“A ardente expectativa da criação aguarda a manifestação dos filhos de Deus”, disse Paulo.
E ele prossegue dizendo que a criação sofre um adicional de peso de vaidade que sobre ela foi posto, para que ela também seja redimida do cativeiro da corrupção. E afirma que a criação geme e suporta angústias até agora; e não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito em nós.
Assim, para Paulo, quanto mais no Espírito se é e vive, mais se ouvem os gemidos da criação; e mais se entende que ela aguarda ansiosa a sua própria redenção.
Sim, redenção desse ciclo de morte feita com perversidade; e de cujo ciclo, nós, os humanos, somos os agentes de vaidade e dor para as demais criaturas; isto quando nossas ações as extinguem.
Nossa mera existência em desarmonia com Deus, com nós mesmos, com o próximo e com a criação, já abala a existência energética de todas as coisas vivas à nossa volta; isto conforme o profeta Oséias, visto que ele diz que por causa do pecado dos humanos contra os próprios humanos, tanto peixes, quanto aves e árvores, morriam a sua volta.
De fato Paulo diz que nós gememos e suportamos angústias, apesar de sermos as primícias do Espírito entre os humanos; ou seja: apesar de sermos aqueles que olhamos o Universo como tendo o significado do amor de Deus.
Paulo fala de algumas angústias humanas no decurso de sua carta aos Romanos. Primeiro ele fala da dor essencial, da psicose básica de todos os humanos (Rm 7, isso se seguirmos uma lógica existencial). Então ele nos livra dela, dizendo que em Cristo toda a condenação da Lei cessou, e que agora somos filhos e herdeiros de todas as promessas divinas; pois, Deus já se reconciliou conosco, os pródigos universais. Isto porque nós já fomos abraçados; e já recebemos um anel nos nossos dedos e sandálias nos nossos pés, e já foi ordenado o início da festa do Reino (Rm 8 e Lc 15).
No entanto, essa libertação do gemido essencial, e que agora deu lugar ao clamor que chama a Deus de “Aba”, paizinho, não nos isenta de passarmos por muitas tribulações, nas quais devemos aprender a nos gloriar, pois, em todas elas, duas coisas estão acontecendo. Primeiro um processo que faz da tribulação a porta de entrada para a perseverança, a experiência, a esperança, e, conseqüentemente, um profuso derramar do Espírito Santo em nós como certeza, esperança e consolação (Rm 5: 1-5). A segunda tem a ver com a experiência conspiratória que passa a acontecer em nosso favor, mesmo na tribulação; e que é aquela que advém da pessoa estar tão certa da Graça de Deus em tudo, e tão tomada de amor divino e gratidão, que, então, o universo inteiro vira adubo para fazer florescer nela o melhor dela (Rm 8).
“Todas as coisas cooperam conjuntamente para o bem daqueles que amam a Deus…”
Ora, segundo Paulo, esses tais gemidos são misturados com os gemidos do próprio Espírito, o qual, intercede por nós; posto que não sabemos nem mesmo o que nos convém orar e pedir em cada situação da vida.
Assim, de gemedores que gemem com os gemidos da existência e da criação, deflagra-se o Gemido dos gemidos, que é o Gemido do Espírito, sondando as profundezas de Deus, e, segundo a Vontade Sublime, intercedendo por nós, em nossa vitoriosa e gloriosa fraqueza.
Não é possível que um mundo caído não seja feito de gemidos. Milhões de almas ouviram esses gemidos no curso de milênios. Anônimos desde a antiguidade o ouviram; e outros famosos desde a antiguidade, o ouviram também. Dentre os famosos gente como Sidarta (o Buda), Confúcio, Sócrates, e muitos e muitos outros.
Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, entre outros tantos, também ouviram tais gemidos; os quais, não apenas ouviam e sentiam os gemidos da criação, mas receberam de Deus a esperança da Redenção; o que aos demais não foi revelado.
Todos os que ouviram os gemidos da criação sem a revelação da Esperança em Cristo, apenas ouviram e sentiram tais dores, as quais os levaram, na maioria das vezes, a conceber a salvação como “resignação”.
Sidarta é o melhor exemplo disto!
Em Jesus, entretanto, salvação não é “resignação”, mas sim é cura, é refazimento, é plenificação, é festa, é gozo, é mergulho absoluto no que É. E É amor!
Assim, Paulo faz silenciar também como desconforto esse gemido que sentem aqueles que são as primícias do Espírito; e o põe (o gemido) a serviço da esperança e da consolação.
Sim, porque ele diz que desses gemidos a alma olha para além, e, assim, é salva na esperança daquilo que ainda se não vê; pois, se se visse o que se espera, esperança isto já não seria, mas sim a realização da própria salvação absoluta.
Ora, é desse olhar resolvido existencialmente (Rm 7e 8), e que transforma gemido em processo de crescimento (Rm 5), e que geme com os gemidos universais (Rm 8), sem, contudo, se tornar vitimado por eles — pois é olhar que vê através da esperança — que Paulo diz: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
Com tal questão, Paulo nos ensina que nesta existência o que “é contra nós” não é a dor, nem a tribulação, nem as perseguições, nem as aflições, nem a fome, nem a nudez e nem a espada… Mas sim o que nós fazemos da consciência do amor de Deus que pelo Evangelho nos foi transmitida, posto que o que de fato interessa não é se sou ou não poupado de tribulações, mas sim se estou livre do medo, da culpa, da fobia da condenação, do terror do acusador, e de todas essas coisas, as quais, são as únicas que podem nos impedir de provar o amor de Deus como benefício para o existir (Rm 8).
Nada pode nos separar do amor de Deus; porém, uma visão amargurada e desesperança da existência, pode nos impedir de usufruir da segurança que advém da certeza da indissolubilidade e da indivorciabilidade do amor de Deus por nós e por cada pessoinha humana desta Terra; especialmente aquelas que carregam no ser as primícias do Espírito.
Assim, na Graça, todo gemido vira canção de redenção!
Nele,
Caio
Copacabana
Rio
2004