O PECADO NA PERCEPÇÃO
A percepção se estabelece em muitas camadas. A mais superficial delas é a que procede de meus olhos, em relação aos outros.
O meu juízo é a cegueira. Isto porque quando me vejo julgado é quando acho que melhor percebo o engano dos outros, e, neste caso, consinto com o fato de que quando julgo, em geral, erro. Pois se é assim dos outros para comigo, na maioria das vezes, ou conforme o que eu honestamente veja como verdade e realidade à partir de mim, então por que o critério deveria mudar de mim para eles? Jamais!
Ora, quando isto é verdade para você, por mais que seja a própria negação da verdade em você, aparece uma possibilidade de descolamento na apreciação em você. Você pode começar a ver você com os olhos de milhares de outros. Ora, é como se você pudesse se ausentar de você mesmo, sem tirar você da história em-si.
Sou sujeito da história, mas também passo a ser objeto dela aos meus próprios olhos, em minha própria observação, e que tem como conceito básico a certeza da impossibilidade de eu dizer o que é verdade para além do que eu mesmo vi, sempre lembrando que isto se baseia na honestidade da percepção que vê o equivoco projetado contra você, muitas vezes.
Então, o que aparece é a cena de um mundo discutindo o impossível, e matando a si mesmo pelo inferno da língua, que é juízo e fabricação de ilusões.
Quanto mais eu consigo olhar para mim como parte de um cenário — e conforme esses critérios —, mais ridículo o mundo se torna ante os meus olhos. E mais certo fico de que o mundo jaz no maligno.
E o mais extraordinário de tudo é que todos evocamos a certeza da saúde, da justiça e do juízo. Ou seja: cada lado do engano chama a si mesmo à existência como sendo projeto de vida “sã”, “justa”, e “reta” — significando isto que todos se consideram certos e com direito. Esse é o mais radical de todos os direitos: o direito ao engano.
Mas é por ele que vem o juízo de Deus. Portanto, essa é a guerra na qual todos morrem. A história da busca da verdade ou do sentido da existência entre os homens, é a história do desencontro que gera auto-aniquilamento.
É paradoxo: é a confusão da Torre de Babel impedindo os homens, estranhamente, de se entenderem para sempre para o mal.
Isto aconteceria no dia em que todos nos declarássemos “sãos” o suficiente para não nos deixarmos provocar por qualquer desejo de mudança. São estátuas falantes! No fundo o que ecoa é apenas a mesma coisa: “Pois todos pecaram, e todos, igualmente, carecem da glória de Deus”.
Caio
Copacabana
Escrito em 2003