O Salmo 84 nos descreve o espírito com o qual os verdadeiros peregrinos de Israel se preparavam para a visita anual ao Templo em Jerusalém. No entanto, o que nos acomete quando lemos o salmo nada tem a ver com o espírito religioso, mas devocional e existencial.
Os “tabernáculos” só são “amáveis” porque são do Senhor!
A seqüência da descrição caminha com a mesma carga afetiva: “a minha alma suspira e desfalece…o meu coração e a minha carne exultam..” O aconchego desse lugar-não-lugarizado tem na visita ao Templo sua simbolização, mas não se confina a ele!
O conforto que o salmo menciona no encontro com Deus é o de um ninho. Os “altares” devem ser lugar de pouso, de descanso e de paz!
A inveja santa do cidadão daqueles dias se dirigia aos levitas. “Bem-aventurados os que habitam em tua casa: louvam-te perpetuamente”. Hoje não existem mais levitas! Todos nós fomos feitos uma nação de sacerdotes!
O lugar da adoração perdeu sua ênfase geográfica e ganhou sentido existencial! O Templo sou eu, o lugar do culto é meu ser e a liturgia é a vida vivida em Cristo!
O salmista sabe que para alcançar o lugar-ninho tem-se que passar pelo “vale árido”. Por isso a força do ser tem que estar em Deus.
Se o significado da viagem for o Senhor, mesmo no vale árido faz-se dele “um manancial e de bênçãos o cobre a primeira chuva”.
Subitamente o cântico solitário admite outras presenças na jornada. O desejo de Deus é meu, mas muitos sentem a mesma coisa.
A irmandade do Caminho é feita de pessoas que se encontram porque reconhecem que amam o mesmo Deus e estão fazendo a mesma jornada. “Vão indo de força em força; cada um deles aparece diante de Deus…” O alento dessa caminhada é a Graça!
O peregrino sabe que quem escuta as suas oração é o Deus do ambíguo Jacó! Portanto, a presença de Deus é ninho somente quando se sabe que Nele se pode descansar na Graça!
A conclusão do salmo é absolutamente existencial. Nele vale somente o que tem significado. Até mesmo o tempo encontra sua mais absoluta relativização antes mesmo do nascimento dos gênios modernos da Física Quântica. O que importa é o que vale! O que vale, é o que importa! Por isso o salmista diz: “Um dia nos teus átrios vale mais que mil”.
A conclusão é simples: o salmista faz escolhas baseadas em significados e em valores que existem em sua consciência. Sua obediência a Deus vem de seu amor por Deus. Daí ele concluir dizendo: “prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade”.
A alma que conhece a Deus perde o jeito de ser em qualquer situação que não seja na presença de Deus. As tendas da perversidade, por mais luxuosas que sejam, não oferecem um ninho para o ser.
Quem conhece a Deus como encontro de amor sente-se totalmente afetado por Sua Graça. E isto faz com que andar com Deus seja alegria, e as dificuldades da jornada sejam superadas. Os vales áridos são atravessados. Cavam-se poços e guarda-se a chuva.
Um irmão dá força ao outro. E cada um aparece diante de Deus.
Caminhar assim é ninho, mesmo antes que a gente chegue lá!
Caio Fábio
06/04/2006