OS SALMOS MUDAM…GRAÇAS A DEUS!
A minha amiga perdeu a filha em meio à palavras “proféticas”. Há mais de um texto em Cartas que contam a história.
Eis aqui mais uma correspondência. Quem desejar pode ler aqui, em Cartas.
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—–Original Message—–
From: Lian
Sent: terça-feira, 6 de janeiro de 2004 09:48
To: [email protected]
Subject: Contato do Site : Confidencial
Mensagem:
Querido Caio:
Hoje, terça-feira, 06 de janeiro de 2004, minha vontade é não escrever. Escrevo como sonâmbula, na esperança, talvez de que as palavras consigam diminuir a minha dor. Mas eu não quero que a dor diminua. Não quero ficar alegre de novo. Quando a dor diminuí é porque o esquecimento já fez o seu trabalho. Mas eu não quero esquecer. O amor não suporta o esquecimento. Vazias são minhas palavras, a dor roubou. Alma não se volta para nada, ele esta abraçada com minha dor. Gosto de comunicar com você, pois essa é sua vocação pôr palavras nos lugares onde a dor é demais. Não para que ela termine, mas para que ela se transforme em uma estrela no Firmamento, brilhando sem cessar na noite escura. Minha dor é tanta que a procuras das palavras se transforma num peso enorme, bola de ferro que se arrasta, pedra que se rola até o alto da montanha, sabendo ser inútil o esforço, pois ela rolará de novo morro abaixo. Sinto uma preguiça enorme, um desânimo sonolento de escrever. Arrasto-me. Obrigo-me a me arrastar. Empurro as palavras como quem empurra blocos de granito. Por isso depois do natal não escrevi para você, fiquei quieta, não disse nada, não escrevi nada. Pensei em mandar uma página em branco, silêncio puro? Sei que minhas palavras são inúteis. A morte faz com que tudo seja inútil. Olho em volta as coisas que amo os objetos que me davam alegria, o mar, os CDs, os quadros: está tudo cinzento sem brilho sem cor sem gosto. Atendo o telefone e sou delicada com as pessoas que falam comigo. Disse-lhes que fazia dois meses que eu chorava quase sem parar. Elas riram. Não por maldade, mas por achar que eu estava brincando. Minha filha morreu. Portanto todas as palavras são inúteis. Sobre a cachoeira dos seus risos está escrito “nunca mais”. Meu corpo e minha alma, hoje, são um vaso cheio com a dor do seu vazio.
Sei que você sabe o que estou sentindo, obrigada por lembrar de mim nas suas orações.
Lian
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Resposta:
Minha amada amiga: Consolação sobre a sua vida!
Há ocasiões e estações da vida onde a alma fica assim…tipo salmo 88.
O que não se pode fazer nessas horas é negar a alma o seu direito à dor; e nem tampouco institucionalizar a dor como uma espécie de “fidelidade” a quem morreu para a Terra…e a quem amávamos…e amamos…a morte não leva o amor, pois o amor é mais forte do que a morte.
Morreu para a Terra…apenas; pois, para Ele, todos vivem.
A oração de agora é escrita com lágrimas…mas haverá outras orações a fazer. Assim você ora hoje:
Ó Senhor, Deus da minha salvação, dia e noite clamo diante de ti.
Chegue à tua presença a minha oração, inclina os teus ouvidos ao meu clamor; porque a minha alma está cheia de angústias, e a minha vida se aproxima da sepultura. Já estou contado com os que descem à cova; estou como homem sem forças, atirado entre os finados; como os mortos que jazem na sepultura, dos quais já não te lembras, e que são desamparados da tua mão. Puseste-me na cova mais profunda, em lugares escuros, nas profundezas. Sobre mim pesa a tua cólera; tu me esmagaste com todas as tuas ondas. Apartaste de mim os meus conhecidos, fizeste-me abominável para eles; estou encerrado e não posso sair. Os meus olhos desfalecem por causa da aflição.
Clamo a ti todo dia, Senhor, estendendo-te as minhas mãos. Mostrarás tu maravilhas aos mortos? ou levantam-se os mortos para te louvar? Será anunciada a tua benignidade na sepultura, ou a tua fidelidade no Abismo? Serão conhecidas nas trevas as tuas maravilhas, e a tua justiça na terra do esquecimento?
Eu, porém, Senhor, clamo a ti; de madrugada a minha oração chega à tua presença.
Senhor, por que me rejeitas? por que escondes de mim a tua face?
Estou aflito, e prestes a morrer desde a minha mocidade; sofro os teus terrores, estou desamparado.
Sobre mim tem passado a tua ardente indignação; os teus terrores deram cabo de mim.
Como águas me rodeiam todo o dia; cercam-me todos juntos.
Aparte de mim amigos e companheiros; os meus conhecidos se acham nas trevas.
Daqui a algum tempo…só Deus sabe o tempo…sua oração será outra. Devagar a esperança vai prevalecer. Então você orará assim:
Senhor, tu tens sido o nosso refúgio de geração em geração.
Antes que nascessem os montes, ou que tivesses formado a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus. Tu reduzes o homem ao pó, e dizes: Voltai, filhos dos homens!
Porque mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou, e como uma vigília da noite. Tu os levas como por uma torrente; são como um sono; de manhã são como a erva que cresce; de manhã cresce e floresce; à tarde corta-se e seca.
Pois somos consumidos pela tua ira, e pelo teu furor somos conturbados.
Diante de ti puseste as nossas iniqüidades, à luz do teu rosto os nossos pecados ocultos. Pois todos os nossos dias vão passando na tua indignação; acabam-se os nossos anos como um suspiro. A duração da nossa vida é de setenta anos; e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, a medida deles é canseira e enfado; pois passa rapidamente, e nós voamos.
Quem conhece o poder da tua ira? e a tua cólera, segundo o temor que te é devido?
Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.
Volta-te para nós, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos.
Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que nos regozijemos e nos alegremos todos os nossos dias.
Alegra-nos pelos dias em que nos afligiste, e pelos anos em que vimos o mal.
Apareça a tua obra aos teus servos, e a tua glória sobre seus filhos.
Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; e confirma sobre nós a obra das nossas mãos; sim, confirma a obra das nossas mãos.
Mas chegará uma outra estação. Nela haverá lembranças e saudades. No entanto, o coração já estará firme e confiante. Naquele dia você orará assim:
Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Todo-Poderoso descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em quem confio. Porque ele te livra do laço do passarinho, e da peste perniciosa. Ele te cobre com as suas penas, e debaixo das suas asas encontras refúgio; a sua verdade é escudo e broquel. Não temerás os terrores da noite, nem a seta que voe de dia, nem peste que anda na escuridão, nem mortandade que assole ao meio-dia. Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás atingido. Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios. Porquanto fizeste do Senhor o teu refúgio, e do Altíssimo a tua habitação, nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te susterão nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra. Pisarás o leão e a áspide; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente. Pois que tanto me amou, eu o livrarei; pô-lo-ei num alto retiro, porque ele conhece o meu nome. Quando ele me invocar, eu lhe responderei; estarei com ele na angústia, livrá-lo-ei, e o honrarei. Com longura de dias fartá-lo-ei, e lhe mostrarei a minha salvação.
Sim, nesse dia você orará com tanta certeza que sua oração será uma mensagem para todos.
Sei que Aquele que permitiu essa ferida haverá de sará-la!
E mais: os salmos da vida sempre mudam. Há casos em que um salmo acaba como se aquela dor fosse definitiva. Mais na frente você o autor do salmo falando de outra emoção, cheio de exultação, e tomado por alegrias que contradizem a presunção de “ser definitiva” da dor que antes havia se instaldo.
Sim, graças a Deus os salmos mudam!
Um abração,
Caio