O QUE É DEVIDO À PAZ

Lc 19: 42 Jesus estava entrando em Jerusalém. Sabia o que lhe aguardava. E Cruz estava no porvir imediato, apesar de que Ele mesmo sabia que viera para aquele dia e aquela hora. “Vendo a cidade, chorou, e dizia: Ah! Se conheceras por ti mesma ainda hoje o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos”. Ele chora pela inevitabilidade do inevitável! A Cruz tinha que acontecer simplesmente porque já havia acontecido. O Cordeiro de Deus foi imolado antes da fundação do mundo. Porém, mesmo ante o inevitável, Jesus “suspira”. E é aí nesse “Ah!” de exclamação que Ele nos ensina o que vale para o que é evitável no cotidiano. 1. O inevitável é inevitável não como circunstância. Ninguém tem o poder de alterar certas circunstâncias, mas pode ter o poder de altera-las como infiltração em seu próprio ser. “Ah! Se conheceras por ti mesma…” A Cruz poderia ser erguida, mas poderia ter sido erguida sem “anuência coletiva”. Alguns poderiam tê-la levantado, mas não com a anuência de toda a “cidade”. O problema não é quando vivemos na cidade. O problema é quando viramos a cidade, quando nos deixamos possuir pelo seu espírito. Ora, isto só é evitável quando não seguimos os “fluxos coletivos”. Daí o desejo irrealizado de Jesus ter sido carregado da nostalgia do “se conheceras por ti mesma”. Auto-consciência é o que nos salva de sermos correligionários dos fluxos inevitáveis. 2. O inevitável sempre passa pelo dia Chamado Hoje. Daí o inevitável ser sempre inevitável como “circunstância”, mas ser evitável como “escolha interior”. É o Hoje aquele “instante” que nos salva do “fluxo das multidões”. Hoje, às vezes, é o Dia de Todos. Mas, freqüentemente, é Dia de Salvação para quem enxerga, ainda que sozinho. 3. O inevitável só é evitável como compreensão do que é “devido à paz”. E o que é devido à paz? A frase, como está no texto em epígrafe, soa como uma “divida”. Todavia, seu sentido é outro! O que é devido à paz tem a ver com aquilo que se tem que entender a fim de evitar a guerra. Naquele caso—o do texto em questão—o que era devido à paz era o reconhecimento de que o Príncipe da Paz estava ali, naquele Dia e naquela Hora. Isto, todavia, estava “oculto” aos sentidos deles. Daí o Dia Mal ter que visita-los. Assim aprende-se que aquilo que é devido à paz é sempre a compreensão da Presença de Deus, em qualquer hora do dia, especialmente no Dia Mal. A ênfase da passagem recai sobre o instante: “ainda hoje…está agora oculto aos teus olhos”. Uma cidade não enxerga. Pessoas enxergam. A única visão unanime que a Coletividade terá será aquela que “todo olho verá”, e que só acontecerá quando o “Filho do Homem vier em poder e grande glória”. Até lá só enxerga quem tem coragem de ver por si mesmo. Não é possível obrigar o que é devido à paz aos homens. Tal obrigação se transforma em guerra. O que é devido à paz tem que ser visto por mim, com meus olhos, e não com os olhos de outros. Aquilo que eu não vejo jamais será um valor em mim enquanto eu não vir por mim mesmo. E essa percepção é fruto da “revelação”. Do contrário, seguindo o fluxo das percepções majoritárias, ninguém chega a discernir o que é devido à paz. Paz é uma conquista de cada dia. Ela nunca se auto-entrega como “pacote” e nem de oferece para ser “possuída”. Paz é algo que só existe como uma compreensão que opta por ela instante a instante, dia a dia. E hoje? O que é devido à paz em sua vida? O choro de Jesus se renova: “Ah! Se tu conheceras por ti mesmo (a) o que é ainda hoje devido à paz”. O que me impressiona é esse “ainda hoje”! Sempre há um “ainda” em todas as vésperas! Daí Jesus poder chorar sem cinismo frente ao inevitável! Há um “ainda”! Afinal, quem sabe? Pode ser que alguém decida se auto-excluir dos fluxos da morte! Portanto, com extrema repetitividade, somos sempre remetidos outra vez para o “instante”, para a compreensão que tem que ser re-apropriada todos os dias. Ninguém é sábio para sempre! Sábios de sabedoria perene terão que aprender que sabedoria não é um “banco de dados”, mas uma banco de auto-exame, hoje, amanhã—que será hoje quando chegar— e sempre. Afinal, “o sempre” só existe como Hoje Consistente, e reapripriado todos os dias. E quando o instante é discernido “Hoje”—neste momento chamado “Agora”—não há nele a maldição de que trata-se de algo inevitavelmente “oculto”. O oculto só existe como tal para quem não se entrega, em Deus, para as fragilizantes renovações de consciência em cada dia Chamado Hoje!