O INFERNO NUNCA ME DISSE NADA
Uma coisa que sempre me assustou desde menino foi o modo como nós, cristãos protestantes, sempre tratamos os demais seres humanos. Se de um lado eu via o esforço para alcançá-los para a “conversão à igreja e a Jesus”—este é o esforço e esta é a ordem; afinal, que igreja considera cristão aquele que não “bate o ponto, pelo menos uma vez por semana?–; de outro lado eu via o ódio enorme dos que se sentiam ofendidos quando alguém não “queria”; visto que, na maioria das vezes, a pessoa não descria, mas apenas não “queria”; sobretudo o invólucro.
Então, sempre assustou ver que tais indivíduos de gosto diferente—sim, pois o pacote que oferecemos é tão humano e cultural, que antes de ser uma questão de crer, é uma questão de querer e gostar—, eram imediatamente condenados ao inferno, sem piedade. A vontade de que o inferno exista, e de boca bem arreganhada, é a única compensação que os crentes têm pela sua obediência à Lei no meio de uma sociedade que não a leva em consideração.
Assim, para muitos, o inferno é uma questão de “prova-final-de-supremacia” dos querentes contra os não-querentes; e, sobretudo, a afirmação de que o “sacrifício” de ter sido cristão não foi em vão. Faz tempo que percebo que quanto mais uma pessoa fala no inferno, mais diabólica ela fica.
As piores eras da igreja sempre foram marcadas por intensa afirmação acerca do diabo e do inferno. No passado era o inferno das bruxas, das inquisições, das fogueiras, e da ameaça da danação eterna. Hoje, diante de tantas outras possibilidades de lucro com a fé—e como o inferno de fogo ficou meio fora de moda—, a danação eterna foi substituída pela danação em vida, que é a pobreza, os encostos, os maus olhados, as macumbas, e os encantamentos do inferno; e que podem ser afastados pela via de crenças em correntes, em mágicas, em amuletos, em fetiches bíblicos, e em freqüência ao lugar-de-Deus, que sempre é a franquia onde tais males são “quebrados”.
Assim, o inferno deixou de ser o lugar-dimensão para onde se iria, e passou a ser o estado no qual se vive fora das “bênçãos dos ungidos de Deus’. Em outras palavras: o inferno é indispensável aos negócios da religião, pois, crêem alguns, o povo só ouvirá e obedecerá se houver medo e ameaça. Paulo nos manda pensar nas coisas lá do alto, não nas que são aqui debaixo.
O interessante é que o apóstolo quase não toca no tema do inferno. Para Paulo até o diabo havia ficado menor em importância maligna que o próprio homem; visto que o apóstolo menciona o “príncipe da potestade do ar”, mas dá muito mais ênfase ao “curso deste mundo” e à “carne”.
Para Paulo a “carne” era algo amplo, e que ia da opção objética da utilização da carne como coisa sem valor (como sexo casual), à tentativa religiosa ou filosófica de se tornar “apto” para Deus por conta própria. No que me diz respeito, tenho uma confissão a fazer: O inferno nunca me ajudou em nada.
Não há uma única coisa que eu tenha feito nesta vida por causa dele; ou que eu tenha deixado de fazer por medo dele. Desde que conheci o amor de Deus que esse tema perdeu a relevância; e os que me ouvem há mais de trinta anos sabem que nunca me utilizei dele a fim de, pelo susto, levar o Evangelho aos milhares que creram, conforme o dom da Graça que há em mim.
O interessante também é que as poucas vezes em que Jesus tocou no assunto a assembléia era religiosa. Esse não era um papo que Jesus levava com os publicanos, meretrizes e pecadores em geral. A esses Ele falava de uma vida nova e cheia de paz e perdão.
Todavia, os textos nos quais Ele fala no assunto e faz “aplicativos”, em geral, o endereço era a religião certa de suas certezas, e presunçosa em sua suposta superioridade sobre os demais homens da Terra.
Eu creio no inferno. Só não tenho é nenhuma fé nele! Ocorre-me, inclusive, a idéia de que um dia ele acabará para sempre. E saibam todos: isso me deixaria muito feliz. E a razão é simples: como o inferno nunca foi referencia para mim de NADA nesta vida, muito me alegraria se uma das surpresas de Deus para todos nós fosse a revelação de que o inferno foi tragado pela Cruz, para sempre.
Mas tem gente que se tivesse tal notícia ficaria com tanto ódio, que o inferno teria que ser re-criado a fim de abrigá-las; visto que carne e sangue, ódio e desamor, não herdarão o reino dos céus.
Sim, haveria gente que ficaria com muita raiva se Deus mesmo “deletasse” o inferno para sempre.
Afinal, tudo o que os pregadores do inferno fazem ou deixam de fazer é apenas por medo da danação infernal; e não em razão do amor de Deus.
Se fosse assim, milhões de cristãos virariam “Jonas”: profetas que pregam apenas se a recompensa for a condenação dos “ninivitas da terra”.
Eu, todavia, sempre estive noutra. Para mim, o viver é Cristo; e o morrer é lucro. Pois se vivo, para o Senhor vivo; e se morro, para o Senhor e no Senhor, eu morro.
Ora, sendo assim, quer eu viva ou eu morra, minha existência é no Senhor e para Ele; visto que o inferno nunca me inspirou um único suspiro.
Minha motivação para pregar a Boa Nova vem do bem que eu recebi nela; e não tem nada a ver com nenhuma outra forma de pressão.
Ora, até a idéia de galardão como premio nunca me disse nada.
O amor de Deus é meu galardão.
Caio