corações a conversão que o Evangelho realiza por meio da fé, através da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo – único mediador entre Deus e os homens!
A LOUCURA DA CRUZ E O ESCÂNDALO DA GRAÇA – PARA OS CRISTÃOS
A Graça é hoje a mais escandalosa de todas as mensagens cristãs! No entanto, a única mensagem que existe em Jesus é acerca da Graça eterna de Deus. E a loucura da Cruz não deveria ser louca para nós, nem fonte de escândalo, posto que a mensagem da Graça é todo o ensino e vida de Jesus. É a Boa-Nova! É o espírito do Evangelho! Dessa mensagem procedem todas as outras, pois toda manifestação cristã verdadeira sobre a Terra é a demonstração prática do amor de Deus aos homens. Se o amor é a mensagem ética por excelência, vivenciá-lo só será, de fato, possível por meio da conversão à Graça, na qual nós respondemos com amor Aquele que nos amou primeiro e de forma absoluta e incondicional. Não há Amor sem Graça. Não há Graça sem entrega ao Amor. Deus é Amor! E amor é o fruto da atuação do Espírito da Graça em nós.
Mas, incrivelmente, estranhamos a Graça de Jesus, nos assustamos com ela. Digo isso me referindo aos cristãos, de qualquer veia do Cristianismo.
E não havendo entrega radical à Graça, passamos a aceitar passivamente e engolir tudo que carrega a nomenclatura cristã, mesmo que de Cristo pouco possua, visto ter negociado Este que é o conteúdo mais intrínseco da Mensagem.
Quem, sinceramente, não percebe que nós, cristãos – somos hoje, na maior parte dos casos, a repetição dos mesmos conteúdos contra os quais Jesus, os profetas do Antigo Testamento, Paulo, os apóstolos e a Palavra se levantam nas Escrituras?
Hoje as pessoas se convertem à “igreja”, não à Cristo! É por esta razão que os conteúdos do Evangelho de Jesus estão tão adulterados entre nós. E pior: Parecemos estar com os sentidos embotados para esta percepção, de modo que o que hoje se vê é uma caricaturização de Jesus. O Jesus que nos foi apresentado é um “composer” do Jesus da “igreja”, o qual é moldado para ficar “parecido” com o grupo religioso ao qual a pessoa pertence. Portanto, o Jesus da fé da “igreja”, na maioria das vezes, é uma fabricação feita para validar as teses do grupo. E tal “Jesus” não faz nada de bom ou de mal que qualquer outro condicionamento mental, psicológico e cultural também não realize… A leitura do Evangelho que fazemos é uma “adaptação”. E é também “num Jesus de terceira ou quarta mão” que a maioria das pessoas crê.
Posso asseverar, com convicção e tristeza, que na igreja evangélica atual, primeiro o indivíduo tem que ser salvo do “Jesus inventado”… Primeiro precisa ser salvo do Jesus dos evangélicos a fim de conhecer o Jesus do Evangelho.
É exagero tal dedução? Então, permita-se a uma reflexão honesta: E se Paulo estivesse presente num ano eleitoral no Brasil? Se visse e soubesse de todas as negociações de almas-votos que são feitas em Nome de Jesus? E se assistisse pela televisão a venda de todos os significados cristãos em objetos de energia espiritual pagã? E se visitasse uma “igreja” e assistisse filas de pessoas para andarem sobre sal grosso, ou para mergulharem em águas tonificadas do Jordão e a passarem pela Cruz de Jesus a fim de ganharem um carro zero, como pagamento pela sua crença? E se ele soubesse agora que a fé é um sacrifício que se expressa como dízimos, como troca de bênçãos por dinheiro, de cura pelo sacrifício de longas novenas e correntes, que só não são “quebradas” se a pessoa não deixar de largar sempre algum dinheiro no altar-bolso dos pastores?
O que enojaria a Paulo, todavia, seria ver pastores oferecendo o “sangue do Cordeiro” –e que no caso é um suco de uva — e, segundo o anúncio, a pessoa deve ir ao templo e levar para casa o “sangue do Cordeiro” a fim de ungir a casa de trás para frente e da frente para trás. O “Sangue do Cordeiro’’ não é mais o que Jesus fez na Cruz, mas passou a ser um fetiche, uma regressão ao paganismo mais primitivo, uma mágica de bruxos, uma blasfêmia, um estelionato satânico dos símbolos de uma Verdade com a qual não se brinca impunemente
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Desse modo, Paulo veria aturdido o regresso da fé evangélica aos tempos dos cultos feitos a Baal, para as imagens de escultura, para um tempo onde nem sombra ainda havia das sombras das coisas que haviam de vir — coisas que, inclusive, perderam a simbolização em razão de Jesus haver sido o cumprimento de todas elas!
A carta aos Hebreus foi escrita por muito menos! O escritor de Hebreus diria que estão brincando com fogo ardente e consumidor e crucificando o Filho de Deus não apenas uma segunda vez, mas todos os dias — fazendo de Jesus um produto de barganha, fazendo do que foi feito por Ele, de Graça, de uma vez e para sempre, algo a ser vendido pelos camelôs do engano, em repetidos sacrifícios!
Meu Deus, e se… Paulo visse…!? Sim, se Paulo nos visitasse? Que epístola nos escreveria?
Ser evangélico para Paulo significava ter compromisso de fé e vida com o Evangelho de Jesus. Hoje, ser “evangélico” é pertencer a uma “igreja”, uma instituição religiosa que roubou o direito autoral do termo e se utiliza dele praticando um terrível “estelionato” simbólico.
Hoje, de maneira geral, quando um evangélico “evangeliza”, em geral, ele o faz a fim de que a “igreja” cresça como poder visível. Ou seja: “evangelização” significa crescimento numérico sob o pretexto de salvar as almas do inferno.
Quando Paulo evangelizava isto significava levar as pessoas à consciência da Graça salvadora de Jesus e da possibilidade da experiência da liberdade-salvadora, tanto na vida pessoal como também na comunitária. O resultado, portanto, não é o surgimento de um número a mais para as estatísticas celestiais, mas uma nova criatura que o Espírito da Graça, em Cristo, faz nascer no Novo Homem!
Desse modo, se Paulo estivesse vivo hoje, provavelmente, ele nos diria que nós ainda não somos convertidos, pois, voltamos atrás, e aderimos aos conteúdos que negam a Cruz de Cristo!
A doutrina do Purgatório é uma verdade existencial para todos os cristãos—incluindo os protestantes e evangélicos! E por quê? Ora, dizemo-nos “salvos” pela Graça, na chegada. Daí em diante, somos “santificados” pela Lei. Porém, tal “santificação” anula a Graça, segundo Gálatas 2.21, “pois, se a justiça vem pela Lei, Cristo morreu inutilmente!” Como “…se é pela GRAÇA, já não é mais pelas obras; se fosse, a GRAÇA já não seria GRAÇA”, (Romanos 11.6); então, ficamos num purgatório existencial sobre a Terra, pois, nem nos tornamos filhos da Graça a vida toda e nem nos entregamos aos rigores da Lei com honestidade. Desse modo, não usufruímos nem a saúde e a paz que vem da Graça e, tampouco, conseguimos viver pela Lei. Ou seja: vivemos em permanente estado de transgressão e culpa.
E quanto mais existimos nesse “purgatório”, mais orgulhosos, raivosos, arrogantes e mal-humorados nos tornamos, pois, no coração temos consciência de que não somos nem uma coisa nem outra: nem Gente da Graça e nem tampouco o Povo da Lei.
Então, nos tornamos os doentes que vendem cura! Nosso Cristianismo não se enxerga, não carrega nem os conteúdos do Evangelho e nem se parece com Jesus!
Jesus não veio ao mundo para criar um Circo, em alguns casos; uma Penitenciária, conforme outros casos; um Estado Soberano, conforme o Vaticano Católico e os “vaticaninhos” dos outros grupos cristãos; e, nem tampouco, um Hospício, como acontece em muitos casos!
Em Cristo não temos que ser pré-condicionados por nada que não seja o fundamento dos Apóstolos e Profetas, cuja Pedra Angular responde pelo nome histórico de Jesus, de Nazaré.
Quanto à igreja cristã, sabemos que ela não deixará de crescer em número e em poder terreno. Não. Seus templos estarão cheios e seu fervor religioso pode até aumentar, mas saiba-se que esse nosso Cristianismo não terá qualquer mensagem do Evangelho a pregar para as próximas gerações (com suas complexidades psicológicas e espirituais), a menos que se converta radicalmente à Graça (não como uma doutrina-teológico-moral), mas como a essência de nossa relação com Deus, o próximo e com o nosso próprio ser!
Nossa esperança é a possibilidade dele gerar consciências libertas do medo de ser e podendo experimentar a Graça de viver em Cristo, sem os temores que hoje são tão bem administrados pela “igreja”, na sua obsessão de ser a “conquistadora” do mundo e de seus poderes — incluindo almas humanas —; embora não ajude as pessoas a terem uma alma para gozar a vida em Deus e Deus na vida, ainda na Terra!
O CAMINHO DA EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA, SEGUNDO JESUS
O termo EKKLESIA sintetiza de forma impressionante o ser Igreja: São os chamados para fora. No entanto, na história cristã preponderou o caminho inverso, aquele que torna os discípulos em gente ‘chamada para dentro’, para deixar o mundo, para só considerarem ‘irmãos’ os membros do ‘clube santo’, e a não buscarem relacionamentos fora de tal ambiente. E nesse contexto, ironicamente, passamos a experimentar uma existência cada vez menos interiorizada, cada vez menos atenta para o que se dá no íntimo, e cada vez menos reflexiva.
Mas, lendo o Evangelho, é difícil conceber que Jesus sonhasse com aquilo que depois nós chamamos de ‘igreja’.
Quem pode ouvir o ensino de Jesus, com toda sua desinstalação, com toda a sua mobilidade, com toda ênfase na igualdade de todos, com toda denúncia aos poderes religiosos, e com toda a pertinência à vida — fosse para curar a mente, o corpo ou o espírito; fosse para anunciar a destruição do Templo como lugar de Deus; fosse para “beatificar” samaritanos e “demonizar” religiosos sem coração —; e, ainda assim, imaginar que Jesus tem qualquer coisa a ver com o que nós chamamos de “igreja”, seja aquela que se abriga no Vaticano, ou sejam aquelas que têm tantas sedes quantos pastores, bispos e apóstolos megalomaníacos existirem?
Não se vê Jesus tentando criar uma comunidade fixa e fechada, como também não percebo em Seu espírito qualquer interesse nesse tipo de reclusão comunitária.
Igreja, de acordo com Jesus, é comunhão de dois ou três… em Seu Nome… e em qualquer lugar… Igreja, de acordo com Jesus, é algo que acontece como encontro com Deus, com o próximo e com a vida… no ‘caminho’ do Caminho.
Para Jesus o lugar onde melhor e mais propriamente se deve buscar o discípulo é nas portas do inferno, no meio do mundo! Nesse Caminho, as maiores demonstrações de fé vêm de fora da religião. Percebe-se que tanto “malandros arrependidos” quanto “réus confessos” podem encontrar seu repouso.
Portanto, Seus discípulos são treinado a espalhar sementes, a salgar, a levar amor, a caminhar em bondade, e a sobreviver com dignidade no caminho, com todos os seus perigos e possibilidade (Lc 10). Com demônios, tempestades, interesses escusos, certezas satânicas, exageros desnecessários, familiares em pânico, medo de trair, frágeis certezas de jamais trair, traição explícita, negação e morte !
Mas, para além disso tudo, vê-se que no Caminho com Ele, os ventos cessam, as ondas se abrandam, as Leis fixas do universo são relativizadas, os demônios sabem quem Ele é e quem somos Nele!
Jesus é o Caminho em movimento nos caminhos da existência. E Seus discípulos são acompanhantes sem hierarquia entre eles. No mais… existem as multidões…, as quais Jesus organiza apenas uma vez, e isto a fim de multiplicar pães. De resto… elas vem e vão… ficam ou não… voltam ou nunca mais aparecem… gostam ou se escandalizam… maravilham-se ou acham duro o discurso… Mas Jesus nada faz para mudar isto. Ele apenas segue e ensina a Palavra, enquanto cura os que encontra.
Não! Jesus não pretendia que Seus discípulos fossem mais irmãos uns dos outros do que de todos os homens.
Não! Jesus não esperava que o sal da terra se confinasse a quatro dignas paredes de um Saleiro Comunitário.
Não! Jesus não deseja tirar ninguém do mundo, da vida, da sociedade, da terra… mas apenas deseja que sejamos livres do mal.
Não! Jesus não disse “Eu sou o Clube, a Doutrina e a Igreja; e ninguém vem ao Pai se não por mim”.
Assim, na igreja dos chamados para fora, caminha-se e encontra-se com o irmão de fé e também com o próximo que não tem fé… e todos são tratados com amor e simplicidade.
Em Jesus, o discípulo é apenas um homem que ganhou o entendimento do Reino e vive como seu cidadão, não numa ‘comunidade paralela’, mas no mundo real.
O MODELO DO ‘CAMINHO’
O que será, então, que o Senhor tinha em mente quando disse aos seus discípulos que permanecessem em Jerusalém até que do alto fossem revestidos de poder?
O que sei é que Jesus esperava que tudo quanto Ele havia dito antes acerca de como se deveria proceder, de cidade em cidade, fosse agora vivido como uma ação contínua, num fluxo ininterrupto, num vai e vem constante, e como um poder que nunca tivesse um trono, nem uma cidade santa, nem um vaticano.
O que os cristãos precisam saber é que Jesus não era cristão, e que nem tampouco quis Ele fundar o Cristianismo, nem mesmo teve interesse em algo que se assemelhasse à civilização cristã, conforme nós a conhecemos de 332 de nossa era até hoje.
Jesus criou o caminho da fé na graça e no amor de Deus, o que deveria ser algo livre como o vento, e vivo e móvel como a água, algo muito, mais muito longe de uma proposta religiosa.
Tudo o que Jesus queria era que os discípulos continuassem discípulos, e que os apóstolos fossem os servos de todos; sem haver nem alguém maior, e muito menos, um lugar mais santo ou um centro de poder.
Jesus esperava que o poder do Espírito os fizesse sair em desassombro pelo mundo, pregando a Palavra da Boa Nova, ensinando singelamente os discípulos a serem de Jesus em suas próprias casas e culturas. Desse modo, se teria sempre um movimento hebreu, crescente, progressivo, livre, guiado pelo Espírito, e complemente semelhante ao que eles haviam vivido com Jesus durante o Caminho, naqueles três anos de estrada que construíram o Evangelho ao ar livre, nas praias da Galiléia, nos desertos da Judéia, nas passagens por Samaria, nas terras de Decápolis, e nos confins da Terra.
Alguém, com razão, diria que tal projeto não seria possível, visto que ninguém consegue viver sem um centro de poder. Entretanto, parece que ainda não se discerniu que o convite de Jesus é contrário a toda lógica de poder, e não propõe nada que não seja Hoje, e que não obriga a ninguém a pavimentar o futuro de Deus na Terra mediante a construção de alguma coisa duradoura.
Para Jesus, o duradouro era justamente aquilo que não se poderia pegar, nem fixar, nem pontuar, nem ser objeto de visitas turísticas, dada a sua impermanência num chão marcado pelas urinas dos mandões. Ele esperava que os discípulos fossem como o Mestre, e que aqueles anos de Caminho não ficassem cristalizados nas páginas dos registros dos evangelhos, mas que se tornassem um modo de ser de seus discípulos.
O poder dos discípulos, paradoxalmente, está em não ter poder. E o convite para que se morra a fim que se tenha vida, é também válido para a igreja, que – ao contrário do discípulo – quer mandar na vida, e controlar os homens e o mundo. Assim, pretendendo salvar a sua vida neste mundo, a igreja não só perde a sua própria vida, mas deixa de ganhar o mundo.
O que Jesus queria era uma multidão de seres-sal-e-luz se espalhando pela terra, e, se diluindo em sabores e luzes que só seriam sentidas, mas jamais se tornando uma Salina ou uma Usina de luz cristã, a serem visitadas pelos curiosos.
O reino é como o fermento escondido… até que pervade toda a massa da humanidade… sem ninguém saber como… e sem que ninguém possa dar glória a mais ninguém, se não ao Pai que está nos céus.
Aliás, a proposta de Jesus é tão extraordinária, que a vontade de aparecer não pode resisti-la. O sal, por exemplo, foi usado por Jesus como metáfora desse ‘desaparecimento’ da igreja na terra. Tudo ao que Ele associa a metáfora do sal é ao sabor, e nada mais. O sal tem que ter sabor, se não já não presta para nada. E para que o sal salgue e dê sabor, de fato, ele tem que se dissolver nos elementos que recebem o seu benefício. O sal só salga quando morre como sal visível e se torna apenas gosto, presença, tempero, realidade e benefício, embora ninguém possa dizer onde ele está, podendo apenas dizer: ele está na panela. Mas onde?
Já a Luz do mundo — vós sois! —, deveria ser a ação contínua da bondade e da misericórdia, de modo discreto, porém pleno de efetividade; de tal modo que os “de fora”, que ao receberem os benefícios da luz, podem discerni-la como boas obras, e assim, eles mesmos, agradeçam a Deus pelos filhos da misericórdia que Ele espalhou pela terra.
O que Jesus propõe como simplicidade total, entretanto, logo deu lugar às complexidades regimentais e aos centros de poder. Mesmo dizendo “tal não é entre vós”— referindo ao poder de governar dos reis e autoridades —, o que se criou desde bem logo foi aquilo que era comum, não o que era completamente incomum.
Na realidade, quem entendeu o Evangelho e seu significado, sabe que o Cristianismo se tornou uma perversão da proposta de Cristo, transformando o Evangelho puro e simples numa religião, com Dogmas, doutrinas, usos, costumes, tradições com poder de imutabilidade e muita barganha com os homens, em franca e pagã manipulação do nome de Deus.
No Cristianismo, Deus tem Seus representantes fixos e certos na terra—o clero, seja ele Católico ou Protestante—, tem Suas doutrinas e Dogmas escritos por concílios de homens patrocinados por reis, e tem na sabedoria deste mundo seu instrumento de elaboração de Deus: a teologia.
Desse modo, no Cristianismo, “Deus” não passa de uma ‘potestade religiosa’ e de um poder mantido pelos homens, posto que se crê que sem o Cristianismo, Deus está perdido no mundo.
O mundo conheceu o Cristianismo, mas não teve muita chance de conhecer o Evangelho, conforme Jesus e segundo as dinâmicas livres e libertadoras do caminho, de acordo com as narrativas dos evangelhos, nas quais o único convite que existe é para se “seguir” a Jesus.
O Brasil, por exemplo, está cheio de Cristianismo, e, paradoxalmente, morto do Evangelho.
O CAMINHO NÃO É UMA REFORMA!
Mas é a Reforma? Para quê serviu, então? Qual o fruto dela, hoje?
Talvez não seja a hora de propor uma Nova Reforma, tal qual alguns tem idealizado?
Não. Uma Nova Reforma é ainda “remendo de pano novo em veste velha”.
Buscar reformar o Cristianismo nada muda, visto que apenas se adia o comprometimento radical que o Evangelho demanda.
O Evangelho não propõe uma religião, mas o Caminho.
A Reforma Protestante elegeu de 95 teses; arrancou os ídolos do lugar do culto, e os retirou da devoção dos fiéis; aboliu o papado, acabou com boa parte do clero conforme a formatação católica, e afirmou que a Graça, Cristo, a Escritura e a Fé eram os ‘pilares’ sobre os quais a “igreja” deveria ter seus fundamentos. No entanto, a Reforma não se viu livre das técnicas gregas de ‘fazer teologia’ e suas sistemáticas, e nem abriu mão do logicismo grego, antes utilizando-se dele a fim de criar seus próprios credos, dogmas, doutrinas e leis morais. A Reforma é um Catolicismo que fez Dieta.
De fato, a coragem que se demanda desta geração é bem maior do que aquela que fez com que camponeses oprimidos pelo papado de Roma tiveram que ter a fim de iniciar a Reforma. Digo isto porque ‘ali’ a mudança não era radical.
O Evangelho permaneceu ‘aprisionado’ à Religião, e a coragem revolucionária que Ele demanda para se viver o processo contínuo de conversão e de não-conformação com este mundo, é aquela que se lança ao vento e caminha pela fé.
( ESTE TEXTO CONTINUA EM: O CAMINHO DA GRAÇA PARA TODOS – PARTE II )