O MILAGRE DE CADA BOM ENCONTRO
Encontros são milagres ou são macumbas — milagres quando os sentimos bons, e macumbas quando os sentimos maus.
Quase ninguém pensa no milagre do encontro. Entretanto, num mundo imenso para nós, cada vez maior nas quantidades, cada vez menor nos espaços, em meio a tantos bilhões de variáveis, nas quais átimos de volição ou impulso podem mudar montanhas ou fazê-las sumirem na cratera do esquecimento ou da não-percepção.
Um encontro errado, uma pessoa errada, uma iniciação errada, um amigo errado, um dia mal, uma decisão equivocada, uma conseqüência inapelável, uma existência convertida em outra, um outro sentir, um outro ver-se a si mesmo, um outro ver-se no olhar dos outros, uma outra definição de si mesmo perante o mundo, uma outra postura, talvez agressiva, talvez passiva; enfim… — um outro produto humano como variável de uma matriz original de infindas alternativas.
A liberdade do homem reside na sua ignorância das infindas alternativas.
O homem é livre de saber, pois, saber lhe seria a angustia insuportável tomando-o por todos os lados.
Quando eu era menino deseja conhecer um ladrão. Aí pelos meus sete anos apareceu um ladrão roubando no escritório de meu pai; à época advogado.
Papai havia me dito que se pegassem o larapio eu iria conhecer um ladrão.
Pegaram-no. Nós fomos. Era um domingo à tarde. À porta do escritório meu pai pediu que eu esperasse no carro. Ele queria sondar o terreno. Minutos depois voltou lívido. Disse-me que o ladrão ficaria para outro dia…
Não aceitei. Ele sempre mantinha a palavra.
Então ele me disse que não me levaria até lá, mas que me diria quem era; tão somente eu guardasse segredo para sempre. Prometi. Ele sabia que eu guardava. Ele me treinara e educara para isso também.
— Meu filho, o ladrão é nosso amigo. É filho de minha comadre. É seu amigo de bola e de estádio aos domingos. É o fulano… Mas para que ele não fique envergonhado de saber que você sabe, não iremos lá; e você nunca o deixará saber que sabe; e vai tratá-lo como se não soubesse. Não é ladrão; apenas roubou.
Mas e se a atitude de papai fosse outra; e se divulgasse; e se chamasse a polícia; e se me deixasse ver; e se… — o que teria sido do moço; ou de mim; ou de todos nós? Uma resvalada; e tudo muda para sempre.
Uma pessoa toma uma decisão de visitar amigos, gosta do lugar, muda para lá, e encontra alguém que muda a sua vida. Mas o que a tirou de casa foi uma delicadeza para com um amigo que insistia e pedia uma visita.
Uma disputa entre amigos em razão de uma banalidade faz um rapaz e uma moça se encontrarem, e, mesmo sem amor para tal, casarem-se. E suas vidas nunca mais poderem ser outra coisa.
Um encontro. Um ato impensado. Um filho. E um destino radicalmente alterado.
Uma decisão: “Desço ou não do ônibus aqui nesta parada?” — e a vida da pessoa pode mudar para sempre; pois, nesta hipótese, a mulher que desce do ônibus tropeça na descida, e cai nos braços de um homem que a ampara daí pra sempre.
Assim, um dia, saberemos por quantos atos milagrosos fomos feitos e fomos salvos.
Entretanto, é bom se veja e que se busque entender cada instante-milagre que nos acomete.
Um segundo a mais… — e ele, ela, teriam virado a esquina para além do alcance de nosso olhar…
Tudo é co-incidência: incide junto.
Quase tudo em nossa vida é feito de “acasos” carregados de “desígnios”; e se desígnios não tivessem, mistério, todavia, não lhes faltaria; pois é como é possível que um segundo antes ou depois nos roubassem a oportunidade daquilo que passou a ser o resto-todo de nossas existências?
Assim, encontro é milagre, até quando é um mijagre.
Pense nisso!
Caio
16/08/07
Manaus
AM