PEGA O NOJENTO E TERÁS UM TESOURO NO CÉU

Leitura: Mateus capítulos 6 e 25

Existe um reciprocidade entre o céu e a terra. O “Pai nosso” nos ensina isso. Para Deus as coisas são “assim na terra como no céu”. Por isso é que o perdão que eu recebo do céu precisa escorrer para a terra como perdão que eu concedo a todo aquele que me ofende.

Ora, tendo isso em mente — essa reciprocidade entre o céu e a terra—, eu gostaria que você pensasse acerca do seguinte:

Jesus disse que os que mostram a sua “piedade” mediante gestos e atos “devocionais” diante dos homens — orar em voz inapropriadamente alta nas esquinas da vida; mostrar a todos as esmolas ou dinheiro ou favores que faz ou dá a quem quer que seja; evidenciar na “cara pálida” as conseqüências de um jejum prolongado — recebem as “recompensas” da eternidade no tempo. Sim, proceder deste modo — e que é um modo antes de tudo interior — faz com que a “nossa piedade” fique nas mãos dos homens que assistem as nossas performances de devocionalidade teatral.

Ora, nesse caso, Jesus disse que dos homens, na melhor das hipóteses, se recebe “aplauso” como recompensa.

E prossegue: “Quando orares, jejuares ou deres esmolas…faze isto em secreto, e o Pai que vê em secreto te recompensará”.

Do contrário, Ele explica, a recompensa é apenas o aplauso dos falsos aos falsos.

Assim, é possível esvaziar o nosso tesouro eterno se fizermos saques dele para apresentar nossa riqueza aos olhos dos homens.

Essa afirmação de Jesus, para mim, soa pior do que a existência do inferno. Isso porque Ele diz explicitamente que é possível se usar no tempo os tesouros que seriam os correspondentes a eles na eternidade.

Assim, fica explicitado, com linguagem tão simples que chega até a soar infantil — daí nós não levarmos esta e muitas outras afirmações de Jesus a serio —, que nós podemos fazer saques à eternidade, e que por tais saques teremos uma eternidade inteira de arrependimento.

Assim, aqueles que julgam que possuem um tesouro no céu em razão de sua piedade, ao mostrá-lo na forma de aparições devocionais estudadas e premeditadas com a intenção de impressionar os homens, estão trocando na Casa de Cambio da Religião, da Moral ou de qualquer outro virtuosismo, o Eterno pelo Temporal. Portanto, o que lhes tocará como recompensa será apenas receber aplauso e reconhecimento de homens iguais a si mesmos, e apenas no chão teatral da Terra.

Sim, esses terão como seu próprio tesouro apenas a fugacidade de um aplauso insincero e igualmente teatral.

Aqui está a grande ironia: trocar a eternidade pela teatralidade da piedade vazia!

Ora, isso me levou a uma outra viagem. E ela é a seguinte:

Se Jesus é o Verbo Encarnado, e se Ele mesmo cumpriu em si mesmo e também para si mesmo o que ensinou aos outros, então, certamente, há uma multidão de coisas, gestos, ações, e vivências de Jesus que jamais poderiam ser reveladas e nem conhecidas, visto que Ele mesmo teve uma vida pessoal com Deus.

Ou seja: Jesus, um homem de Nazaré, também viveu a piedade no secreto.

Ou será que você pensa que Deus encarnado não tem também vida com Deus?

O homem Jesus se submetia a Deus em todas as coisas, conforme nos ensina a epístola aos Hebreus. Sim, está dito que Ele mesmo “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”.

Por essa razão, há muito mais coisas entre o homem Jesus e o Pai do que os evangelhos poderiam mostrar. João mesmo — que soube apenas aquilo que seus olhos viram, seus ouvidos ouviram e suas mãos tocaram com respeito ao Verbo da Vida — não sabia das intimidades entre o homem Jesus e o Pai Celestial.

A única intimidade gloriosa que os evangelhos mostram entre Jesus e o Pai acontece na Transfiguração, e na ocasião não havia uma multidão, mas apenas três amigos daqui (Pedro, Tiago e João) e dois amigos do lado de lá (Moisés e Elias).

Ora, isso me leva a pensar e perguntar o seguinte:

Além do fato de Jesus ensinar que todo aquele que dá um copo d’água a um pequenino, ou que o acolhe, ou que o alimenta, estar de fato dando isso ao próprio Jesus; e além Dele dizer que no Grande Dia muitos descobrirão que fizeram o bem a Ele quando socorriam o nu, o faminto, o encarcerado, o discriminado, o estrangeiro, o doente, e todos os necessitados da Terra; sim, será que além de tudo — que para muitos trata-se de algo apenas simbólico — Ele mesmo não se espalhou por toda a história, sendo Ele mesmo o caído, o largado, o deixado, o pisoteado, o escarnecido, e o queimado nas fogueiras?

E aqui não estou cometendo a heresia de falar de muitas Encarnações de Jesus — como os idiotas logo pensariam —, mas apenas do fato de que Ele é Deus, e que toda carne a Ele pertence.

Sim, em quantas fogueiras Jesus foi queimado e em quantas esquinas foi desprezado?

Sim, em quantas caras feias e desdentadas foi visto e não foi reconhecido?

Sim, em quantos muçulmanos, budistas, espíritas, hereges, bruxos, e feiosos aos nossos olhos Ele não é largado, julgado e condenado ao inferno?

Bem, no texto de Mateus 25 Jesus nos diz que para todos o Grande Dia será uma Surpresa. Sim, para quem fez o bem e para quem fez o mal, ou praticou o pior mal: a omissão como missão existencial!

Afinal, se o que vale é o secreto, nada mais contínuo que pensar que a Verdade está sempre escondida sob faces feias e desprezíveis, e que o próprio Jesus se torna aquilo que desprezamos em razão de nossa maldade ou frieza.

Quem no cristianismo desprezaria Jesus se Jesus viesse “vestido de Jesus”?

Bem, se Jesus se apresentasse aos cristãos “como Jesus”, pela própria recomendação de Jesus ele deveria ser desprezado, visto que Jesus mesmo disse que sua próxima aparição não será oculta, porém explícita, e todo olho o verá.

Portanto, se disserem: “Ei-lo aqui”, ou: “Ele está no deserto”, ou disserem qualquer outra coisa, Jesus mesmo recomendou: “Não vades, nem o sigais; pois o reino de Deus não vem com visível aparência”.

Na História o reino está em secreto, está oculto, está no interior, até aquele dia quando os céus se abrirão e todos verão o Filho do Homem com poder e grande glória.

O que parece que esquecemos é que o Jesus que virá está Hoje aqui, e se mostra de modo repelente aos nossos sentidos.

E por que Ele fez e faz com que as coisas sejam assim?

Ora, Jesus quer que a Verdade em nós seja mais forte que o preconceito, o nojo, o juízo e o julgamento, e quer que pela Verdade em nós possamos ir ao encontro daquilo que desprezamos como parte de nosso auto-engano.

Sim, Jesus quer que a Verdade em nós vença todo o preconceito, visto que nosso tesouro no céu está oculto nas repugnâncias da terra.

Quanto mais preconceito na Terra, menos tesouro no Céu!

“Não! Nunca te deixamos em situação semelhante. Jamais passaríamos de largo se soubéssemos que eras tu!” — dirão os que pensam que Jesus é obvio, religioso e carrega uma face fixa, um rosto cristão de classe média ou agradável aos nossos olhos e pacificador de nossos sentidos.

“Sim, você me deixou na rua, na prisão, na esquina; sim, você me discriminou no muçulmano, no pai de santo, no bruxo, no gay, na mulher adúltera, no pobre, no imundo, no desprezível aos seus sentidos” — dirá Ele.

Assim, de um lado, nosso tesouro está seguro quanto menos tomamos dele para “mostrar aos homens”. Todavia, na Terra, nosso tesouro está nas coisas e nas pessoas que são objeto de nosso asco e de nosso desprezo.

Por isso, se faço saques ao tesouro eterno para banalizá-lo no tempo, terei uma eternidade de pobreza para lamentar. E se desprezo o meu tesouro na Terra — que são esses seres e coisas nojentas nas quais Jesus se torna imanente e secreto —, terei também uma eternidade inteira de arrependimento.

A proposta de Jesus é simples:

Deixe o tesouro que você gostaria de exibir onde ele pertence, que é a eternidade, e tenha a coragem de pegar no meu tesouro na Terra, que são justamente as coisas desprezíveis, e as que não são, e que existem para envergonhar as coisas e os seres que pensam que são e que possuem alguma coisa.

Que horrível!

O belo fica para a eternidade, onde a beleza não é estética. E o feio fica para o tempo, para a Terra, onde a feiúra é estética. Assim, o estético, o aparente, e o impressionante — seja ele o feio ou o belo — são justamente as coisas que nos julgarão, conforme a ordem na qual essas coisas existirem em nossos corações.

Atenção: “Não julgueis conforme a aparência, mas segundo a reta justiça, pois aquilo que é elevado entre os homens é abominação diante de Deus”.

Esta é a Palavra do Evangelho. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!


Caio