PERDAS E GANHOS

Hoje eu tenho menos do que jamais tive como homem adulto, e mais do que jamais tive enquanto era homem muito ouvido e percebido. Não tenho muito do que se pode ter… Tenho muito do que posso ser…mas ainda estou longe. Entretanto, já vi muitos mundos… Conheci milhares de pessoas… Fui conhecido por milhões… Senti muitos sentimentos… Mais do que se imagina. Já senti como é morrer de várias formas: morte súbita, morte consciente, morte inconsciente, morte lenta, morte viva. Já me vi visto com faces que não eram eu. Já vi reverencias se tornarem indiferenças, e admiração se converter em raiva. Já vi muitas coisas nascerem. Já dei a luz de muitas formas, tanto de parto normal, como de cesariana ou por trauma. Já construí e já derrubei. Já subi aos Pináculos, e de lá pulei. Já fui visitado por muitas emoções. Todas avassaladoras. Isto desde o tempo em que eu “soltava papagaio” o dia inteiro, com a linha na mão, o olho na pipa e no sol—isso enquanto “chamava o vento” com assobios. Conheço lugares onde não se consegue respirar, e palácios onde se respira o ar das artes e da graça estética de todas as coisas…sem falar nos cheiros dos jardins…e o vigor intenso dos aromas da floresta. Minha existência tem sido intensa e farta. Preços altos têm sido pagos. Culpa. Dores. Angustias. Tristezas. Raiva. Perplexidade. Amor não entendido. Juizos. Condenações. Muita coisa. Todo tipo de sentimentos…com muita intensidade…porém, sempre vão…sem deixar rastros de amargura ou ódio…só fica o que é bom. Fui muito mimado a vida toda. Mimado até quando era exposto a desafios sempre maiores que minha realidade, pois papai só deixava eu brigar com gente maior do que eu. E ele assistia tudo. E me fazia sentir vencedor mesmo quando eu perdia. E ele sempre me provava que eu podia me superar…assim como ele, que sempre tendo andado de muletas, nunca me deixou sentir tal “presença de madeira” como deficiência, mas sempre como um “instrumento a mais”. Papai me ensinou a ver como a fraqueza pode ser cheia de poder. Fui mimado por milhões também. Todos sabem. Todos lembram. Deus tinha outros planos. Me salvou de mimos e me mergulhou na experiência de Seu amor, isto com muita dor. Hoje eu estou aqui. Venho de uma longa jornada, e continuo no caminho no qual o Caminho me leva. Carrego comigo a alegria da Boa Nova, e celebro a cada dia mais a liberdade que tenho em Cristo, deixando-me ficar cada vez mais à vontade com meu próprio ser. Já houve tempo em que eu sentia Deus dentro, mas o via acima de minha cabeça. Já vi a Deus de muitos modos. Todos assim sabemos. Mas hoje eu o vejo não dentro, nem acima, nem fora… Simplesmente é. A fé explica em mistério. O coração sabe. Os olhos vêem o invisível. Ninguém vê. Mas você está habitado por um tesouro. Você vê o invisível. Você vê sem medo. Você se sabe amado. Os vasos de barro salvam o tesouro de saques…a aparência do vaso é desprezada. Assim mesmo…não daria pra ser visto mesmo! Não dá pra explicar. Mas é a confiança em Cristo, e em Sua Graça radical, o que mergulha você nessa … Não dá pra contar …excede a todo entendimento. Só sei uma coisa: muito pouco é necessário…e olhe que eu ainda vivo em luxúria…se comparado com o que sei poder ainda ser simplificado em minha vida. Caio ESCRITO EM 22/03/2004